- Dangsin-eolgul-apeseo (Perante o Teu Rosto, 2021) de Hong Sang-soo – 70 pts.
- X (2022) de Ti West – 49 pts.
- Memoria (Memória, 2021) de Apichatpong Weerasethakul – 43 pts.
- Il buco (Das Profundezas, 2021) de Michelangelo Frammartino – 42 pts.
- Licorice Pizza (2021) de Paul Thomas Anderson – 40 pts.
- Doraibu mai kâ (Drive My Car, 2021) de Ryûsuke Hamaguchi – 39 pts.
- Onoda, 10 000 nuits dans la jungle (Onoda, 10 000 Noites na Selva, 2021) de Arthur Harari – 39 pts.
- Herr Bachmann und seine Klasse (O Professor Bachmann e a sua Turma) de Maria Speth – 34 pts.
- Nope (2022) de Jordan Peele – 33 pts.
- Jaddeh Khaki (Estrada Fora, 2021) de Panah Panahi – 28 pts.
Em 2012, foi Da-reun na-ra-e-suh (Noutro País, 2012). Em 2016, foi Ji-geum-eun-mat-go-geu-ddae-neun-teul-li-da (Sítio Certo, História Errada, 2015). Agora, ainda 2022, é a vez de Dangsin-eolgul-apeseo (Perante o Teu Rosto, 2021). O único realizador a obter por mais do que uma vez a distinção máxima no nosso top geral consegue fazê-lo por três vezes. E à terceira arrasou com a concorrência: nunca um filme de Hong Sang-soo obteve tantos votos, sendo o fosso para o segundo lugar verdadeiramente assombroso (21 pontos). À pouca surpresa de o À pala de Walsh eleger um filme do cineasta sul-coreano como o melhor do ano contrapomos um certo espanto suscitado pelo grau de consenso alcançado em torno deste primeiro lugar. Portanto, geonbae!
Passando rapidamente do primeiro para o último último, encontramos uma cinematografia particularmente bem representada nos tops individuais: do Irão chegaram-nos obras poderosas, provenientes de uma nova geração de cineastas. A escolha recair sobre Jaddeh Khaki (Estrada Fora, 2021), a obra de estreia do filho de Jafar Panahi, Panah Panahi, acaba não só por fazer justiça a este país que passa, neste momento, por tempos difíceis como, pelo seu valor simbólico, chama a si a força e inúmeras valias de outros títulos iranianos que encantaram os nossos críticos: se, por um lado, tivemos dois “Hong Sang-soos” – não só o vencedor Perante o Teu Rosto mas também Inteurodeoksyeon (Apresentação, 2021), referido em dois tops individuais -, por outro, 2022 foi um ano em grande para um realizador iraniano, até aqui quase desconhecido no nosso país: Saeed Roustaee, o autor de Baradaran-e Leila (Os Irmãos de Leila, 2022) e de Metri shesh va nim (A Lei de Teerão, 2021). Isto para não falarmos do já conhecido e reconhecido Asgar Farhadi, que nos trouxe Ghahreman (Um Herói, 2021), filme referenciado nos textos individuais.
Entre a Coreia do Sul e o Irão, as preferências distribuem-se por nomes habituais aqui do burgo, tais como Paul Thomas Anderson, com o seu Licorice Pizza (2021), estreado capciosamente no último dia do ano passado e que, por isso, foi transposto para esta votação, e Apichatpong Weerasethakul, que com Memoria (Memória, 2021) volta a entrar no pódio de um top walshiano, depois de em 2014 ter chegado ao segundo lugar com Loong Boonmee raleuk chat (O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores, 2010) e em 2016 ter repetido o feito, desta feita graças a Rak ti Khon Kaen (Cemitério do Esplendor, 2015). Doraibu mai kâ (Drive My Car, 2021), talvez o mais “internacionalizado” filme de Ryûsuke Hamaguchi (vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro), ocupa a sexta posição – é o terceiro dos quatro filmes seus estreados comercialmente a surgirem no top final. Já um habitué, portanto. O terror americano parece estar em grande forma, face ao destaque dado ao retornado Ti West, realizador de X (2022), e à “consagração” de Jordan Peele, que não tinha convencido particularmente a nossa equipa até agora, mas que causa espanto com o arrojado Nope (2022). O italiano Michelangelo Frammartino chega ao quarto lugar, representando um cinema de rara beleza: l buco (Das Profundezas, 2021) surge em primeiro lugar em duas listas individuais, o que também acontece, aliás e entre outros (X, Estrada Fora e Drive My Car), com o super-vencedor Perante o Teu Rosto. Mas o nosso destaque não pode deixar de ir, muito especialmente, para os “novíssimos” Arthur Harari, realizador francês filmando no Japão, em Onoda, 10 000 nuits dans la jungle (Onoda, 10 000 Noites na Selva, 2021), e Maria Speth, cineasta alemã que assinou o documentário do ano, Herr Bachmann und seine Klasse (O Professor Bachmann e a sua Turma) – duas presenças que vamos levar deste ano cinéfilo por virem refrescar o lote dos habitués ou “consagrados”.
Uma nota final para uma certa dispersão de votos em matéria de cinema português. Acácio de Almeida, Adriano Mendes, Joana Pimenta, João Pedro Rodrigues, Joaquim Pinto & Nuno Leonel, Marco Martins, Margarida Cardoso e Rita Azevedo Gomes têm filmes seus nas listas individuais, o que, a nosso ver, sinaliza um ano positivo para o nosso cinema, ainda que este tenha ficado fora da lista colectiva.
