Os efeitos da tecnologia não ocorrem ao nível das opiniões ou dos conceitos; o que eles fazem é alterar, de um modo contínuo e irresistível, os ritmos sensoriais ou os padrões de percepção. O artista sério é a única pessoa capaz de enfrentar impunemente a tecnologia (…), alguém consciente das alterações na forma como apreendemos sensorialmente o mundo.
Marshall McLuhan, Understanding Media: The Extensions of Man
Haskell Wexler foi um dos principais nomes da Nova Hollywood, pelo seu trabalho como realizador e documentarista, mas principalmente como director de fotografia, onde vincou o seu olhar político, ao escolher projectos a dedo. De entre as várias câmaras que apontou, vale a pena distinguir dois filmes realizados por Hal Ashby, exemplares no carácter electivo das opções de Wexler. No primeiro filme a utilizar uma steadicam, Bound for Glory (1976) escapa à mera condição de biografia do músico Woody Guthrie, ao assumir-se como o documento de uma época, um pedaço da História, num ritmo pausado que nos permite observar os rostos de desespero e de fome de um povo enganado pela promessa da abundância (rumo à Califórnia, a terra prometida na Grande Depressão americana). Bob Dylan, uma das grandes figuras da década anterior, da música com discurso político, que escolheu Woody Guthrie como seu mentor [como vimos em No Direction Home (2005) de Scorsese], serve-nos de ligação para o filme seguinte de Hal Ashby, Coming Home (1978), em que Dylan integra a banda de canções de um tempo em que a América começava a fazer a catarse da traumática Guerra do Vietname, em que se narrava a impossibilidade do protagonista Jon Voight regressar a casa, ele que representava a horda de jovens homens mutilados pela guerra no desajustado reencontro com a sua nação.
Medium Cool (1969) associa a uma perspectiva política um olhar ideológico, sob a influência da obra de Marshall McLuhan, pioneiro no impacto e alcance dos media, de onde o filme colheu o nome. Understanding Media: The Extensions of Man (1964) e The Medium Is the Massage (1967), duas das obras por onde perpassa a televisão como “medium cool”, um meio que requer um maior envolvimento do espectador em resultado de uma emissão porosa, onde o meio se faz mensagem, como uma “massagem” sensorial: os media como extensões dos sentidos do humano, do corpo e da mente.
(…) a informação estendida na paisagem dos media confunde-se com as ficções que, como fica mais uma vez evidente, são o instigador do quotidiano dos americanos.
Marianna Hill, repórter de televisão e namorada do protagonista – um operador de câmara interpretado por Robert Forster –, pergunta-lhe se ele se recorda de terem visto Mondo Cane (1962), projecto de Gualtiero Jacopetti, que inaugurou o “shockumentary”, na ambição de conduzir uma viagem a um mundo pré-globalizado, uma renovação do filme de actualidades, onde se fazia o jogo do simulacro ao enunciar a intenção de apresentar sequências verdadeiras e extraídas da realidade, com banda sonora e “technicolor”. Ela relembra-lhe a sequência do teste da bomba atómica numa ilha do Pacifico, onde as tartarugas, por efeito da radiação, se desorientavam e sucumbiam na agonia, impossibilitadas de regressar ao mar. Perante a indiferença dele, Marianna Hill pergunta-lhe se a equipa de rodagem não terá salvo as tartarugas, devolvendo-as ao oceano. Forster responde que não tem como saber.
A cena, para além de colocar as imagens e os seus significados dentro do tempo e do mundo das personagens, usa a interpelação da repórter para procurar vincular o parceiro às imagens que ele produz, e às emoções que elas acrescentam. Este diálogo é um prolongamento de uma das primeiras cenas do filme, que se seguiu à primeira sequência, onde o protagonista e um operador de som se acercavam de um automóvel tombado numa auto-estrada, com pelo menos um corpo inanimado no interior, e registavam rapidamente o acontecimento, como se fosse uma actividade clandestina, despreocupados em prestar o socorro às vitimas. Nessa conversa, entre vários profissionais desse canal de televisão, os operadores são descritos como meros prolongamentos das máquinas, que não questionam o que estão a registar, que não desenvolvem balizas, juízos morais e éticos sobre a produção das imagens. O que impera é, então, o apetite desregrado pelas audiências, através da presença da violência, do registo do sangue e das vísceras da rua.
