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Fred Halsted: o cinema enquanto caleidoscópio do desejo 

De Bernardo Vaz de Castro · Em 15 de Setembro, 2022

Creio, antes de mais, que é importante reiterar a ideia de que o cinema porno gay dos anos 70 e 80, mais do que porno stricto sensu, era um campo imenso de experimentação e vanguardismo. É claro que a grande maioria dos filmes produzidos são filmes demarcadamente porno, com pequenas histórias e muitíssimas cenas de sexo – mesmo assim, radicalmente diferentes dos filmes a que hoje podemos assistir, onde o acto sexual em si totalizou o propósito do filme (é claro que há ainda raras excepções dentro deste universo, como por exemplo o nome de Bruce La Bruce, porém o mau gosto que graça nessas produções em nada poderá ser equiparado à mestria dos cineastas e dos filmes que mais à frente irei referir) – mas há uma franja considerável destes filmes que se distanciam da mera exibição sexual e usam o pornográfico como território de ensaio visual e sonoro. Entre os maiores cineastas e os filmes mais importantes produzidos no cinema porno gay, o nome de Fred Halsted é absolutamente incontornável.

L.A. Plays Itself (1972) de Fred Halsted

Tal como Wakefield Poole, Jack Deveau, Jean-Daniel Cadinot, Arthur J. Bressan, Tom DeSimone ou Peter de Rome, Fred Halsted produziu uma obra em duas décadas de uma imensa vitalidade (sobretudo nos EUA, mas com alguma expressão em França). O fim dessa vitalidade veio, é claro, com o aparecimento do HIV. Centenas de actores e cineastas morreram e os que sobreviveram, ou interromperam a carreira, ou fugiram para o cinema porno heterossexual (como foi o caso de Jack Wrangler), ou prosseguiram com as suas carreiras de forma kamikaze, como foi o caso de Cadinot, que no pico do flagelo do HIV, continuava a filmar cenas de sexo desprotegido, o que não deixa de causar um certo terror ainda hoje.

Porém, tentemos esquecer aquilo que foi inesquecível por alguns instantes (apesar do recente esforço em rescrever a história quando uma larga maioria da comunicação social tentou vincular a ideia de que a última pandemia, antes da covid-19, tinha sido a gripe espanhola, apagando por completo o impacto do HIV no mundo e as vítimas dessa história) e retrocedamos à época dos anos 70 e ao que se passava pelos EUA. Nova Iorque tinha sido palco da primeira rebelião homossexual contra a brutalidade policial em 1969 e São Francisco era a cidade-abrigo para milhares de jovens homossexuais (que fugiam essencialmente do interior/sul, profundamente conservador, homofóbico, machista e violento). Havia ainda o disco, música negra e homossexual por excelência, que transformava a tristeza em dança e que unia corpos numa rara comunhão de felicidade e segurança, numa época em que as discotecas representavam um dos poucos lugares seguros e de escapismo a uma comunidade estigmatizada e marginalizada. Além de que, a cultura hippie dos anos 60, assim como o florescimento do capitalismo e dos bens de consumo – pois, não tenhamos ilusão, a pornografia homossexual não foi apenas um momento idílico de libertação sexual; pelo contrário, foi de igual modo um momento de criação de um novo mercado de consumidores e produtos consumíveis para uma comunidade até então interdita de possuir o seu próprio quinhão “cultural” (é com uma imensa clareza que Foucault irá alertar para este aspecto) –, veio abalar o conservadorismo e puritanismo americano e sobretudo a mente dos jovens que viam aos poucos ruir a imagem imaculada do seu país (a Guerra do Vietname era já dada como perdida e a barbaridade americana impossível de escamotear). 

