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À pala de Walsh
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In memoriam: Jean-Louis Trintignant (1930-2022)

De À pala de Walsh · Em 24 de Junho, 2022

No final da semana passada a comunidade cinéfila recebeu, com tristeza, a notícia da morte de Jean-Louis Trintignant. Figura icónica do cinema europeu do pós-guerra, e cara indestrinçável da Nouvelle Vague francesa, Trintignant sempre foi um actor discreto e subtil, de uma presença fugidia e quotidiana. Esta interpretação do homem comum valeu-lhe alguns dos seus papéis mais lembrados. Embora a sua carreira se pautasse, nos anos 1990, pelo encontro com Krzysztof Kieślowski e, já no século XXI, pela sua recorrência no cinema de Michael Haneke, os walshianos prefeririam lembrá-lo pelos seu filmes dos anos 1960: o extraordinário sucesso comercial que foi Un homme et une femme (Um Homem e Uma Mulher, 1966), de Claude Lelouch, seguido, logo depois, pela elegância de Les Biches (As Rivais, 1968), de Claude Chabrol, e por fim, aquele que é – talvez – o seu desempenho mais lembrado, o de Ma nuit chez Maud (A Minha Noite em Casa de Maud, 1969), de Eric Rohmer. Ricardo Gross, Daniela Rôla e Luiz Soares Júnior conduzem-nos por três filmes onde a essência do trabalho de actor de Trintignant se evidência.

Un homme et une femme (Um Homem e Uma Mulher, 1966) de Claude Lelouch 

Se me perguntassem pela quinta-essência da feminilidade eu indicaria Anouk Aimée neste filme de Lelouch. A actriz reconheceu sentir-se atraída por interpretar uma mulher que é feminina a mil por cento, desse modo colocando-se aquém da personagem construída por si e por Claude Lelouch, e que dá pelo nome de Anne Gauthier (uma anotadora de cinema). Como todos saberão a história deste filme é a do encontro entre dois viúvos que têm os filhos únicos a estudar num internato em Deauville. Anne e Jean-Louis Duroc (Jean-Louis Trintignant) irão apaixonar-se um pelo outro no decorrer das deslocações no Ford Mustang dele entre Paris e Deauville, e nalguns passeios que farão junto ao mar na companhia das crianças. 

Claude Lelouch pontuou o seu filme com olhares e gestos de uma ternura que o próprio reconhecia não ser a sua. Trata-se da versão idealizada de um romance, mas filmado com tão grande sensibilidade e um sentido de frescura do espontâneo que somos levados a acreditar no que acontece em ambos os planos: o idealizado e o da realidade. Para estar à altura da quinta-essência da feminilidade, o que Lelouch e Trintignant apresentam pode também ser tomado pela quinta-essência da masculinidade, em que a personagem dele, um corredor de automóveis, começa por brincar com a sua identidade e o modo como se relaciona com as mulheres. 

Um dos elementos que mais nos recorda Jean-Louis Trintignant é a voz. Lelouch fez o filme com pouquíssimos meios e usou uma câmara facilmente manuseável mas que produzia um tal ruído que complicava o uso de som directo. Mesmo nas cenas em que o casal contracena com diálogos entre si, podemos imaginar que tenha sido feita uma dobragem na pós-produção. Da voz de Trintignant, guardamos sobretudo os monólogos interiores nas viagens que Duroc faz sozinho, ao volante, a conduzir sem interrupção entre o Mónaco e Paris, após ter recebido um telegrama de Anne a felicitá-lo pela sua prestação no rally e a dizer pela primeira vez que o ama; e já no final do filme quando Jean-Louis, que se havia separado de Anne depois de um complicado final de tarde em que tentaram dormir juntos, faz o trajecto Deauville-Paris seguindo o comboio onde ela viaja, para lhe declarar o seu amor. 