O filme escolheu a cidade de Chicago e um contexto que desembocará na Convenção do Partido Democrata no Verão quente de 1968. Era ano de Presidenciais, que tinham como candidato democrata Robert Kennedy, irmão do presidente assassinado JFK – sigla que se confunde com o filme de Oliver Stone. Robert – que agarrou a condição de estatuto pop que o irmão John inaugurou com Primary (1960), de Robert Drew – é elogiado junto à sua sede de campanha por jovens que lhe destacam o discurso – que se opõe ao belicismo –, e o cabelo comprido. Mas há também quem mostre desconfiança. Um dos jovens diz que não alinha com Robert por causa de Oswald, de Dallas e do que se seguiu: deviam ter olhado para aquilo com mais atenção, há muitas questões que não foram respondidas. No desenvolvimento do argumentário, a informação estendida na paisagem dos media confunde-se com as ficções que, como fica mais uma vez evidente, são o instigador do quotidiano dos americanos.
Este desfiar de histórias só é obstruído pelo ruido de um comboio e por um cenário urbano que se alongará no filme, com evidentes afinidades com Colors (1988), uma realização de Dennis Hopper com fotografia de Wexler, que acompanhava o quotidiano de um policia veterano (Robert Duvall) e um novato (Sean Penn), a lidar com as acções e a violência de vários gangues, sendo que o filme parece mais interessado, e por isso se torna mais relevante, na paisagem multirracial dos subúrbios da extensa Los Angeles. De uma cozinha, enquanto assistimos ao trabalho de funcionários afroamericanos, ouvimos o discurso aclamado do favorito Bobby Kennedy. Notável dispositivo a simular a presença, a colocar-nos no compartimento de onde saiu, a 5 de Junho de 1968, Sirhan, um imigrante palestino, para assassinar o segundo Kennedy no Hotel Ambassador, em Los Angeles. Intencionalmente, antes da sequência da cozinha, o protagonista atravessara um protesto de afroamericanos, com o cuidado de enquadrar o obelisco e a estátua de Lincoln, referências em Washington às fundações do edifício democrático da nação americana, que Kevin Costner também procurara como abrigo em JFK (1991). Veremos, então, a preparação do dispositivo para cobrir o cortejo do funeral de Bobby Kennedy: dezenas de câmaras apontadas a um circo de horror, mais uma soap opera escrita para a televisão, um drama sem catarse à vista.
O filme mostra as suas opções como um documento de estética. Num preâmbulo, numa cena onde se simula uma manifestação escoltada pelo exército, um soldado e um repórter invertem os papéis: o operador apontará a arma, enquanto o soldado dispara a máquina fotográfica. Num ritmo notável, de movimentos de câmara e do registo do som, a câmara será, então, uma arma dentro do conflito, com o predomínio dos planos fechados a colocarem a câmara em risco de ser engolida pelo tumulto, a participar da acção, como um instrumento privilegiado de violência. Será a primeira de várias sequências que encaixam um filme de ficção nas coordenadas do cinema directo, que não se coibirá de participar na encenação dos conflitos, sempre a lembrar-nos de que a câmara é uma arma, que será extremado no final do filme, nas bancadas da Convenção Democrata, onde a câmara aparecerá como um sniper, num angulo picado sobre o palco da politica.
É como se a câmara, através deste dispositivo de aproximação, apontado ao olhar do protagonista, pretendesse obter a verdade, clarificar as reais intenções do taxista, como Kiarostami permitira a Sabzian em Close-up (1990).