Ana Cabral Martins
- Verdens verste menneske (A Pior Pessoa do Mundo, 2021) de Joachim Trier
- Everything Everywhere All at Once (Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, 2022) de Dan Kwan e Daniel Scheinert
- Petite maman (Mamã Pequenina, 2021) de Céline Sciamma
- O Trio em Mi Bemol (2022) de Rita Azevedo Gomes
- Nope (2022) de Jodan Peele
- Top Gun: Maverick (2022) de Joseph Kosinski
A Pior Pessoa do Mundo é um filme que não poderia ter tido mais impacto em mim, tanto que ainda não o esqueci. Romântico mas existencialista, poético mas cru, sóbrio mas com sentido de humor. O cinema de Joachim Trier vibra na mesma frequência que o meu coração. Ainda penso sobre como tive pena de sair daquela sala de cinema. É o melhor filme do ano. O cinema dos Daniels em Everything Everywhere All At Once é maximalista, exuberante, cheio de coisas a acontecer. Mas a verdade é que no meio de tudo o que atiram ao ecrã, o que fica é um balanço perfeito entre o hilariante e o profundo. É, sem dúvida, um dos papéis da carreira da Michelle Yeoh, contendo ainda a revelação que é o Ke Huy Quan. Ninguém está a fazer o que os Daniels fazem, para o bom e para o mau, e só por isso merecem um olhar especial sobre o seu cinema. E conseguir pôr uma plateia a chorar e rir com uma cena sem som num deserto com duas pedras? Genial. Petite maman é dos filmes mais delicados, económicos e penetrantes que vi este ano. O filme de Sciamma torna o impossível possível, com a mais calma qualidade blasé. Filmado de forma quase fria e rigorosa, acaba por ser tudo menos isso. É um golpe de magia. Tenho um fraquinho pelo cinema da Rita Azevedo Gomes e O Trio em Mi Bemol é um daqueles filmes que me faz pensar que muitas vezes o que faz um bom realizador é mesmo saber aquele ponto especial em que quem vê está completamente em sintonia com o que está a fazer. É um filme de enganos, de minúcias de relações e sentimentos e conversas que só se podem ter num palco ou em frente a uma câmara. E é um filme de actores, com a cara da Rita Durão a levar-me às lágrimas mais do que uma vez. O que acontece em Nope é um descascar de temas e metáforas que podem ser mais ou menos óbvios. Mas, para mim, o filme fez-se de duas coisas absolutamente essenciais: finalmente fazer-me acreditar numa premissa tipo cowboys vs. aliens e na ideia muito simples de recuperação do lugar da pessoa negra no Cinema. Se começamos com uma ideia de o “primeiro filme tinha um homem negro a cavalo”, com a câmara a agir sobre o corpo do mesmo, no final temos o regresso ao mais primordial do que é registar uma imagem, para ter a mão da pessoa negra a agir sobre a câmara. É o gesto de um re-ganhar de autonomia muitas vezes elusivo que se afirma como identitário para a construção da história do cinema e a história daquela família. E tudo isto com o melhor day-for-night que já se viu. E chegamos a Tom Cruise, com Top Gun: Maverick, que se apresenta como clássico-mas-em-melhor, nostálgico-como-olhando-para-o-futuro. Cruise é o tipo de estrela de cinema do qual não restam muitas; um daredevil que talvez vá morrer para nosso entretenimento, algures entre a audácia e a loucura, mas que consegue sempre arranjar realizadores que criam filmes que alojam bem a sua personalidade bombástica e exigente. E sempre com uma pitada de “isto pode ser old-school mas ainda é a melhor maneira de fazer filmes”. Sim, é um blockbuster, mas se fossem todos assim, quem se estaria a queixar.
Bernardo Vaz de Castro
- Il buco (Das Profundezas, 2021) de Michelangelo Frammartino
- Onoda, 10 000 nuits dans la jungle (Onoda, 10 000 Noites na Selva, 2021) de Arthur Harari
- O Trio em Mi Bemol de Rita Azevedo Gomes
- Dangsin-eolgul-apeseo (Perante o Teu Rosto, 2021) de Hong Sang-soo
- Inteurodeoksyeon (Apresentação, 2021) de Hong Sang-soo
- A Night of Knowing Nothing (Noite Incerta, 2021) de Payal Kapadia
- Baglilik Hasan (A Promessa de Hasan, 2021) de Semih Kaplanoglu
- No Táxi do Jack (2021) de Susana Nobre
- L’événement (O Acontecimento, 2021) de Audrey Diwan
- Herr Bachmann und seine Klasse (O Professor Bachmann e a sua Turma, 2021) de Maria Speth
Ao contrário do ano anterior, sobre o qual decidi não fazer qualquer tipo de lista, atendendo a que talvez tenha sido o pior ano de sempre em termos cinematográficos (é certo que foi um ano atípico, marcado ainda pelo vírus e pelas suas consequências na abertura, produção e distribuição de cinema), 2022 volta com um novo fulgor. E, no entanto, não deixa de ser paradoxal que, há excepção do mais recente filme de Rita Azevedo Gomes, todos os filmes que constam nesta lista são de 2021. Se é certo que as minhas escolhas me obrigam a reavaliar o ano de 2021, não posso deixar de celebrar 2022 como o ano em que o cinema voltou em pleno ao único lugar onde faz sentido, às salas de cinema e ao grande ecrã. Celebro ainda o facto de que este ano trouxe novamente cinema (e quando escrevo cinema, quero com isto excluir toda a porcaria que o ano passado tão omnipresente: filmes de super-heróis, acção e remakes de fórmulas já gastas), a expectativa das estreias comerciais, a vitalidade dos festivais, em suma, tudo aquilo que alimenta e compõe a indústria cinematográfica e a vida de um espectador.
Quero fazer a ressalva de que perdi o último documentário de Jia Jhangke, e dada a minha habitual predilecção pelo seu cinema, talvez Yi zhi you dao hai shui bian lan (…Até Tocar o Azul do Mar, 2020) pudesse ser parte desta lista. Ainda assim, nenhum autor é infalível e a prova disso mesmo foram as diversas desilusões que ao longo do ano tive: a insípida La cordillère des songes (A Cordilheira dos Sonhos, 2019), de Patricio Guzmán, filme desinspirado e académico; ou ainda, o absoluto desastre – depois de um anterior filme tão extraordinário (e que parecia apontar um caminho) – de Fogo-Fátuo (2022), de João Pedro Rodrigues.