É neste cenário que surgem os primeiros filmes pornográficos [creio que é fundamental para esta questão ver o documentário Erotikus: History of the Gay Movie (1973) de Tom DeSimone, curiosamente narrado por Fred Halsted, onde se explica um pouco o surgimento do cinema pornográfico homossexual]. Em 1970 já existia uma indústria montada, diversos locais de exibição, leis quebradas ou contornadas sobre aquilo que podia ou não ser representado no grande ecrã, uma variedade de filmes explicitamente pornográficos homossexuais a circularem e uma qualidade cada vez maior na produção e temas [destacaria aqui o papel fundamental dos filmes de Peter de Rome entre 69 e 71 ou ainda os filmes de Tom DeSimone e em particular o seu belíssimo Confessions of a Male Groupie (1971). Contudo, é no ano de 1972, que a indústria sofre um profundo abalo com o surgimento de Boys in the Sand (1971 é o ano de produção, porém só em 1972 é que o filme é distribuído comercialmente] de Wakefield Poole (e contrariamente ao supracitado Deep Throat (Garganta Funda, 1972) de Gerard Damiano, como o primeiro filme pornográfico artístico da história do cinema, este filme além de surgir mais tarde, não deixa qualquer memória cinematográfica digna de nota. Podemos por isso afirmar que é na indústria homossexual que surgem os primeiros filmes pornográficos artísticos). E, a par de Poole, surge a figura de Fred Halsted, um realizador que logo em 1972 faz a sua primeira curta-metragem (creio que uma das primeira curtas-metragens bissexuais do mundo, The Sex Garage) e a sua primeira longa-metragem, L.A. Plays Itself. Além de cineasta, Fred Halsted era ainda proprietário de um clube de sexo em Los Angeles e actor em alguns filmes porno [quer nos seus próprios filmes, quer por exemplo no curioso filme El Paso Wrecking Corp. (1978), que abre com uma magnífica cena bissexual].

O cinema de Halsted não dialoga apenas para “dentro” (ou seja, para o universo porno), mas também para “fora”, não sendo de todo descabido pensar no cinema de Stan Brakhage, sobretudo no primeiro episódio de L.A. Plays Itself, onde a sexualidade e a natureza raramente se encontraram tão plenamente como nesse momento do filme de Halsted.

No entanto, apesar de L.A. Plays Itself ser um filme relativamente conhecido dentro de alguns círculos e ter o seu lugar na história do cinema (este filme inclusivamente já foi apresentado anteriormente em Lisboa, num dos memoráveis ciclos do Ricardo Matos Cabo), a restante obra de Fred Halsted continua inacessível e pouco difundida, sendo esta pequena amostra no Festival Queer Lisboa um acontecimento importante e dificilmente repetível. Felizmente, o cinema de Halsted encontra-se preservado pelo MoMA, ao contrário de muitos filmes e até cineastas que ao longo de décadas vão desaparecendo ou sendo esquecidos – quer porque os filmes ou foram deitados ao lixo ou nunca foram preservados/restaurados, visto que jamais consideraram o seu potencial cinematográfico (e até mesmo histórico); quer porque o encerramento das salas de cinema porno significou o declínio desse mesmo cinema; quer porque os cineastas, produtores, técnicos e actores envolvidos muitos deles foram vítimas do HIV; quer porque os homossexuais que resistiram e que viveram esses tempo ou já morreram entretanto e com eles as suas colecções acabaram esquecidas ou são já demasiado velhos para tal empreendimento (no entanto, há que salientar o trabalho dos centros de arquivo LGBTQI+ que recolhem, analisam e conservam diversos materiais e aos poucos mantêm viva a história LGBTQI+); quer porque mesmo o cinema porno gay que chega aos dias de hoje, continua a não ter lugar nas salas de cinema, na historiografia oficial do cinema e na distribuição comercial que manteria viva a memória desses filmes e desses cineastas. Resta o trabalho de alguns que felizmente vão digitalizando cópias pessoais desses filmes para sites porno, como é o caso do xhamster (site que me permitiu ver diversos desses filmes, mesmo que muitos deles se encontrem em cópias miseráveis).