O questionamento das imagens e das histórias que elas geram, têm para o protagonista um episódio decisivo: um taxista afro-americano encontra 10 mil dólares e devolve-os; o homem da câmara interessa-se por aquele homem e decide investigar, mesmo contra as indicações do canal de televisão onde trabalha. O espectador chega ainda antes do protagonista ao domicílio do taxista. Uma conversa entre o taxista e outros afroamericanos indica as coordenadas de uma História de racismo. Um deles diz-lhe que se ele reagisse como “blackman” guardaria o dinheiro, como o devolveu é um “nigger”, rememorando a designação que lhes era atribuída como escravos antes da Guerra de Secessão. Estabelecendo o tema do racismo como um divisor de águas, aqueles homens traçam a distinção entre um negro livre (no sentido libertário) e o obediente, sendo que um homem mais jovem acabará a perguntar ao taxista se ele sabe quantas armas e munições aquele dinheiro permitiria comprar.
A visita do protagonista, ao bairro apenas habitado por afroamericanos, começa também por mostrar o interesse em lugares reais na instalação da teia ficcional, como veremos com mais detalhe adiante. O filme fará uso pela primeira vez do close-up para o taxista confidenciar ao operador de câmara que só cumpriu o seu dever ao devolver o dinheiro e que a exposição conferida pela reportagem apenas serviu para a comunidade o recriminar. É como se a câmara, através deste dispositivo de aproximação, apontado ao olhar do protagonista, pretendesse obter a verdade, clarificar as reais intenções do taxista, como Kiarostami permitira a Sabzian em Close-up (1990). Após o encontro com o taxista, a saída do protagonista do apartamento é agitada por um desentendimento com uma mulher, uma afroamericana, que se diz actriz, mas para a qual Forster não arranja tempo, chamando-lhe “querida” enquanto procura abandonar o compartimento. Ficarão, então, expostas feridas por sarar, dois mundos ainda inconciliados pelo tempo. Outro homem diz ao protagonista que eles andam sempre apressados, como se o tempo deles valesse mais do que os dos negros. Dizem-lhe que uma reportagem, que para o operador de câmara são 15 minutos, para eles significa uma conquista de 300 anos, que mesmo acreditando na virtude das suas intenções, ele é um representante dos exploradores.
É uma longa sequência, sendo que a parte final, que corresponde a um adensar do discurso com promessas de violência, apresenta um dos afroamericanos com o olhar dirigido para a câmara, a confrontar o espectador, que pode encontrar no fundo do plano Martin Luther King. Num curioso raccord, que lembra as ligações entre episódios longos e curtos de Mondo Cane, o filme apresentará uma reportagem, onde mulheres de meia idade treinam tiro ao alvo; o gerente dirá que há um número crescente de licenças de porte de arma desde os últimos tumultos: quem tem uma arma deve saber usá-la.
O trabalho de câmara é notável, sem se circunscrever às coordenadas do cinema directo, mas perseguindo a energia desse conceito. Os enquadramentos e os planos sequências mesmo que ritmados pelos motins e por uma câmara veloz, são rigorosamente desenhados e elegantes no ritmo do andar das figuras, na procura de não abdicar de diagonais saudáveis. O prenúncio de melodrama, no abeirar do quotidiano do personagem de Verna Bloom e do filho adolescente, mostrará opções de câmara mais convencionais, com o recurso ao plano americano, e um abrandamento do ritmo. Verna Bloom, que Scorsese eternizou como mãe de Cristo em The Last Temptation of Christ (A Última Tentação de Cristo, 1988), apesar de ter sido professora no ambiente rural de West Virginia, é uma modesta operária da Motorola em Chicago, abandonada pelo marido, que a principio é sugerido que foi mobilizado para o Vietname. Na aproximação ao domicílio de Bloom começamos por notar a dedicação da câmara ao lugar, um subúrbio sujo e degradado de edifícios de madeira, uma degradação urbana ocupada por pessoas reais e atoladas em vários pisos, por crianças que brincam entre o lixo e a lama, um registo, então, da realidade a que o filme se dedica, que mais uma vez nos lembra Mondo Cane, nessa ambição de nos aproximar de histórias do mundo temperadas pelo simulacro da ficção.
