A 15 de Julho de 2012, o À pala de Walsh iniciava a actividade com um primeiro texto, escrito a oito mãos, pelos quatro fundadores do site. Entretanto passou uma década. Ao longo desses anos muitos foram os que escreveram connosco e publicámos mais de 2700 artigos, críticas, ensaios, textos coletivos, entrevistas, vídeos, conversas, ensaios visuais, crónicas e outras brincadeiras cinéfilas.
Depois de em Julho de 2022 termos apresentado o ciclo “10 anos à Pala” na Cinemateca Portuguesa, com 5 sessões seguidas de uma conversa sobre os filmes, apresentamos agora perto do final do ano uma outra iniciativa: o dossier “10 anos, 10 filmes”. Este dossier parte de um convite a um conjunto de realizadores portugueses cuja obra prezamos para nos ajudar a reflectir sobre o que foi esse cinema que por nós passou nos últimos 10 anos, através da escolha de um filme – que os tivesse surpreendido de alguma forma – e estreado durante esse período, acompanhado de uma pequena reflexão sobre essa escolha.
Hoje apresentamos a escolha de Paulo Carneiro, realizador de Bostofrio (2018), Água para Tabatô (2014) e Périphérique Nord (2022).
A repetição é algo que desde há algum tempo entendo como parte de uma linguagem cinematográfica que me interessa. Na repetição o esforço, na repetição o sofrimento, na repetição onde está o cinema? O cavalo trota em esforço, o tempo é agreste, repete-se a música como uma dízima infinita, vê-se o esforço reforçado pela música, o esforço e a agressão. A agressão do lugar, do tempo que se expande, da música que rola num loop obsessivo, existencialista. São dois fantasmas que estão na imagem, o homem, o cavalo, e vão três com a câmara que está no movimento. Sim! A câmara sente. A câmara ouve. A câmara é!
Fui a 3 sessões. Fiz o esforço de não repetir a sala para perceber se era o ambiente de uma meia plateia no Monumental ou meia-dúzia no Corte Inglés que me causavam aquela sensação. A música de O Cavalo de Turim ressoa-me ainda hoje, Mihaly Vig. Porque é difícil a construção musical no cinema, mas como esta não há memória de outra com o mesmo poder de qualquer coisa, de repetição, de cinema. Pode Nietzsche ser transposto para a desprovida paisagem de elementos do interior montanhoso húngaro em crise demográfica (representação da humanidade em desaparecimento ?!) ?! Pode. Foi. E afinal nos dez anos do Mestre da pala qual é a sensação com que ficamos? Qual? O da repetição, o do sofrimento, o do afinal, Cinema.
Paulo Carneiro