Terrifier 2 (2022), de Damien Leone, foi um dos casos do ano cinematográfico que passou. Nasceu de uma campanha de crowdfunding, como uma sequela que sucede a uma curta-metragem e a outra longa-metragem. No início de Outubro, antes de seguir para o serviço de streaming da Bloody Disgusting, dona do influente site com o mesmo nome e do estúdio que produziu a série V/H/S, teve o lançamento norte-americano em sala. Era suposto que durasse uma semana, mas foi-se arrastando, por meio de receitas de bilheteira vistosas, se consideramos o seu pequeno orçamento. Pelo meio, houve relatos de vómitos e desmaios durante as exibições, que parecem apenas credíveis para quem não estudou as lições dos gimmicks de William Castle. Intrigados pelo fenómeno, os executivos de Hollywood já devem estar a salivar, enquanto analisam e anseiam por rentabilizar o fenómeno, como se fosse a primeira vez que o cinema de terror indie comete este tipo de proeza de ordem financeira.
Se algo podemos retirar desta história, veja-se também o caso de Ku bei (The Sadness, 2021) de Rob Jabbaz ou o novo filme de Eli Roth, inspirado pelo trailer que dirigiu para o projeto Grindhouse (2007), de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, é que o cinema de terror mais violento veio para ficar, porque o público assim quer. A própria Bloody Disgusting notava numa das suas newsletters mais recentes que os estúdios se apressam a lançar os últimos filmes ainda presos à lógica traumática do período Covid, que favorece a atmosfera, os temas da dor e do luto, ou as questões hereditárias resultantes de doença mental. Trata-se de uma viragem para títulos que desafiam as convenções e se inclinam para a experimentação: «Obrigado, mas já tivemos traumas suficientes. Por favor, apresentem um cinema de terror divertido, visceral e selvagem. Quanto mais sangrento, melhor».
Talvez isto também ajude a explicar o sucesso recente de Ti West, com X (2022) e Pearl (2022), no regresso ao slasher mais visceral, por via de The Texas Chain Saw Massacre (Massacre no Texas, Tobe Hooper, 1974), ainda que com um nível de sedução e sofisticação que o demarca da atual concorrência. Também não se trata de um movimento novo pois, pelo menos desde a década de 1960, o modelo gore de Herschell Gordon Lewis mantem-se instrumental na forma como o sangue jorra pelas telas norte-americanas. Mais recentemente, tivemos os casos das séries Hostel e Saw e, fora da América, o extremismo do terror francês bebeu essa herança e modelou-a para as crises sociais no continente europeu. Entretanto, em cada ciclo do reavivar da violência houve sobressaltos na opinião pública para limitar, censurar e higienizar a forma como a violência é representada.
Damien Leone é uma espécie de Quentin Tarantino circunscrito ao cinema de terror. Devora as melhores referências do género, do mais consagrado ao mais desprezado. Os excertos da iconografia fílmica do terror, apresentados em televisores low-fi, estão lá para o comprovarem.
Terrifier 2 é um excelente exemplo para promover a atual mudança de ciclo. O seu realizador é uma espécie de Quentin Tarantino circunscrito ao cinema de terror. Devora as melhores referências do género, do mais consagrado ao mais desprezado. Os excertos da iconografia fílmica do terror, apresentados em televisores low-fi, estão lá para o comprovarem. A articulação de citações narrativas e formais nem sempre poderá ser tão evidente ou assumida como no caso de Tarantino, embora como este vá beber tanto ao cinema americano como ao europeu.
Mesmo que a ação de Terrifier 2 se situe nos festejos do Halloween, com o terror a despontar no seio da família moderna, e que abunde o uso de sintetizadores na banda sonora, estamos longe dos subúrbios com relvados verdejantes e sebes aparadas da classe média norte-americana, como em Halloween (1978), de John Carpenter. Aqui dominam as esquinas inóspitas, as vielas sujas dos bairros mais degradados de uma metrópole. Como em Inferno (1980), de Dario Argento, depois da viscosidade da cena dos ratos junto ao rio, disséssemos adeus aos arranha-céus cintilantes em fundo e mergulhássemos ainda mais nesse mundo alienado, degradadamente marcado pela imundice e pelos ruídos assustadores saídos do inferno mais próximo. É ainda Dario Argento, e mesmo Mario Bava, que nos acompanham com os pequenos feixes de luz clara a serem interrompidos pelas saturações de azul, verde e vermelho. Por vezes, afigura-se que a imagem tenha sido limpa, para uma outra versão, desmaiada para cores pastel e a evidenciar sinais de grão. Para onde quer que nos dirijamos, não cremos que nos tivéssemos afastado dos cantos de um estúdio esquecido que acumula vestígios dos filmes que ali foram produzidos.
Em Terrifier 2, contra a posição da família, um adolescente (Elliott Fullam) pretende festejar o Halloween mascarando-se de um homicida com o nome de Art the Clown, que os noticiários relembram por ter sido o responsável por um massacre no ano anterior. A família vive num submundo low-fi no limite do capitalismo, mas age de acordo com um nível de mediatização que associamos mais à sociedade moderna. Deste modo, a mediatização domina todo o espectro da sociedade e a violência é apenas mais um instrumento para os meios de difusão. Curiosamente, poucas semanas depois de Terrifier 2 se ter estreado, o megassucesso da série televisiva Monster: The Jeffrey Dahmer Story (2022) trouxe de novo à memória da opinião pública o impulso dos adolescentes para se disfarçarem de reconhecíveis assassinos reais ou imaginados e como a questão da celebração da violência é gerida pelos meios de comunicação de massa.
Art the Clown (David Howard Thornton), não é tanto um palhaço como o nome indica, mas mais um mimo, que se transforma numa figura idiossincrática para acrescentar à galeria de monstros do cinema de terror, na secção reservada a Leatherface, Jason Voorhees, Freddy Krueger, Pinhead ou Jigsaw. Para além do figurino exemplar, tem a característica peculiar de não falar, que joga bem com os Scream Kings e Queens que tem de chacinar. Os seus assassínios grotescos, compostos por efeitos especiais manuais, intercalados com pequenas secções para espoletar avanços na narrativa, revelam o seu niilismo e desprezo pela vida humana, sem contemplações para a idade, o género ou as capacidades físicas. Os corpos das vítimas são esventrados e reformulados em esculturas humanas dignas de um body horror grotesco, entre os gritos angustiantes das vítimas e o silêncio sepulcral do assassino.
Para o final, Damien Leone reserva-nos um exercício longo sobre o conceito de “final girl”, literalmente um anjo vingador (Lauren LaVera), que é executado repetidamente e quase levado ao absurdo, sendo imperiosa a invocação do sobrenatural para chegarmos a uma conclusão.
★★★★☆