Caderneta de Cromos é um questionário breve, impertinente quanto baste, mais ou menos imbecil, sobre o mundo do cinema, em geral, e sobre o mundo em toda a sua inteireza, em particular. A nossa mais recente “vítima” é João Monteiro, um dos directores do MOTELX, realizador e coordenador, com Filipa Rosário, do livro O Quarto Perdido do Motelx – Os Filmes de Terror Português (1911-2006). Estamos no domínio do terror, pelo que nos pareceu pertinente ressuscitar esta rubrica e convocar um dos maiores divulgadores e entusiastas do género. Falamos de vários tipos de terror: desde o estado da produção cinematográfica em Portugal até Barbarian (2022), um dos últimos gritos do género vindos dos states. Também falamos do projecto antigo de um MOTELXXX e de um vilão com riso histriónico, tipo Cristina Ferreira, chamado Elon.

1. Co-editaste recentemente um livro sobre terror no cinema português. O que te pergunto é se está previsto um segundo volume ou se foi falta de competência não ter incluído obras de autores que fizeram muito pelo horror no cinema português como Sérgio Graciano, Vicente Alves do Ó ou Leonel Vieira?
Obrigado pela pergunta. Sim, eventualmente fará sentido um segundo volume que se debruce neste mini-boom de cinema de terror português – a propósito, o Alma Viva (2022) é um filme de terror. Relativamente à segunda pergunta, foi mais uma questão estratégica. É preciso dar tempo ao tempo, e deixar as obras ganharem espessura e esperar que nasçam os académicos interessados nas obras dos citados.
2. Enquanto co-director do MOTELX, temos esta questão há muito para te fazer: quem achas que poderia realizar um remake de Chucky em que o célebre boneco seria encarnado pelo ex-líder do PP, Francisco Rodrigues dos Santos? Justifique a sua escolha.
Não consigo, sempre apreciei o Chicão. Mas em relação a filmes de terror com colagens à realidade política, vem-me sempre à cabeça o Society (A Sociedade, 1989) do Bryan Yuzna, em particular o final.
3. Confessa: quantas pessoas ligaram, ao longos destes anos todos, para o MOTELX a pedir um quarto savana africano com tectos espelhados?
Confesso que converter aos poucos o MOTELX no MOTELXXX sempre foi um dos nossos maiores objectivos (e fantasias).
4. Consegues isolar o “momento mais estranho” por que passaste no MOTELX, do género “o-que-raio-estou-eu-a-fazer-aqui” ou “I’m too old for this shit”?
Uma adolescente perguntou ao Eli Roth qual era o seu serial killer favorito. E ele respondeu.
5. Como imaginas uma fusão entre The Birds (Os Pássaros, 1963) do Hitchcock e A Metamorfose dos Pássaros (2020) de Catarina Vasconcelos (mas em que este era um filme com menos espelhinhos e menos beijinhos em estátuas)?
Imagino Os Pássaros com mais espelhos no bosque e beijinhos em estátuas, e imagino A Metamorfose dos Pássaros com mais pássaros.
6. Estás a preparar um novo filme, desta vez sobre esses três estarolas que foram Roger Corman, Raoul Ruiz e Wim Wenders e o não-filme que fizeram em Portugal nos anos 1980. Achas que o teu produtor também vai desaparecer e vais ter que voltar a fazer um crowdfunding para terminar o filme?
É difícil o produtor desaparecer quando essa função não existe em Portugal, existem empresas que te ajudam a concorrer ao ICA mediante uma percentagem. Já o crowdfunding devia restringir-se a causas humanitárias e afins, é injusto pedir dinheiro para uma ficção quando 30 segundos de uma publicidade na net tem orçamentos superiores a longas-metragens.
7. Já convidaste o Pedro Costa e o Paulo Branco para a secção de “terror português”. Estás a querer levá-las, não estás?
Habilitava-me mais se tivesse convidado o Sérgio Graciano, Vicente Alves do Ó ou Leonel Vieira. Mas confesso que tem graça fazer este contacto para saber a reacção dos envolvidos. “Paulo Branco – o Produtor do Terror Português” é, sem dúvida, um dos nossos maiores orgulhos.
8. Que nome darias a um vilão de uma saga de filmes de terror cujo método para despachar o pessoal é, digamos, ir ao cu com um pénis feito de titânio, enquanto produz um riso histriónico e estonteante estilo Cristina Ferreira.
Elon.
9. Sei que és um leitor atento – quiça o único e o último – do nosso site. De “Kanye West” a “Barack Obama”, como classificas o nosso contributo para pôr o terror no mapa da critica de cinema nacional.
Tenho a certeza que existem mais leitores, até sou amigo de alguns. Acho impressionante o vosso esforço. Destaco particularmente a forma séria com avaliaram o Mutant Blast (2018), um filme cujo personagem principal passa um terço da narrativa com um pénis desenhado na testa.
10. Por fim, como te sei um atento seguidor das tendências do cinema de terror contemporâneo, já viste Barbarian (2022) e… que tal esta invasão de Putin para exterminar neo-nazis zombies e lobisomens da NATO na Ucrânia?
Vi o Barbarian e fez-me sentir velho. Quando leio as críticas ao filme só vejo referências com no máximo 10 anos, tipo Don’t Breathe (Nem Respires, 2016), mas o filme está para The People Under the Stairs (Os Prisioneiros da Cave, 1991) como o Get Out (Foge, 2017) está para The Stepford Wives (Mulheres Perfeitas, 1975) – quase um remake. A ligação à guerra na Ucrânia é que me escapa um pouco, podem elaborar? Acaba aqui?