Mas nem todos os nomes que me são queridos trouxeram consigo a desilusão e a prova disso mesmo é nesta lista constar Frammartino, Arthur Harari (dois realizadores que após um interregno de quase uma década, saem do seu silêncio para nos dar os dois mais belos filmes estreados este ano nas salas), Rita Azevedo Gomes, Hong Sang-soo e Semih Kaplanoglu. Foi um ano de diversas latitudes e de objectos dispares entre si, mas é de assinalar o quase equilíbrio entre o cinema ficcional e documental (sendo que no limite do documentário poderia incluir tanto o filme de Frammartino, como de Harari), o que é algo raro e demonstra mais do que um mero fenómeno de pluralidade do actual cinema (que sempre houve), antes uma aposta mais variada por parte dos distribuidores portugueses (o que é de salutar, pois o documentário foi sempre um género que rareou pelas salas).
Carlos Alberto Carrilho
- X de Ti West
- Ultra pulpe (2018) de Bertrand Mandico
- Nope de Jordan Peele
- Crimes of the Future (Crimes do Futuro, 2022) de David Cronenberg
- Vortex (2021) de Gaspar Noé
- Licorice Pizza de Paul Thomas Anderson
- Terrifier 2 (2022) de Damien Leone
- Ku bei (The Sadness, 2021) de Rob Jabbaz
- Dashcam (2021) de Rob Savage
- Barbarian (2022) de Zach Cregger
Onde Fica esta Rua ou Sem Antes Nem Depois (2022) de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata é o melhor filme do ano e não consta nesta lista porque não se estreou comercialmente. O mesmo acontece com Pearl (2022) de Ti West, o belíssimo meio irmão Technicolor de X. Outros mundos possíveis, por ordem alfabética: 1899 (1ª temporada, Baran bo Odar, Jantje Friese), Andor (1ª temporada, Tony Gilroy), Archive 81 (1ª temporada, Rebecca Sonnenshine), Dahmer – Monster: The Jeffrey Dahmer Story (2022, Ian Brennan, Ryan Murphy), Peacemaker (1ª temporada, James Gunn), Slow Horses (1ª temporada, Jonny Stockwood, Mark Denton, Morwenna Banks, Will Smith), Stranger Things (4ª temporada, The Duffer Brothers), Under the Banner of Heaven (1ª temporada, Dustin Lance Black), The Watcher (2022, Ian Brennan, Ryan Murphy), Wednesday (1ª temporada, Alfred Gough, Miles Millar, Tim Burton).
Carlos Natálio
- Jaddeh Khaki (Estrada Fora, 2021) de Panah Panahi
- The Fabelmans (Os Fabelmans, 2022) de Steven Spielberg
- O Professor Bachmann e a sua Turma de Maria Speth
- Onoda, 10 000 Noites na Selva de Arthur Harari
- Il buco de Michelangelo Frammartino
- Mato Seco em Chamas (2022) de Joana Pimenta e Adirley Queirós
- Memoria de Apichatpong Weerasethakul
- After Yang (A Vida Depois de Yang, 2021) de Kogonada
- Perante o Teu Rosto de Hong Sang-soo
- Nope de Jordan Peele
Quantas coisas podemos explicar com o confinamento? A primeira. Sinto que este ano, ao lado destes dez filmes, podiam estar outros tantos [sem ser exaustivo, mas de memória, Fogo-Fátuo, Everything Everywhere All at Once, Doraibu mai kâ (Drive My Car), Inteurodeoksyeon (Introdução), Power of the Dog, Licorice Pizza, X, L’Île aux oiseaux]. E, quase de certeza, por detrás dos que me ficaram a faltar, outros dez haveriam. A segunda. Olho para a lista e sinto uma alternância, nada deliberada, entre o “estar só” e o “estar junto”. Onoda, Il Buco, Memoria, mesmo Nope são essas ilhas, que depois conhecem o contraponto. Da família spielberguiana, da sala de aula de Bachmann, das famílias quebradas de Panahi e do estrago provocado pela máquina na “máquina da família” em Kogonada. Há também géneros que se reavivam e reinventam: o western de Mato Seco, o road movie musical de Jaddeh Khaki, o sci-fi wink to cinema de Nope, ou a ficção-científica sem ciência e sem ficção de Memoria, ainda o filme de guerra becketiano de Harari. A terceira e última coisa explicada pelo confinamento. Cada vez mais stream e menos sala. Talvez seja essa a derradeira diferença entre a ilha e a família. Acho que fico contente pelo facto dos filmes de segundo grupo – os filmes da família e não de família – ainda estarem em maioria no meu top.
Daniela Rôla
- Azor (Azor – Nem Uma Palavra, 2021) de Andreas Fontana
- Metri shesh va nim (A Lei de Teerão, 2021) de Saeed Roustaee
- Amants (2020, Amantes) de Nicole Garcia
- Chronique d’une liaison passagère (Diário de Um Romance Passageiro, 2022) de Emmanuel Mouret
- A Pior Pessoa do Mundo de Joachim Trier
- Un monde (Recreio, 2021) de Laura Wandel
- Estrada Fora de Panah Panahi
- Um Corpo que Dança – Ballet Gulbenkian 1965-2005 (2022) de Marco Martins
- Un beau matin (Uma Bela Manhã, 2022) de Mia Hansen-Løve
- The Lost Daughter (A Filha Perdida, 2021) de Maggie Gyllenhaal
Se há algo que possa retirar-se do conjunto de melhores filmes deste ano é que não há um líder destacadíssimo, não tendo sido muito fácil encontrar uma ordenação dos filmes que constam desta lista. Casualmente, acabou por resultar tudo bem distribuído em termos de realizadores e realizadoras, e melhor estaria não fosse um pequeno revés contingencial que não permitiu considerar elegível The Power of the Dog, de Jane Campion, apesar de apenas ter tido estreia em sala em Março de 2022. Cabe, finalmente, referir as menções honrosas, que vão para Ghahreman (Um Herói, 2021) de Asghar Farhadi, Cow (Vaca, 2021) de Andrea Arnold, Mass (Reunião, 2021) de Fran Kranz, Serre moi fort (Abraça-me com força, 2021) de Mathieu Amalric e Petite maman de Céline Sciamma.
