Nos últimos dias os cinéfilos só falam de uma coisa: a famigerada lista da revista britânica Sight and Sound, na qual mais de 1600 votantes escolheram seus 10 filmes preferidos, compondo uma única lista de 100 maiores filmes de todos os tempos. O maior problema parece ser um filme improvável no primeiro lugar: Jeanne Dielman, 23 Quai de Commerce, 1080 Bruxelles (1975) de Chantal Akerman, apesar de sensacional, não seria conhecido o suficiente para alcançar o maior posto numa lista que tende ao conservadorismo. A suspeita procede, mas como ter certeza? Erro de cálculo não é. E se houve combinação, como não é improvável, que mal haveria, já que toda lista geral é, de fato, uma mentira? Se a revista tivesse pedido os 100 preferidos de cada um, ou os 50, acredito que fosse possível termos escolhas menos conservadoras na lista geral. Com apenas 10 filmes para cada votante, as escolhas tendem a ir para o óbvio, como comprovam cerca de 80 dos 100 filmes escolhidos. Paul Schrader errou na bronca em suas redes sociais porque essa lista nunca teve, de fato, credibilidade. Não havia o que perder.

Sempre tive problema com listas muito amplas. À pala de Walsh acaba de me pedir a lista dos melhores filmes estreados em Portugal durante 2022. Eis um limite: temos um escopo finito sobre o qual nos debruçarmos, e escolhemos nossos dez filmes a partir desse escopo. Se me pedissem os melhores de 2022 em estreias mundiais, eu não saberia como fazer. Ficaria perdido e provavelmente diria não. No passado, em minha finada Revista Interlúdio, fizemos listas com os melhores filmes brasileiros do período 1992-2012, os melhores filmes americanos dos anos 1990 e até mesmo os melhores filmes de Jean-Luc Godard. Todas elas, por mais complicadas que fossem, tinham um número de votantes limitado (a de cinema brasileiro tinha 51, e achei muito, as outras tinham menos de 20, o que é muito mais representativo). Sempre pensei que quanto maior o número de votantes, menos interessantes e significativas seriam as listas. O que quero dizer é que essa lista da Sight and Sound seria muito mais interessante se fosse só uma lista da Sight and Sound, ou de qualquer outra revista, mesmo com pautas ainda mais comerciais, como a Empire ou a Total Film.
Por mais listas individuais e menos cinéfilos levando a sério uma lista com 1639 participantes. E que muitos vejam quão sublime é Jeanne Dielman.
Por outro lado, quanto maior o número de votantes, mais listas individuais podemos ver, e aí, sim, está a grande serventia das listas. Ver que Tsai Ming-Liang colocou um filme que ele mesmo dirigiu, Goodbye Dragon Inn (2004), em sua lista é mais interessante do que saber que Vertigo (Alfred Hitchcock, 1958) continua na frente de Citizen Kane (Orson Welles, 1941) para uma penca de gente, que os filmes latino-americanos não estão com nada internacionalmente falando, ou que Luis Buñuel – pasmem! – não tem um único filme na lista geral.
Ver os escolhidos de realizadoras como Mia Hansen Love, Penelope Spheeris, Joanna Hogg, Claudia Weill, Alice Rohrwacher, Márta Mészáros e que elas meio que passam ao largo das agendas culturais da atualidade em suas escolhas é sem dúvida mais informativo do que perceber as mudanças de cânones dos últimos dez anos. Muito mais legal saber que John Carpenter foi coerente com sua obra e colocou quatro filmes do Howard Hawks em sua lista do que ver quais são os dez primeiros da lista geral. Ou que Terence Davies se pergunta se Kind Hearts and Coronets (1949) de Robert Hamer não é a melhor comédia de todos os tempos, e é sem dúvida uma delas. Ou saber que Apichatpong Weerasethakul tem Mad Max: Fury Road (2016) de George Miller em sua cabeceira, por mais que seja temerário e meio tolo colocar filmes muito novos numa lista dessas. Ou ainda confirmar que Hong Sang-soo ama John Ford, Ozu e Rohmer, como se houvesse novidade nisso. Outra escolha esclarecedora: Charles Burnett, do genial Killer of Sheep (1977) tem em L’albero degli zoccoli (A Árvore dos Tamancos, 1978) de Ermanno Olmi um de seus dez filmes preferidos. Ou que certos realizadores são ruins porque amam os filmes errados. E que outros são ruins porque não aprenderam nada com os filmes que amam. Ou conhecer os votos até meio óbvios de grandes realizadores pouco celebrados como Alejandro Agresti (que votou na de 2012 – teria votado na de 2022? Ninguém publicou ainda).
Por mais listas individuais e menos cinéfilos levando a sério uma lista com 1639 participantes. E que muitos vejam quão sublime é Jeanne Dielman.