Un homme et une femme é um ícone do cinema. Percebemos algumas referências que terão influenciado a forma do filme, mas nada que tenha sido feito depois se pode ligar directamente à magia que ali se produz. É um objecto único.

Ricardo Gross

Les Biches (As Rivais, 1968) de Claude Chabrol

Porquê escolher Les Biches, de Claude Chabrol, um filme onde a presença de Jean-Louis Trintignant é tão discreta? Mas não será a filmografia de Jean-Louis Trintignant toda ela feita dessas aparências discretas, elegantes, um pouco enigmáticas?

A sua presença é aí, como aliás em quase todos os filmes da sua longa carreira, uma presença subtil que quase escapa, mas a que não se escapa. Essa característica fugidia é, talvez, a marca mais distintiva de Jean-Louis Trintignant, o que está plenamente alinhado com aquela que era a sua persona cinematográfica, de alguém para quem o estatuto de estrela era algo de incómodo. A cena em que me detenho acontece a uns 20 minutos do final do filme, Frédérique (Stéphane Audran), Why (Jacqueline Sassard) e Paul (Trintignant) junto à lareira, escorregando languidamente pelo sofá, já tomados pelo álcool. Paul é o tipo de bêbedo eloquente, começando a contar a história de um homem que procura descobrir o que é, verdadeiramente, a sabedoria humana. Meio atordoado, o pé da Audran a roçar-lhe a face, acaba por finalmente sucumbir aos encantos das duas mulheres que perante ele se acariciam e afirmar, resignadamente, “vamos para a cama!”. Repare-se como o tom da voz dele muda subitamente, de rapaz sem jeito a contar uma história como defesa (parecendo um pouco atemorizado pela presença masculina de Stéphane Audran), para sedutor seguríssimo de si quando afirma “vous êtes charmantes, mes biches!”. 

O obituário publicado pela BFI mencionava, de forma particularmente inspirada, uma “masculinidade tímida, mas sexy”. É, de facto, esse charme discreto de Trintignant que explica o seu brilhantismo, uma generosidade de interpretação que parecia inesgotável, justamente porque havia ali tanto de contido, tanto que jogava com a nossa imaginação. Boa parte do seu magnetismo vinha-lhe da voz (algo que soa a atributo de estrela do cinema clássico – pensamos, desde logo, em Claude Rains e James Mason), resultava de dar o peso devido a cada palavra (as entrevistas concedidas por Trintignant são sempre um deleite, a oportunidade de contemplar a forma como pondera cada resposta, como há vida em cada resposta), uma forma especial de dizer e de deixar espaço para o não dito. Para terminar, não esquecendo que Trintignant foi também produtor de vinho, resta perguntar se alguém tem por aí uma garrafa de Rouge Garance, para que se faça o devido brinde de despedida.

Daniela Rôla

Ma nuit chez Maud (A Minha Noite em Casa de Maud, 1969) de Eric Rohmer

Em Les Dames du bois de Boulogne (As Damas do Bosque de Bolonha, 1945), adaptação segundo o roteiro de Jean Cocteau de um trecho do Jacques, o fatalista, de Diderot, Robert Bresson inicia o filme com um verdadeiro programa jansenista a ser reelaborado pelo ulterior jogo de esconde/esconde, ou de alternantes revelação e ocultamento deste mundo de máscaras: “Não existe amor; apenas as provas de amor”. Esta práxis afetiva, este dictum materialista ou realpolitik sensorial que coloca a aparência aletheia como anterior e fundamento da essência tem na obra-prima Ma nuit chez Maud, de Eric Rohmer, a sua versão dúplice do mesmo dilema espiritual. Digo dúplice porque agora a máscara se recorta segundo a cartolina pintada de uma loira “inocente” feita para casar e de uma morena “pecaminosa” divorciada; ou não?