Francisco Noronha
- Estrada Fora de Panah Panahi
- Licorice Pizza de Paul Thomas Anderson
- Baradaran-e Leila (Os Irmãos de Leila, 2022) de Saeed Roustaee
- The Lost Daughter de Maggie Gyllenhaal
- El buen patrón (O Bom Patrão, 2021) de Fernando León de Aranoa
- A Pior Pessoa do Mundo de Joachim Trier
- Crimes of the Future de David Cronenberg
- Vortex de Gaspar Noé
- Un beau matin de Mia Hansen-Løve
- Nitram (2021) de Justin Kurzel
Outros títulos: Nope, Avatar: The Way of Water (Avatar: O Caminho da Água, 2022), Kitoboy (O Salto do Baleeiro, 2020), Um Herói, Un autre monde (Um outro mundo, 2021), Sundown (Crepúsculo, 2021), The Vigil (O Despertar do Mal, 2019), Occhiali Neri (Óculos Escuros, 2022), Smile (Sorri, 2022), Diário de Um Romance Passageiro, Bones and All (Ossos e Tudo, 2022), Memoria, Nitram, Les Olympiades, Paris 13e (Paris 13, 2021), A Lei de Teerão, Halloween Ends (Halloween: O Final, 2022), All The Beauty and The Bloodshed (2022).
Os anos passam, o critério não: relembro que, aqui, só são elegíveis filmes estreados em sala. “Um mau filme em sala é sempre melhor do que um bom filme no portátil”? Se os Cahiers ainda não o escreveram, é porque os Cahiers já não são os mesmos. PUM! PIM!
Recordo 2016 como um annus horribilis para a música (Bowie, Phife Dawg, Prince, Cohen, Sharon Jones, George Michael, Pierre Boulez…). 2022 foi, embora numa menor escala, a vez do cinema. Morreram os donos disto tudo: Jean-Luc Godard, Monica Vitti. E logo a seguir Peter Bogdanovich, Sidney Pottier. Foi o last picture show para muitos de nós. E não apenas os velhos, também uma actriz que muito prometia: Charlbi Dean, deslumbrante no primeiro acto (o único que se aproveita) dessa oportunista feira de horrores chamada Triangle of Sadness (Triângulo da Tristeza, 2022). Deste prisma, 2022 é um ano irremediavelmente triste. Deste e de outros; o da Ucrânia, por exemplo, barbaramente atacada por um regime de gangsters. Estreado em 2018, Donbass só me chegou este ano por via da sua reposição momentânea em sala. Realizado por Loznitsa três anos antes da actual invasão, possui esse estranho efeito temporal de antecipar algo que, em rigor, já parcialmente existia (a ocupação da Crimeia acontecera em 2014) mas que só se concretizaria totalmente num momento posterior, isto é, no momento (2022) em que tive a oportunidade de o ver. Eis-nos, em Donbass, num limbo confuso, entre um ainda-passado e um já-futuro que nunca é resolvido, tal como a própria soberania do território filmado (ucraniano, russo, “república autónoma”). E talvez que a melhor cena do ano venha mesmo do cineasta ucraniano, provavelmente imperceptível para muitos espectadores (até pela sua curtíssima duração): no momento em que a turba humana rodeia um ucraniano na rua, humilhando-o e agredindo-o, Loznitsa, explorando a profundidade de campo, capta um homem, sozinho e silencioso, a vir, de longe, no sentido oposto ao da multidão. Até que com ela se cruza, furando-a compenetradamente; passando-se para “o outro lado”. É a única pessoa que o faz em toda essa cena. Como a personagem que caminha no sentido contrário ao do exército no Ai no Korīda (O Império dos Sentidos, 1976) de Oshima, eis o rebelde desconhecido que se recusa a compactuar com a bestialidade, que rema contra a maré, fazendo o seu próprio (e arriscado) caminho de dissidência. Para ver e rever. Sobre O Bom Patrão: Ah, a Comédia…! Uma lição de fazer muito com pouco, de como o slapstick e o cartoon podem ser mais inteligentes do que todas as piadas inteligentes juntas. Como me dizia uma pessoa querida por ocasião da estreia do filme, “É isto que faz falta, aquela coisa do Bucha e Estica, pontapés no rabo e portas a bater na cara das personagens!”.
Já fora do ecrã, dois grandes acontecimentos: a primeiríssima edição de Introdução a uma Verdadeira História do Cinema (Sr. Teste), de Godard, e o aparecimento no underground virtual de um dos dois filmes realizados por Monica Vitti, Scandalo Segreto (1990) – legendas, quem dá? É o meu segundo desejo cinéfilo para 2023… O primeiro, o de que todos os cineastas e actores iranianos voltem a poder fazer o que amam. Jin, jiyan, azadi!
“(…) o plano [para o curso de cinema a leccionar] era fazer uma espécie de pesquisa; da minha parte, considerava alguns temas, como o que houve de principal no cinema, que se chama (…) montagem. Esse aspecto precisa de ficar oculto, pois é algo muito importante: consiste em relacionar as coisas entre si e fazer com que as pessoas as vejam… uma situação evidente… quero dizer… um homem adulterado, enquanto não tiver visto a sua mulher com outro homem, isto é, enquanto não tiver duas fotos, a do outro e a da sua mulher, nada viu. É sempre preciso ver duas vezes…”. Jean-Luc Godard (1930-∞), Introdução a uma Verdadeira História do Cinema
Inês N. Lourenço
- Doraibu mai kâ (Drive My Car) de Ryûsuke Hamaguchi
- O Professor Bachmann e a sua Turma de Maria Speth
- Os Irmãos de Leila de Saeed Roustaee
- The Fabelmans de Steven Spielberg
- The Souvenir: Part II (2021) de Joanna Hogg
- Perante o Teu Rosto de Hong Sang-soo
- Azor de Andreas Fontana
- A Night of Knowing Nothing de Payal Kapadia
- Nope de Jordan Peele
- Un beau matin de Mia Hansen-Løve
Não costumo tecer comentários elaborados sobre cada um dos filmes que considero “os melhores do ano”, e (ainda) não é desta vez que o vou fazer. A lista deve falar por si. Mas gosto de notar a impressão que me deu o panorama geral dessa lista depois de a concluir. No caso, senti que o meu ano cinematográfico desenhou um mapa bastante diverso, com descobertas absolutas (uma magnífica primeira obra chamada Azor, um realizador vigoroso chamado Saeed Roustaee, etc.) e outras emoções na retina, ainda que não tenha incluído filmes portugueses. Isso não significa, nem por sombras, que pense que foi um mau ano para o cinema português. Simplesmente os dez lugares do top preencheram-se com naturalidade, sem aquele impulso de substituir um filme por outro só para ficar bem ter um título X, realizado por Y, com temática W. Ah, e também gosto da sequência final: A Night of Knowing Nothing – Nope – Un beau matin. Não foi de propósito.