O encontro do protagonista com Bloom, um tradicional boy meets girl de Hollywood, acontece num café da cidade e aproveita as mudanças na vida dos personagens – uma nova relação para ela e a quebra de vínculo com o canal de televisão para ele – para introduzir, então, o melodrama e a partir daqui o filme irá procurar equilibra-se entre as tensões sugeridas pelo conflito de géneros, como um funambulo que balança entre opções e soluções estéticas. Na cena seguinte, um jantar do protagonista na casa de Bloom e do rapaz, torna evidente a privação da referência paternal, quando o rapaz depois de ter estado em silêncio se refugia na televisão. Essa necessidade de permanentes reequilíbrios fica logo explícita quando constatamos que a televisão está a emitir um especial dedicado aos mártires daquele tempo, os irmãos Kennedy e o reverendo Luther King: o filme terá de balançar-se entre problemas socias e das minorias, mas sem esquecer os conflitos dos seus personagens e a problematização das imagens em todos estes acontecimentos.
O filme usa curtos e certeiros flashbacks, como disparos da memória, para introduzir informações sobre os personagens, que se revelam, para lá disso, na relação com os motivos políticos que Medium Cool quer debater. Vemos um baptizado de um grupo junto a um rio, onde Bloom mergulha o tronco, impelida por um homem, o seu companheiro e espécie de sacerdote, que pouco depois encontramos em conversa com o filho, um discurso que introduz referenciais conservadores e misóginos, que nomeia o homem como o chefe do castelo, que se impõe à mulher como se ela fosse uma espécie sob domínio, apenas um corpo que pertence ao patriarca. Este padrão puritano, uma herança também religiosa, é então apresentado como um dos ingredientes desta América e das suas dores de crescimento, a partir de uma ruralidade que estoura depois nas cidades e nos seus motins. Uma nação dividida, brancos e negros, homens e mulheres, citadinos e rurais, onde as religiões surgem naturalmente associadas a uma História feita de violência na expansão dolorosa da América.
Ainda no domicílio, Bloom e o protagonista assistem a um discurso de Luther King, sendo que na sequência precedente o espectador identificara a imagem de Bobby Kennedy colada numa das paredes, um retrato da orfandade de uma nação temerária. Misto de êxtase religioso com espirito libertário, o reverendo diz que já nada o amedronta, pois ascendeu à montanha, à terra prometida. A câmara salta delicada entre os rostos do par, para encontrar os seus olhares aclarados pela luz suave do televisor, um brilho da fé emanada pela retórica do mártir. Com Luther King a bradar a sua utopia – “free at last” – o operador de câmara elenca as próximas páginas do guião de mais um mártir, como se fosse uma soap opera com o plot desvendado: bandeiras a meia haste, viúvas chorosas e cortejos fúnebres em directo na televisão. Enquanto o protagonista se despede de Bloom, a televisão anuncia Le Mépris (O Desprezo, 1963), de Godard. O quotidiano das famílias, as suas referências religiosas e os espasmos sociais, enredam-se numa teia de conspirações que alimentam um continuum de renovadas formas, de narrativas debitadas pelos ecrãs.
Se o rapaz encontra uma nova referência paternal no protagonista, esse esboço apenas renovará o ciclo de violência. Acompanhado pelo adolescente, Forster volta à prática do boxe, que se reitera como um dos desportos que melhor exprime a pulsão de destruir, de se auto-destruir. A par de um discurso em que o boxe se afirma como poder e velocidade, em que o sucesso consiste em rebentar com a cabeça do adversário, Wexler enquadra uma sequência de socos no limiar do plano, devolvidos por um espelho, como se o operador agredisse o espectador. Recordamos, então, uma outra cena ainda no início do filme, um capítulo no cerco das paisagens de violência, em que o protagonista e a namorada assistem a uma prova mista de patinagem num ringue. Enquanto o espectador questiona se os personagens se imiscuíram num cenário real, a audiência nas bancadas sorri e aplaude perante os primeiros mimos trocados entre os participantes da bizarra prova, que nos recorda outro dos ferozes exemplares da Nova Hollywood, lançado nesse mesmo ano: They Shoot Horses, Don’t They? (1969), de Sydney Pollack. A violência expande-se a todo o recinto – atletas e público – e progressivamente o filme esvazia o som do lugar para o substituir por uma banda sonora jazzística, que intensifica um ambiente de entretenimento instigado pelos acontecimentos, como uma metáfora de uma sociedade. No final da sequência, o casal beija-se e um estranho raccord estende esse insinuar de intimidade, numa associação intencional entre sexo e violência, na disposição dos corpos nus, onde às intimidades e à volúpia o filme junta a banda de som dos confrontos do ringue.