O filme vai trabalhar esta dicotomia entre pecado e redenção segundo uma dualidade que habita o coração daquele encarregado da escolha, do livre-arbítrio, que aliás segundo o desenvolvimento da transparência minimalista da fé e arte jansenista foi o grande espinho na carne da teologia católica nos tempos modernos: “(…) é porque sou cristão que me insurjo contra o rigorismo de Pascal (…) se isso é ser cristão, então eu sou ateu”. Entre o Acaso e o livre arbítrio, a aposta de Pascal é negada (ou antes: suprassumida, ou negada e ultrapassada) por alguém que cultiva, como o personagem de Trintignant, a austeridade do gesto e o inquisitivo enviesado dos olhares, mas que não hesita em, como nos mostra o plano sequência filmado de dentro do carro, em perseguir como caçador a presa, na personagem de Barrault, porque afinal é necessário estar atento para apreender a chance que a Graça divina nos oferece. A vida segundo o pari de Pacal é este cristal urdido pela aliança entre o Acaso e o livre arbítrio, em que o ganhador da aposta ungida de Graça é aquele que crê em Deus, uma vez que a princípio é indiferente crer ou não; só a eternidade vai dar a cartada decisiva, e esta é alheia às escaramuças da liberdade humana. Cabe aqui ao cinema, arte materialista do julgamento, o lugar de Deus, aquele que julga a todos sem jamais ser objeto do olhar do Outro.

Como todo grande filme, Ma nuit chez Maud é um teorema perfeitamente confeccionado segundo os ângulos da regra de ouro, mas o decisivo na edificação de seu sentido são suas curvas e anfractuosidades, aquilo que é o índex de sua situação num mundo sempre muito bem situado (França burguesa, católica, intelectualizada), muito claramente indicado pelo découpage e uso da câmera, sempre intermediário, entre certo hieratismo clássico e desenvoltura fluida moderna da filmagem em locação e do uso certeiro do plano sequência em momentos decisivos para  a revelação do caráter ou intenção dos personagens. O plano sequência da perseguição ao objeto do desejo no início do filme, ficar ou não essa noite na casa de Maud, os intermezzi filosóficos com o amigo entre o café e o uísque, e os estados intermediários de humor todos, segundo a sibilina vocação de Trintignant para revelar escondendo, manifestar ocultando, etc..

A beleza de Ma nuit chez Maud está nesta reconciliação irreconciliada (as anfractuosidades, os ruídos, a captação dos pedregulhos do real), e é o ator Trintginant quem, com sua transparência marulhada por olhares onde tudo – décor, partner de cena, o infinito de Pascal e a finitude da paixão por Maud – tudo se dá a ler; a ler? A grande arte de Trintignant neste filme é que seus olhares sournois não apenas refletem o que veem, mas dão a ler: um grau acima, é Trintgnant quem, com seus três quartos de perfil cabisbaixo e frontalidade discretamente acintosa de révelateur de um estado de coisas – é ele que é encarregado por Rohmer de nos induzir a crer, como Pascal a seus discípulos de Port Royale, que o mundo vasto e ressoante de correspondências, de rimas e aliterações só nos é dado infinitamente quando lido, quando visto uma segunda e decisiva vez, a chance da Graça capturada pela livre ação humana. Num filme cheio de palavras, conversation pieces e hermenêuticas, o olhar do austero ator nos convoca para adivinhar as forças vivas e os atalhos sinuosos que todo significante a princípio contém, sua Origem na vida vivida e não apenas representada. Estes olhos que espiam e jamais se furtam à espreita do topos do Outro são os olhos que nos revelam, sob os pespontos alinhavados deste teorema cristalizado, a oportunidade de Graça que todo grande filme deve conter para permanecer vivo em nossos corações e mentes. A foto que ilustra este texto nos mostra o ator sendo simpaticamente julgado, numa captura de seu perfil, por sua potencial amante, Maud; ela tenta dar conta deste enviesado olhar de menino assombrado que, à espreita de todos os outros, nos revela o inaudito do Real sob o ponto de vista de uma fresta entreaberta na carne da existência.

Luiz Soares Júnior

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