João Araújo
- Drive My Car de Ryûsuke Hamaguchi
- Memoria de Apichatpong Weerasethakul
- L’événement de Audrey Diwan
- Mato seco em chamas de Joana Pimenta e Adirley Queirós
- A Night of Knowing Nothing de Payal Kapadia
- Perante o Teu Rosto de Hong Sang-soo
- Ghasideyeh gave sefid (O Perdão, 2020) de Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha
- X de Ti West
- The Lost Daughter de Maggie Gyllenhaal
- Onoda, 10 000 nuits dans la jungle de Arthur Harari
Menções honrosas: Alcarràs (2022) de Carla Simón, Un monde de Laura Wandel, Lobo e Cão (2022) de Cláudia Varejão, The Fabelmans de Steven Spielberg, A Promessa de Hasan de Semih Kaplanoglu, Barbarian de Zach Cregger, Ha’berech (O Joelho de Ahed, 2021) de Nadav Lapid, Il buco de Michelangelo Frammartino, Ras vkhedavt, rodesac cas vukurebt? (O Que Vemos Quando Olhamos Para o Céu?, 2021) de Aleksandre Koberidze, Azor de Andreas Fontana e A Lei de Teerão de Saeed Roustayee; sem estreia: Onde Fica esta Rua ou Sem Antes Nem Depois de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata.
Por muito que goste de fazer estas listas de fim de ano (um passatempo cinéfilo), os textos que o acompanham e a necessidade de desvendar um significado maior sobre um conjunto aleatório de filmes como uma espécie de balanço geral acabam por ser por vezes um exercício fútil (mas… quando acontecem, é sempre curioso reparar em coincidências entre filmes distintos). No entanto, há uma evidência que se parece destacar este ano, que é uma espécie de “retoma” cinematográfica, com uma abundância de estreias de filmes de qualidade elevada, particularmente no início do ano (depois de durante 2020 e 2021 os filmes terem estreado a conta gotas), prova de vida do cinema, não só da sua diversidade e mutabilidade mas também da sua indispensabilidade; uma pequena curiosidade estatística: até meados de março já tinham estreado 8 destes 10 filmes do meu top pessoal. Algumas notas soltas: um excelente ano para o cinema iraniano (num momento muito triste para o país), com vários filmes interessantes como O Perdão, A Lei de Teerão, Um Herói, Estrada Fora e Os Irmãos de Leila (este ainda por ver); a grande notícia da abertura do Batalha Centro de Cinema e a belíssima continuação do ciclo Mestres Japoneses Desconhecidos, em particular com o imperdível Onna no issho (Vida de uma Mulher, 1962) de Yasuzō Masumura.
João Lameira
- Top Gun: Maverick de Joseph Kosinski
- Licorice Pizza de Paul Thomas Anderson
- Chronique d’un liaison passagère de Emmanuel Mouret
- Un monde de Laura Wandel
- Perante o teu Rosto de Hong Sang-soo
- Kimi (2022) de Steven Soderbergh
- X de Ti West
- Nope de Jordan Peele
- Memoria de Apichatpong Weerasethakul
- Argentina, 1985 (2022) de Santiago Mitre
2022 acabou por se revelar de boa colheita. Escrevo isto, apesar de ter sido dos anos em que fui menos às salas de cinema (exceptuando 2020, por razões óbvias). “Às salas de cinema”, como quem diz, qualquer dia é mais força de expressão. Paradoxalmente, ao passo que as salas escasseiam, as estreias semanais aumentam, obrigando o espectador que quer ver determinado filme a fazer um exercício mental para encaixar o dito na sua rotina diária, tendo reduzidas hipóteses para o fazer (é uma espécie de puzzle perverso). Esse foi um dos motivos para deixar escapar filmes que poderiam perfeitamente ter feito parte desta lista. E que, de alguma forma, foram substituídos pelos exclusivos dos serviços de streaming (Kimi; Argentina, 1985). Serviços de streaming, esses, que também não respiram muita saúde, o que pode provocar um maior número de estreias em sala nos próximos anos. No actual estado de coisas, já é difícil afirmar se isso é bom ou mau.