Mas voltemos a Fred Halsted, cineasta que apesar de ser actualmente um nome obscuro, foi à época uma figura reconhecida nos meandros do cinema porno, um ídolo sexual para uma comunidade e ainda foi capaz de manter uma produção regular (algo que raramente acontecia) até à sua morte em 1989, ano em que se suicida após o falecimento do seu companheiro. E parte desse reconhecimento não se deve apenas ao carácter absolutamente experimental do cinema de Halsted, mas sobretudo ao facto de Halsted ter inaugurado um universo repleto de fetiches e de prazeres sem regras. O universo de Halsted é habitualmente povoado por motoqueiros, leather, cenas de fist fucking (algo mesmo assim recorrente em diversos filmes pornos da época, assim como o uso de cock rings) e cenas de BDSM, algo que nenhum outro cineasta explorava com tanta radicalidade como Halsted. Talvez só o “último” filme de Wakefield Poole, Take One (1977), consiga equiparar-se ao cinema de Fred Halsted nesse aspecto, filme-fetiche por excelência (Poole convidou alguns amigos para contarem as suas fantasias sexuais e materializá-las em cinema), que desde o início exibe sem qualquer pudor uma parafernália de ideias raramente representadas no cinema porno. Mas em Halsted isso é regra, basta pensar na sua primeira curta-metragem, The Sex Garage, onde um motar tem sexo com a sua própria mota (algo que Poole fará com um carro) ou ainda um homem inteiramente vestido de cabedal com botas (outro must no cinema de Halsted) sodomiza um jovem rapaz; ou ainda, no episódio final de L.A. Plays Itself, outra cena de BDSM. E, claro, o mais fetichista de todos, Sextool, que é um verdadeiro inventário de fetiches, em que ao longo do filme uma mulher trans vai contando as diversas fantasias dos convidados da festa e onde cada narração abre portas a um episódio de sodomia, leather, humilhação e sempre com uma certa dose escatológica à mistura.

Mas o cinema de Halsted não é relevante unicamente pela sua radicalidade sexual, até porque esta radicalidade é acompanha em pleno pela sua dimensão plástica e sonora, tornando Halsted um dos mais experimentais cineastas porno. Imagens que sobrepõem e se abrem a novos significados, som dessincronizado e nunca ilustrativo e filmes não-narrativos são algumas das características habituais do cinema de Halsted e que encontra poucos parentescos [talvez o Crusin’ 57 (1975) de Toby Ross seja um dos exemplos mais próximos do cinema de Halsted, sobretudo no tratamento do som]. Mas o cinema de Halsted não dialoga apenas para “dentro” (ou seja, para o universo porno), mas também para “fora”, não sendo de todo descabido pensar no cinema de Stan Brakhage, sobretudo no primeiro episódio de L.A. Plays Itself, onde a sexualidade e a natureza raramente se encontraram tão plenamente como nesse momento do filme de Halsted.

L.A. Plays Itself (1972) de Fred Halsted

Resta-me concluir este texto com apenas dois desejos: o primeiro desejo é de que a todos aqueles que puderem ir ao Queer Lisboa, para assistirem a L.A. Plays Itself, The Sex Garage e Sextool, nos dias 17 (os dois primeiros) e 22 de Setembro (o último), na sala 2 do São Jorge, não percam esta pequena, porém imperdível, amostra; e o segundo desejo é a continuação da secção Hard Nights no Queer (que infelizmente já sofreram a sua interrupção). As Hard Nights representam um espaço absolutamente vital e único para que este tipo de cinema possa ser exibido e valorizado, além de que já exibiu no passado absolutas obras-primas como é o caso de Bijou (1972) de Wakefield Poole ou Équation à un inconnu (1979) de Francis Savel (dois exemplos que rapidamente me vieram à memória). 

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Bernardo Vaz de Castro

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