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“The Fabelmans”: ‘in the end… you got the girl’ 

De Ana Cabral Martins · Em 3 de Janeiro, 2023

The Fabelmans (Os Fabelman, 2022) é uma adaptação semi-autobiográfica da juventude de Steven Spielberg que envolve o divórcio dos pais, a relação com estes e com as irmãs e, ainda, a sua relação com o cinema. O filme é concebido em plena pandemia e dedicado aos pais do realizador, Leah Adler e Arnold Spielberg, que morreram em 2017 e 2020 – de certa forma, tanto o ímpeto como a libertação para (finalmente) fazer este filme. 

The Fabelmans (Os Fabelman, 2022) de Steven Spielberg

Começamos por ver um jovem Sam Fabelman que vai ao cinema com os pais para ver The Greatest Show on Earth (O Maior Espectáculo do Mundo, 1952), de Cecil B. DeMille. O rapaz fica completamente estarrecido com uma cena que envolve a colisão de comboios com um carro à mistura. À entrada do filme, tanto o pai como a mãe tentam prepará-lo para a sua primeira experiência cinematográfica: Burt Fabelman (Paul Dano) tenta explicar os mecanismos envolvidos no modo como o cinema analógico funciona e Mitzi Fabelman (Michelle Williams) fala da faceta mágica e sonhadora do cinema. Quando Sam regressa do cinema, o seu instinto é recriar a destruição vista na tela com comboios de brincar. Num momento de revelação e reconhecimento, Mitzi percebe que o filho usa a recriação como forma de exercer controlo, como forma de se distanciar do medo e dominar as suas emoções. É aí que entra a câmara de filmar. A mãe dá-lhe a câmara da família para que ele filme o embate dos comboios e use as imagens de forma terapêutica. E, desta forma concisa e um pouco menos romântica do que se poderia imaginar, Spielberg coloca peças em jogo: Burt é uma pessoa muito mais racional e pouco dada a flight of fancy, Mitzi é exactamente o contrário – uma pessoa até marcada pela sensação de talento desperdiçado (com uma infelicidade palpável em vários momentos, o que torna o filme bem mais agridoce do que possa parecer). E, finalmente, para Sam, o cinema e o uso da câmara são uma forma de controlo emocional, de distanciamento, de criação de narrativas que lhe permitem lidar com a vida.

Quando os pais finalmente falam com os filhos sobre a dissolução do casamento, Spielberg filma uma das suas cenas mais expressionistas, com Sam a ver-se pelo espelho enquanto filma a cena, como se só a ideia de como filmaria isto o pudesse ajudar a ultrapassar a dor do momento. A câmara é, ainda e sempre, o controlador de emoções.

Já na adolescência de Sam (Gabriel LaBelle), a grande e central questão do divórcio dos pais – algo que Spielberg sempre colocou nos seus filmes (especialmente na primeira metade da sua carreira), de forma mais ou menos velada – está intrinsecamente ligada ao acto de fazer filmes. A história, em traços gerais, é a de que os pais se separam e a mãe acaba por casar com o melhor amigo do pai, sendo que este arca com a culpa do final do casamento perante os filhos para que estes aceitem melhor a decisão da mãe. Mas Spielberg mostra as falhas na fachada mostrando a sua parte cúmplice na situação. A dedicação em filmar momentos do quotidiano ou fazer filmes em casa com as três irmãs – participantes bem dispostas face a tudo o que o irmão mais velho quer fazer – culmina na filmagem de umas férias de família que envolvem o melhor amigo do pai, peça fundamental na vida comunal. Expõem-se aqui algumas facetas durante um flight of fancy de Mitzi, que começa a dançar com a camisa de noite em frente às luzes do carro, perante os olhares embevecidos de Burt e Bennie (o melhor amigo, protagonizado por Seth Rogen), enquanto Sam filma (criando distância e controlo emocional, ao mesmo tempo que segue um canto de musa que lhe diz que aquilo ficará bem filmado). Já as filhas ficam extremamente embaraçadas com o espectáculo, implorando ao irmão para não filmar aquilo e aos adultos para fecharem os olhos. 

Quando a mãe de Mitzi morre e o pai de Sammy insiste que se ele montar o filme das férias vai animar a mãe, o resultado é a descoberta de algo que nem a mãe parece ter inteiramente presente: um affair emocional com o melhor amigo do pai que Sammy descobre no exercício de repetição da montagem, cuja forma com está filmada e montada sublinha o choque da descoberta. A segunda lição de cinema importante – a câmara vê mais coisas do que poderíamos imaginar inicialmente – vem também com uma perda de inocência face à complicação da vida adulta. Quando Sam mostra as imagens à mãe, que insiste em saber a razão da abrupta mudança de atitude do filho, também ela fica devastada com o que vê no ecrã, confrontada com o olhar da câmara. 

Esta aceitação do que se passa implicitamente nas suas vidas, resulta numa mudança em que os Fabelmans vão para a Califórnia, tendo Burt finalmente aceite um trabalho na IBM em virtude das suas proezas informáticas. Desta vez, o “tio” Bennie não os segue. Mas compra uma nova câmara para Sam e insiste que ele tem de continuar a filmar (algo que este parou de fazer depois do filme das férias) para não partir o coração à mãe. 

A ida para a Califórnia é a machadada final na vida conjugal dos pais Fabelman e um abrir de olhos para Sam. Depara-se com a sua primeira experiência com anti-semitismo (a faceta judaica da família é um ponto importante do filme), os seus primeiros bullies, a sua primeira relação com uma rapariga e o seu regresso a fazer filmes, filmando uma pequena curta para e sobre a escola num dia de jogos na praia.  