José Bértolo
- Perante o teu Rosto de Hong Sang-soo
- The Fire Within: A Requiem for Katia and Maurice Krafft (2022) de Werner Herzog
- Cow de Andrea Arnold
- Supai no tsuma (Mulher de Um Espião, 2020) de Kiyoshi Kurosawa
- Apresentação de Hong Sang-soo
- Drive My Car de Ryusuke Hamaguchi
- Memoria de Apichatpong Weerasethakul
- Fogo-Fátuo (2022) de João Pedro Rodrigues
- Hideous (2022) de Yann Gonzalez
- Onoda, 10 000 nuits dans la jungle de Arthur Harari
Quando foi revelada a última lista dos melhores filmes de sempre [sic] da Sight & Sound escrevi: “Foi divulgada há dias a lista actualizada da Sight & Sound dos melhores filmes da história do cinema. Mas creio que uma lista só tem o mínimo valor enquanto exercício autobiográfico, emanação do indivíduo. Todas as listas construídas para outros efeitos são espuma para os dias.” Posto isto, não sei quais são os melhores filmes, não tenho interesse nenhum em saber quais são os melhores filmes, e teria raiva de alguém que o soubesse (felizmente, não existe ninguém). Posso apenas dizer-vos quais os filmes recentemente estreados que me usaram como habitáculo ao longo do ano de 2022.\
Luís Mendonça
- X de Ti West
- Crimes of the Future de David Cronenberg
- Perante o teu Rosto de Hong Sang-soo
- Nope de Jordan Peele
- A Lei de Teerão de Saeed Roustaee
- Smile de Parker Finn
- Azor de Andreas Fontana
- 28 ½ (2020) de Adriano Mendes
- Mass de Fran Kranz
- O Professor Bachmann e a sua Turma de Maria Speth
Foi um ano em que vi muito, mesmo muito cinema. Como sempre. Só que com uma nuance: não em sala, pelo menos nas salas ditas comerciais. Nesse particular, 2022 fica marcado por múltiplas faltas e, não conseguindo nomear todas, resta-me deixar o aviso de que foram 39 os títulos que vi passíveis de caberem neste top [não estou a incluir aqui os três filmes do excelente programa “Mestres Japoneses Desconhecidos”, sobretudo a obra-primaça chamada Garasu no Jonî: Yajû no yô ni miete (Johnny Coração de Vidro, 1962)]. Feito o aviso, quero falar rapidamente de duas obras que vi fora deste contexto e que deixaram em mim uma impressão profunda: por um lado, o “devorador” O.J.: Made in America (2016) de Ezra Edelman, o “Citizen Kane (O Mundo a Seus Pés, 1941) dos documentários sobre a América” (desculpa, Wiseman…), com as suas quase 8 horas a voarem à minha frente, testemunhando o crescimento do meu entusiasmo – e do meu espanto – perante o edifício argumentativo que se vai erguendo em torno da velha questão, “Quo vadis América?”; por outro lado, How Green Was My Valley (O Vale era Verde, 1941) de John Ford, revisto onde deve ser visto, sempre que possível, isto é, no grande ecrã (na Cinemateca Portuguesa, em esplendorosos 35mm) – a doce e melancólica passagem do tempo, a nobreza dos bons sentimentos e a presença subtil de uma força maior, muito maior do que todos nós. Foi a grande experiência religiosa do meu 2022 cinéfilo. Bom Natal a todos.
Luiz Soares Júnior
- Memoria de Apichatpong Weerasethakul
- Mulher de Um Espião de Kiyoshi Kurosawa
- Apresentação de Hong Sang Soo
- Fogo-Fátuo de João Pedro Rodrigues
- Nope de Jordan Peele
- Das profundezas de Michelangelo Frammartino
- The Black Phone (O Telefone Negro, 2021) de Scott Derrickson
- Crimes of the Future de David Cronenberg
- Drive My Car de Ryusuke Hamaguchi
- Perante o teu Rosto de Hong Sang-soo
Listas são sempre um grande problema para mim, mas é aquele problema incontornável, que dá sentido e um horizonte de transcendência a nossas sessões hebdomadária de cinéfilos, aliciados pelo fantasma sem sombra de salvação; listas são a vitória da mediação sobre o espectro da jouissance: elas nos dão norte e método; e fixam valores também, o que em tempos de imagens quaisquer (manipuladas mal e porcamente por tatibitates sem cultura nem invenção, falo aqui como Gláuber ontem: cinema é uma forma de lidar, de trabalhar, de tornear as imagens; não basta uma grande imagem, se esta não for adequadamente processada), se torna algo de suprema virtude; listas, como dito, fixam valores e estabelecem critérios para o embasamento de nossa crença – possivelmente renovada – no cinema: são a vitória do escudo de Perseu do crítico contra, não só as medusinas imagens-mater que nos perseguem desde os clássicos, mas também no sentido de que são baluartes soerguidos contra a disseminada vitória da obscenidade no mundo virtual; constituem-se em uma tarefa civilizatória cada vez mais indispensável; se escolhi Memoria em primeiro lugar e deixei para outras posições fogos de artifício neo-barrocos como o admirável Fogo-Fátuo é porque, para mim como crítico genealógico, o cinema de Apichatpong reúne as graças do cinema moderno (plano sequência e locação, luz natural, som direto) com certa ataraxia classicista, que dá o diapasão neste suntuoso filme sobre a necessidade do silêncio para reencontrar a Origem; mas todos os filmes escolhidos cavaram e iluminaram dentro de mim novas histórias do cinema, tarefa reservada sempre para os grandes avatares de potência crítica e de jouissance desta arte da luz.
Paulo Cunha
- Fogo-Fátuo de João Pedro Rodrigues
- Pathos, Ethos, Logos (2021) de Joaquim Pinto e Nuno Leonel
- Licorice Pizza de Paul Thomas Anderson
- L’événement de Audrey Diwan
- Petite maman de Céline Sciamma
- Objectos de Luz (2022) de Acácio de Almeida e Marie Carré
- Drive My Car de Ryusuke Hamaguchi
- La cordillère des songes de Patricio Guzmán
- Sita – A vida e o tempo de Sita Valles (2022) de Margarida Cardoso
- Il buco de Michelangelo Frammartino
Para mim, sem dúvida, e com imensa margem, Fogo-Fátuo foi a obra que vi este ano que mais me entusiasmou. Será também, seguramente, o filme visto este ano que mais vezes irei rever nos próximos anos. Inflamável, incendiário (no melhor sentido figurado, claro) e contagiante, convoca tantas outras imagens e narrativas que nos convida a constantes deslocações da sala do cinema para outras viagens. É, ainda, um fresco compêndio e uma ode à história do cinema. 2022 será ainda o ano do revolucionário Pathos, Ethos, Logos, que não verei muitas mais vezes por causa da sua duração (“um calhamaço”, como lhe chamaram), que me impressionou, mas que me parece demasiado exigente a vários níveis. Lembrar-me-ei ainda deste ano por causa de Ryusuke Hamaguchi e do seu tranquilo fulgor narrativo. Por último, fica um renovado lamento para a falta de espaço nos ecrãs mediáticos para tantas curtas que vi ao longo do ano fora das salas de cinema e um renovado alento pelo aumento consolidado das reposições de versões (mais os menos) restauradas em sala, que cada vez mais falta nos fazem.
