A 15 de Julho de 2012, o À pala de Walsh iniciava a actividade com um primeiro texto, escrito a oito mãos, pelos quatro fundadores do site. Entretanto passou uma década. Ao longo desses anos muitos foram os que escreveram connosco e publicámos mais de 2700 artigos, críticas, ensaios, textos coletivos, entrevistas, vídeos, conversas, ensaios visuais, crónicas e outras brincadeiras cinéfilas.
Depois de em Julho de 2022 termos apresentado o ciclo “10 anos à Pala” na Cinemateca Portuguesa, com 5 sessões seguidas de uma conversa sobre os filmes, apresentamos agora perto do final do ano uma outra iniciativa: o dossier “10 anos, 10 filmes”. Este dossier parte de um convite a um conjunto de realizadores portugueses cuja obra prezamos para nos ajudar a reflectir sobre o que foi esse cinema que por nós passou nos últimos 10 anos, através da escolha de um filme – que os tivesse surpreendido de alguma forma – e estreado durante esse período, acompanhado de uma pequena reflexão sobre essa escolha.
Hoje apresentamos a escolha de Regina Guimarães, argumentista (com destaque para a colaboração com Paulo Rocha e Saguenail), poeta, dramaturga, tradutora e realizadora portuguesa [(Dentro (2001), A Menina Dos Olhos (2012) e Acentuado Arrefecimento Nocturno (2013)]. Recentemente traduziu para português a poesia da poeta e jornalista afegã, Nadia Anjuman.
Adieu au langage é um filme de 2014. Ao descobri-lo, no momento em que estreou no Porto, fiquei com a sensação de estar perante o último filme de Godard.
Adieu au langage et pour cause…
Na verdade, quando uns quatro anos mais tarde corri (eu que já não corro..) até à estreia do Le livre d’image (O Livro de Imagem, 2014) , o objecto pareceu-me senil brincadeira dum fazedor de efeitos sem anjos que lhe valham (a Godard, sempre fugiu um bocadinho o pé para esse chinelo…) e disse, não sem tristeza, para comigo que talvez, por excepção, eu tivesse razão no que anteriormente sentira. Lembrei-me então de Adieu au langage em pormenor; ainda tinha uma memória viva do modo singular como nesse filme [que não teve a aura do Film socialisme (Filme Socialismo, 2010)…] uma dramaturgia desequilibrada e uma propositada incongruência nas rimas e desafinações concorrem descaradamente para a solidez da obra sem contudo funcionarem como coelhos sacados duma cartola. Ora, poucas pessoas se mostraram, em 2014, sensíveis a um dos elementos mais surpreendentes de Adieu au langage, a saber: a utilização incomum dum 3D um tanto tosco. Godard recorreu a um processo tecnológico (quase) em voga para contar mais uma, ou duas, das suas histórias de amor e desamores, mapeada a partir do fim inevitável e não dum auspicioso início. E Godard conseguiu, com o seu pouco aparatoso 3D, colocar no mesmo plano várias personagens que se encontram no mesmo tempo cronológico mas não no mesmo espaço de comunicação. No seu “último” filme, Godard acrescentou pois uma figura ao léxico do cinema…
Aos oitenta e tal anos, Godard foi ainda mestre na sua arte híbrida e deixou-nos, menos sibilinamente do que nas benjaminianas colecções de déjà dit outrora por outrem, porventura a sua mais sincera ilustração duma relação de atracção impotente perante o prodígio da linguagem.
Regina Guimarães