O final da relação com os pais torna claro para o nosso Sam/Steven algo que um tio da mãe (o incrível Judd Hirsch como Boris Schildkraut) já lhe tinha dito: que a sua arte estará sempre no caminho da sua relação com as outras pessoas e que será sempre a lente (pun intended) através da qual observará a vida. Quando os pais finalmente falam com os filhos sobre a dissolução do casamento, Spielberg filma uma das suas cenas mais expressionistas, com Sam a ver-se pelo espelho enquanto filma a cena, como se só a ideia de como filmaria isto o pudesse ajudar a ultrapassar a dor do momento. A câmara é, ainda e sempre, o controlador de emoções. E cá está ele, todos estes anos depois, finalmente a mostrar como filmaria esse momento. 

E agora chegamos a alguns momentos absolutamente chave do filme.

E Spileberg inclina a câmara, posicionando o horizonte exatamente como John Ford lhe ensinou. Sam Fabelman acabou de aprender isso, mas Steven Spielberg não só nunca esqueceu, como nos indica que continua a lembra-se de o ir fazendo.

Um deles é a apresentação da curta de Sam à escola num baile de estudantes em que este mostra um dos seus bullies completamente transformado em estrela de cinema pela magia da câmara. O rapaz em questão, Logan (Sam Rechner), que recupera a atenção da namorada que o tinha abandonado quando descobre (por intervenção de Sam) que Logan a andava a enganar, está completamente transtornado pela forma como Sam o filmou. Sente que é totalmente indevido o modo como foi representado no filme, qual jovem apolíneo, não só porque nunca chegará aos calcanhares dessa repesentação, mas também porque maltrata constantemente Sam. E insiste em saber o que o levou Sam a filmá-lo desse forma, algo que nem o próprio sabe ainda racionalizar. Talvez porque queria que o bully não o continuasse a tratar mal, talvez porque reconheceu algo no que estava a filmar que era demasiado apetecível, demasiado cinemático. Talvez porque reconheceu em si próprio o poder de elevar e humilhar este rapaz num único golpe. Logan avisa-o – como tanta gente já terá avisado alguém que se dedica demasiado ao cinema (emocionalmente e não só): “Life’s nothing like the movies, Fabelman”. Mas Spielberg, anos depois, e tendo prometido momentos antes, num piscar de olhos à audiência, que nunca contaria a reacção do Logan ao seu filme (“a não ser que faça um filme sobre isso”) encontrou a resposta ideial: ”Maybe not. But, hey, in the end… you got the girl”.

Nos dois momentos seguintes, Spielberg filma a reconciliação final de Sam com os pais. Com a mãe, que o incita a seguir o seu coração artístico (“you don’t owe anyone your life”), e com o pai, que aceita finalmente a inclinação do filho e lhe promete que “we’ll never not know each other”. Spielberg passou todo o filme a jogar com a ideia de que sabemos que isto é um filme e que é a história do próprio realizador. Aqueles pais são uma versão cinematográfica dos mesmos, perdoados pelas suas falhas e permitidos a ter mais nuances pelo facto do realizador ter uma perspectiva bem diferente que o realizador/personagem em miúdo. Contudo, continuam num pedestal, não exactamente personagens totalmente realistas. Mas não faz mal, “life’s nothing like the movies”. E o cinema ainda é local de sublimação, de transformação de dor em algo transcendente. Aliás, é pensar na frase perfeita que é “we’ll never not know each other”. Não terá sido a frase dita (Tony Kushner a justificar toda a sua reputação como bom argumentista) mas é denouement ideal. E claro que é esse o objectivo. 

E o momento final. Aquele incrível momento final. Numa coda que conclui o filme, também com um piscar de olhos – como se Spielberg dissesse de forma atrevida “claro que correu tudo bem com o Sam, ou não fosse ele eu, e olhem só para esta última lição de cinema” –, vemos Sam a começar os seus primeiros passos na indústria da televisão (antes de saltar para o cinema) e a ter um brevíssimo encontro com John Ford (um excelente David Lynch) que lhe ensina que o horizonte tem de estar sempre enquadrado em cima ou em baixo para o plano ser interessante. Sam sai do escritório de Ford pronto para o resto da sua vida. 

E Spileberg inclina a câmara, posicionando o horizonte exatamente como John Ford lhe ensinou. Sam Fabelman acabou de aprender isso, mas Steven Spielberg não só nunca esqueceu, como nos indica que continua a lembra-se de o ir fazendo. Fazer cinema é, também, a história de um aglomerado de pessoas que trabalham com uma câmara (e tantas outras ferramentas, claro) de modo a trazer à tela uma visão de algo que está dentro da cabeça do realizador. E que prazer é ver o cinema de Spielberg a desenrolar-se perante os nossos olhos.

Escrevi há tempos sobre o facto do Tarantino usar o cinema para reescrever a História, porque ser realizador é também ser Deus. Para Spielberg, o cinema é o seu talento inato, instintivo e imaginativo, é o seu amor à arte e a sua necessidade de controlo. The Fabelmans e estas cenas finais atadas com laço são isso mesmo: o cinema a moldar a vida. Não foi assim que aconteceu mas é assim que vai viver para sempre (“print the legend”). É um gesto de controlo, abnegação e perdão que só o cinema pode criar. O cinema são sonhos e os sonhos têm o poder de mudar o mundo e a realidade.

A vida não é como os filmes, mas neste? They all get the girl. 

★★★★★

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Ana Cabral Martins

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