Ricardo Gross
- Illusions perdues (Ilusões Perdidas, 2021) de Xavier Giannoli
- Stillwater (2021) de Tom McCarthy
- Top Gun: Maverick de Joseph Kosinski
- La caja (A Caixa, 2021) de Lorenzo Vigas
- Amants de Nicole Garcia
- X de Ti West
- L’événement de Audrey Diwan
- Sundown de Michel Franco
- Azor de Andreas Fontana
- Perante o Teu Rosto de Hong Sang-soo
Todos os anos fazemos este exercício que permite obter uma lista de dez filmes. A minha experiência até 2022 foi a de percorrer cada uma das 48 semanas, não estando seguro de atingir os dez títulos de que tivesse francamente gostado. Como faço questão de aproveitar todo o espaço que me é dado, cheguei a afrouxar o critério para lá colocar mais um ou dois títulos. Este foi um ano em que perdi muita coisa em sala. Perdi deliberadamente. Antecipava o tédio e a desilusão e fiz outras coisas em vez de ir ao cinema. Dois filmes da minha lista até vi em casa, por intermédio de DVDs comprados. Surpreendi-me com a facilidade com que cheguei aos dez títulos. A questão nunca é a de termos visto ou não filmes suficientes. É a de seguirmos o nosso instinto, escapar às experiências desagradáveis, e encontrar os filmes certos para nós.
Ricardo Vieira Lisboa
- Os Irmãos de Leila de Saeed Roustaee
- Everything Everywhere All at Once de Daniel Scheinert e Daniel Kwan
- A Night of Knowing Nothing de Payal Kapadia
- Perante o Teu Rosto de Hong Sang-soo
- X de Ti West
- Um Corpo que Dança – Ballet Gulbenkian 1965-2005 de Marco Martins
- Licorice Pizza de Paul Thomas Anderson
- 28 ½ de Adriano Mendes
- Black Panther: Wakanda Forever (2022) de Ryan Coogler
- O Trio em Mi Bemol de Rita Azevedo Gomes
Um cigarro que se passa, aceso, de um morto para um herdeiro; umas pedras – com olhinhos adesivos – conversam no deserto sobre a sua imobilidade; a delicadeza de uma correspondência manuscrita em pleno tumulto estudantil; a crueza punk de um cinema pobre, em todos os sentidos; o twist geracional feito vai-e-vem visual, ou jogo de gato e rato conceptual; tudo em todos os copos ao mesmo tempo; a crueldade de um romantismo adolescente; a tensão de uma viagem de comboio; a nova América será uma síntese tecnológica das suas raízes africanas e sul-americanas, ou não será; e, por fim, a comédia de recasamento recompõe-se num ménage – sem paixão – entre música, arquitetura e teatro. Eis o cinema de 2022: da mais tocante e inteligente tragicomédia familiar em mastigação iraniana ao mais caótico e pop dos filmes do cinema mainstream americano, passando pela elegância de uma confissão indiana ou pelo bujardão in your face da velhice para adolescente tremer. Não há cinema e Cinema, não há distinção valorativa entre autor e comercial, pouco importam escalas de produção ou contextos de distribuição, o pior realizador pode fazer uma obra-prima e o grande cineasta pode cagar de repuxo. O filme de super-heróis tem tanto a dizer sobre o nosso mundo (onde até há espaço – quem diria – para o eu) como o mais artesanal dos “filmes de arte”. Bardamerda para tudo e todos os que são incapazes de descobrir o cinema nos filmes, e só procuram os filmes no cinema.
Samuel Andrade
- Moonage Daydream (2022) de Brett Morgen
- Il buco de Michelangelo Frammartino
- The Fabelmans de Steven Spielberg
- X de Ti West
- Memoria de Apichatpong Weerasethakul
- Heeojil gyeolsim (Decisão de Partir, 2022) de Park Chan Wook
- Fogo-fátuo de João Pedro Rodrigues
- A Lei de Teerão de Saeed Roustaee
- Les Années Super 8 (Os Anos Super 8, 2022) de Annie Ernaux e David Ernaux-Briot
- Nope de Jordan Peele
No fim do presente ano de 2022, estes são os meus dez filmes de eleição. Contudo, nessa lista poderiam ainda figurar (e sem qualquer ordem específica) títulos como Three Thousand Years of Longing (Três Mil Anos de Desejo, 2022) de George Miller, Crimes of the Future de David Cronenberg, This Much I Know to Be True (2022) de Andrew Dominik, Nitram de Justin Kurzel, Top Gun: Maverick de Joseph Kosinski, Elvis (2022) de Baz Luhrmann, Men (2022) de Alex Garland ou Prey (O Predador: Primeira Presa, 2022) de Dan Trachtenberg.
Sérgio Alpendre
- Il buco de Michelangelo Frammartino
- Mulher de Um Espião de Kiyoshi Kurosawa
- Mato Seco em Chamas de Adirley Queirós e Joana Pimenta
- Perante o Teu Rosto de Hong Sang-soo
- O Trio em Mi Bemol de Rita Azevedo Gomes
- Onoda, 10 000 nuits dans la jungle de Arthur Harari
- Restos do Vento (2022) de Tiago Guedes
- Chronique d’une liaison passagère de Emmanuel Mouret
- Crimes of the Future de David Cronenberg
- Memoria de Apichatpong Weerasethakul
Dois filmes se destacam em minha lista: Das profundezas e Mulher de um Espião. Michelangelo Frammartino e Kiyoshi Kurosawa, representando os cinemas de Itália e Japão, fizeram os melhores filmes a estrear no circuito português, segundo meu julgamento. No cinema de Frammartino, as coisas acontecem lentamente. É o tempo do campo, das pequenas cidades, da contemplação. Não é que as imagens durem bastante. Não se trata da dilatação do tempo, como em Tarkovski ou Angelopoulos. É mais uma ideia de acumulação de imagens belas, um anestesiamento pela contemplação das paisagens, mas também pelos feixes de luz dentro da caverna.