A tragédia pública é também a tragédia dos personagens e naquele lugar estará uma câmara para a registar.
Numa estrutura próxima de outros dois exemplares do cinema directo – Primary (1960) e Gimme Shelter (1969) – o filme reserva a ultima porção para a cobertura da Convenção Democrata em Chicago, como quem resolve uma ficção, um filme de suspense, tal como em Primary fora o acompanhamento da contagem dos votos nas eleições primárias e em Gimme Shelter o final do concerto dos Rolling Stones em Altamont, que culminou no assassinato de um dos espectadores, Meredith Hunter, por um dos Hells Angels. A convenção, realizada nos últimos dias de Agosto de 1968, prosseguiu um período de tumultos e de agitação social por grande parte da América, na sequência dos assassinatos de Martin Luther King (a 4 de Abril) e Robert Kennedy (a 5 de Junho).
Haskell Wexler usa um pequeno expediente dramático – a fuga do adolescente –, para juntar no recinto e nas imediações, Forster e Bloom. O parque que envolve o anfiteatro, que o cineasta usa como se fosse um set em Hollywood, é introduzido como um festival, um piquenique representativo da contra-cultura, do movimento hippie e das manifestações contra o conflito do Vietname. A primeira tentativa da policia para dispersar aquela ocupação coincide com a entrada em cena de Verna Bloom, que se destaca pelo vestido amarelo, cor vistosa que várias vezes servirá de sinalização ao espectador como uma brecha ficcional em imagens que registaram (documentaram!) um acontecimento real. O uso da demanda e da angústia do personagem de Bloom num segundo plano, com outras figuras em primeiro plano e por vezes em movimentos opostos, algo que já encontráramos em Primary e na figura “ficcional” de Kennedy, para lá de introduzir uma urgência enérgica às sequências também resulta numa colisão entre dois filmes, com Bloom muitas vezes com um pé dentro da acção e outro fora, como um personagem indeciso, à procura do seu papel do palco de um evento. Antes da chegada dos tanques do exército, o rigor exímio de Wexler permite controlar os enquadramentos da câmara móvel, colocar-nos dentro dos acontecimentos com escalas estáveis das figuras e as diagonais ainda controladas.
Uma montagem alternada coloca-nos nas bancadas a assistir aos acontecimentos no palco do recinto, onde os discursos são intercalados por passeios de bandeiras multicoloridas, música de sopros e gaitas de foles, sorrisos e aplausos. Esta espécie de carnaval, intensifica ainda mais a descontinuidade com os protestos do exterior, uma barragem entre os decisores políticos e uma boa parte da população que não os reconhece como poder orientador, um conjunto de figuras abastadas e decadentes que governa contra eles, ao prosseguirem uma guerra sem sentido no Vietname. No exterior impõe-se um estado de terror policial com agressões e pessoas a sangrar, ao qual o filme associa uma música de baile à ameaça de imagens progressivamente mais velozes e instáveis. As investidas dos polícias são filmadas muito próximas da câmara e o controlo das diagonais perde-se em escassas cenas, em favor da urgência do registo. Como adiantáramos nos exemplos de filmes com afinidades estéticas, a resolução de Medium Cool, um drama a partir de acontecimentos de que já conhecemos o desfecho, demonstra a problematização conferida pelas imagens e pela consequente influência desse olhar na nossa percepção, que passará a associar aquelas imagens a outras histórias, a narrativas que as apartam do real.
O final parece augurar um happy ending conforme a prescrição de Hollywood, na elegância do enquadramento de rostos e de imagens espelhadas no para-brisas de um automóvel. Mas, a paisagem do media – a rádio, anunciará a tragédia ainda antes de o espectador receber as imagens. A tragédia pública é também a tragédia dos personagens e naquele lugar estará uma câmara para a registar. Haskell Wexler guardará um derradeiro plano, para apontar a sua arma ao espectador. À queima-roupa.