O ditado é “never bet against James Cameron”. Isto porque desde Titanic (1997) que o realizador anda a pegar em projectos megalómanos em termos de… bom, tudo. Estruturas necessárias, dinheiro gasto, desenvolvimento tecnológico de efeitos digitais. Mas o mundo a que Avatar: The Way of Water (Avatar: O Caminho da Água, 2022) chega é um mundo bem diferente do de 2009, quando estreou o filme original que, por sua vez, mudou tanto o cinema americano como qualquer projecto blockbusteresco recente. Avatar (2009) trouxe o ressurgimento do 3D e a definitva viragem da projecção em salas de cinema para o formato digital. Avatar solificou ainda mais a noção de que o espéctulo visual é receita para biliões de dólares. Avatar consagrou James Cameron, em termos de apreciação pública, como um realizador que consegue elevar as suas visões arrojadas ao maior sucesso possível. Avatar, contudo, é um filme complicado de formas semelhantes às da sua sequela.
Avatar: The Way of Water segue em quase todos os pontos as pegadas narrativas do seu predecessor — contando com o regresso de Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Joel David Moore e Stepehn Lang (até Giovani Ribisi tem um cameo), bem como um novo elenco que inclui várias caras jovens e uma irreconhível Kate Winslet. Um êxodo para um local exótico e desconhecido leva a um confronto com a necessidade de aprender um novo modo de vida que inclui uma ligação especial ao habit natural e a animais específicos. Ao mesmo tempo, um antagonista que adora destruição e armas, tem uma sede de vingança que só será saciada com a morte de Jake Sully (Worthington). E, curiosamente, é exactamente o mesmo antagonista de Avatar, só que, desta vez, também ele no corpo de um avatar Na’vi. O mesmo confronto entre os dois é repetido, ao invés de na floresta agora no mar, e com uma força bélica que de tão imponente se transforma em algo repugnante.
No thoughts, just vibes. Nestes dois filmes, James Cameron escreve uma história (e aqui teve ajuda de várias mãos) apoiada em clichés que ele usa como traços largos para explorar (levemente) uma série de temas que lhe interessam. O que tem sido a qualidade redentora, em muitos aspectos, é o que ele pinta com a câmara. Cameron está menos interessado em providenciar camadas aos suas personagens do que na construção do mundo que os rodeia.
Se o foco do primeiro filme era a floresta, o do segundo é o verdadeiro amor de Cameron: o mar e os seus segredos interiores.
A animação digital, a captura de movimentos e o cuidado com a criação do mundo de Pandora é algo que não se encontra noutros filmes. Com um orçamento que o próprio define como “very fucking expensive”, não são todos os filmes de Hollywood que têm a possibilidade de ter um tempo de gestação tão grande como estes 13 anos que separam os dois filmes. E com tempo e dinheiro, compra-se cuidado e mestria. Se o foco do primeiro filme era a floresta, o do segundo é o verdadeiro amor de Cameron: o mar e os seus segredos interiores*. As sequências passadas junto à tribo que vive do mar, os Metkayina, são especiais. A sua plasticidade é clara, mas a sua definição é cristalina. Torna o irreal realista — não aos nossos olhos, mas talvez perante a nossa imaginação. Se estes Na’vi fossem reais e existissem mesmo e tivéssemos o condão de os encontrar no fundo do recife, então seria exactamente isto o que veríamos. É aqui que o simplismo de Cameron se torna em simplicidade: a beleza do fundo do mar e os olhares deslumbrados dos personagens acabam por ser a causa do encantamento com o filme. Contudo, esta alquimia só funciona na sala de cinema — e acho que recomendaria ver o filme com todos os acrescentos tecnológicos (óculos 3D e, dependendo da pessoa, HFR**), porque é dos poucos filmes, feito por um dos poucos realizadores que conseguem elevar o uso da tecnologia a algo que transcende qualquer uso comum de efeitos especiais.
Os filmes de James Cameron, no seu melhor, têm a habilidade de ser filmes que têm uma linguagem de acção que funciona, quer em termos de uma inegável coolness [Terminator 2: Judgement Day (O Exterminador Implacável 2 – O Dia do Julgamento, 1991)] ou quando a conjuga com uma história cujas emotional beats funcionam de mão dada. Quando funcionam, são filmes que estão bem calibrados, com a montagem e dar-nos momentos de pasmo e de recobro. Em Avatar: The Way of Water o que sinto é que somos submetidos a uma interminável sede de demonstração bélica. Os Na’vi com quem passamos tempo — desde a família de Sully aos avatares ressuscitados de marines americanos do filmes anterior — estão consistentemente com armas de fogo (ver Na’vi em roupa camuflada é desconcertante, para dizer o mínimo); há uma cena de caça-à-baleia especial que é quase sádica na sua prolongada exposição de todos os meios para domar o animal. A hora final é toda em volta de estruturas bélicas paramilitares (com uma pitada de Titanic) e acusei desgaste. Claro que tudo isto é a favor de um tema central ecologista e de censura do apetite humano pela destruição, que parece minado por quão cool Cameron tenta que tudo pareça. Como a ideia de comunhão e harmonia com a natureza a ser criada da forma mais inorgânica.
* O realizador é também um explorador do fundo do mar.
** O filme tem sequência em 48 frames por segundo, por oposição aos normais 24.
★★★☆☆