Kiyoshi Kurosawa e Ryusuke Hamaguchi se juntam para fazer Mulher de um Espião. É o encontro do melhor cineasta japonês dos últimos trinta anos com o mais celebrado dos últimos quatro anos. Felizmente, sobressaiu-se Kurosawa, que faz um cinema da precisão, da procura pelo tom justo, pelo ritmo mais adequado, por uma modulação narrativa que remete ao melhor cinema já feito, ou seja, ao cinema de Kenji Mizoguchi.
Os três filmes seguintes são muito próximos em qualidade, configurando um empate técnico. Mato Seco em Chamas reflete a combustão política do Brasil nos últimos anos. Perante o Teu Rosto é aquele mais do mesmo que é diferente e que só Hong Sang-soo sabe fazer no cinema contemporâneo. O Trio em Mi Bemol flagra uma diretora procurando novos caminhos, com a graça e a leveza de quem ama cinema e música. Nas duas posições seguintes, temos longas surpreendentes de realizadores que passam para um outro status. Nas três últimas, filmes de realizadores que já tiveram melhores dias, mas ainda podem fazer grandes obras, sobretudo, penso, no caso de Mouret.
Susana Bessa
- Ras vkhedavt, rodesac cas vukurebt? (O que vemos quando olhamos para o céu?) de Alexandre Koberidze
- Memoria de Apichatpong Weerasethakul
- Fire of Love (Vulcão, Uma História de Amor, 2022) de Sara Dosa
- Onoda, 10 000 nuits dans la jungle de Arthur Harari
- A Night of Knowing Nothing de Payal Kapadia
- Re Granchio (O Conto do Caranguejo, 2021) de Matteo Zoppis, Alessio Rigo de Righi
- Nope de Jordan Peele
- Um Monde de Laura Wandel
- O Professor Bachmann e a sua Turma de Maria Speth
- Das Mädchen und die Spinne (A Rapariga e a Aranha, 2021) de Ramon & Silvan Zürcher
Começo desde já por convocar as palavras de Elena Gorfinkel neste texto aqui que explicam melhor que ninguém como as listas diminuem, diluem, são “attentional real estate for the fatigued”, “colonizam a mente” e mais importante ainda “são para roupa, não para filmes”. Não sendo fã de plataformas como o Letterboxd – perigoso para os cinéfilos mais ansiosos (quantidade não é qualidade) -, tenho, no entanto, sido diligente ao longo da última década a registar listas de filmes vistos e por ver, e até uma outra de filmes raros cujas cópias ainda procuro. Estas têm como principal e único objectivo o de reter a informação.
A acrescentar a isto, a minha relação com as estreias comerciais (aqui, nesta lista, físicas e digitais: Fire of Love estreou-se na Disney +, Re Granchio na Mubi) tem sido frustrante. Desde muito cedo que não compreendo a quantidade de meses infindáveis, às vezes anos, que temos que esperar para ver um filme estrear em Portugal. Tirando três, os restantes filmes que apresento nesta lista, foram vistos o ano passado. Só para nomear alguns assim rapidamente que marcaram o meu presente ano, onde está Benediction (2021) e Aftersun (2022) ou The Cathedral (2021), A Woman Escapes (2022)(obrigada DocLisboa), À Plein Temps (2021), Saint Omer (2022) ou até God’s Creatures (2022)? A minha lista seria mais colorida se os filmes que aqui coloco ou tivessem todos sido “descobertos” este ano ou esta funcionasse enquanto um pedido à distribuição.
Seja como for, o filme de Alexandre Koberidze pulsa e vive no cerne do cinema pelo segundo ano consecutivo. E eu já sabia da sua inteligência, mas não das suas capacidades proféticas (a Argentina é campeã do mundo!). Pode ter sido um ano de explosões contidas, mas estes filmes constroem um corpo vital e sumarento. Todos eles experiências, a meu ver, obrigatórias. Enquanto houver Koberidze e Apichatpong Weerasethakul a estrear numa sala, continuarei com esperança de que as distribuidoras irão recarregar as suas estratégias para o tempo presente.
Vasco Baptista Marques
- Perante o Teu Rosto de Hong Sang-soo
- Memoria de Apichatpong Weerasethakul
- Onoda, 10 000 nuits dans la jungle de Arthur Harari
- The Souvenir: Part II de Joanna Hogg
- Drive My Car,de Ryûsuke Hamaguchi
- The Fabelmans de Steven Spierlberg
- O Professor Bachmann e a Sua Turma de Maria Speth
- Licorice Pizza de Paul Thomas Anderson
- Il buco de Michelangelo Frammartino
- Nope de Jordan Peele
Marcado pelo regresso em pleno do cinema às salas (depois de dois anos de sucessivos confinamentos e desconfinamentos), 2022 foi, para mim, um ano claramente virado a oriente. De facto, pela primeira vez desde que me meti “nisto”, a minha lista dos melhores do ano acolhe dois filmes de produção asiática no pódio: Perante o Teu Rosto, do sul coreano Hong Sang-soo e Memória, do tailandês Apichatpong Weerasethakul. Diga-se de resto que, caso tivessem sido outras as “regras do jogo”, constaria ainda nela o belíssimo Johnny Coração de Vidro (1962), do japonês Koreyoshi Kurahara, que se estreou este ano por cá, graças ao trabalho conjunto da distribuidora The Stone and the Plot e do programador Miguel Patrício (um homem “da casa”). Para além disso – e contra as minhas próprias expectativas –, 2022 foi igualmente um ano em que, por motivos de excesso de bagagem, me vi obrigado a deixar de fora da “hierarquia celeste” um punhado de belíssimos “filmes excedentários”, entre os quais: Diário de um Romance Passageiro, de Emmanuel Mouret, Recreio, de Laura Wandel, A Caixa, de Lorenzo Vigas, Azor, de Andreas Fontana… Já me daria por satisfeito se 2023 não destoasse muito do que este ano vi (passe a tosca sinestesia).