“No one who isn’t us is going to destroy Earth, and no one who isn’t us is going to save it. The most hopeless conditions can inspire the most hopeful actions.” Jonathan Safran Foer
Há anos que tento arranjar as palavras certas para descrever a qualidade magnética do cinema de Christian Petzold. O próprio finalmente fá-lo por mim. A uma determinada altura no seu mais recente filme Roter Himmel (2023), um dos mais esperados deste ano e premiado na Berlinale com o Grande Prémio do Júri, Nadja (Paula Beer) quer ir ver o mar Báltico. É de noite e esta pede a Leon (Thomas Schubert) que venha com ela; todo aquele corpo de água é intimidante quando a noite cai. Felix (Langston Uibel), o amigo de Leon, tinha-lhe falado de como as algas brilhavam das profundezas do mar, a assim chamada de bioluminescência, que segundo a Wikipédia “consiste na produção de luz fria e visível pelos seres vivos”. Esse fenómeno natural, livre de mecanismos, não só liga o filme ao anterior do cineasta da Escola de Berlim, Undine (2020) – há quem diga que estes compõem os dois primeiros actos de uma trilogia dos elementos – como explica exactamente porque é que continuamos aqui, com Petzold sempre na nossa mira. A magia que respiramos, a magia de tudo aquilo que não consegue ser explicado, nem através da poesia, é comandada por ele. Paula Beer nunca se limita só a caminhar; ela desaparece num estado de voo por um corredor fora. Petzold aponta mais uma vez para a sobrevivência e a sustentação das almas de uma tribo incompreendida que se investiga.

Mas ao contrário da maioria dos filmes do realizador alemão, Roter Himmel combina o típico filme leve de Verão com a tragicomédia dos nossos tempos, numa alegoria climática. Tudo começa numa viagem de carro de Berlim à costa nórdica do mar báltico, em direcção à casa da mãe de Felix ao pé do mar. Leon precisa de trabalhar no seu segundo livro, “Club Sandwich”, e Felix tem que tratar da candidatura para a escola de artes. Mas claro que o carro avaria e ambos são forçados a atravessar a floresta a pé a caminho da casa. Quando lá chegam, não estão sozinhos. Nadja, uma trabalhadora sazonal, está a ocupar um dos quartos. Leon não consegue dormir [Nadja tem um amigo que a visita à noite – Devid (Enno Trebs), o nadador-salvador -, as paredes são muito finas e os insectos insuportáveis], não consegue escrever, não consegue funcionar. Entre genuínas gargalhadas, Petzold reveste o filme de sarcasmo equiparando a crise nervosa do escritor perante um prazo com a cólera de um incêndio que se aproxima, espalhando-se e atacando todos que por perto se encontram. A navegar pelo túnel do primeiro, que serve de premonição para o segundo (demasiado enevoado pelo privilégio), Nadja não só brilha como se torna no cavalo negro Petzoldiano. É nela e através dela que vivem os mistérios da natureza.
Roter Himmel suspira, como toda a filmografia do cineasta, pelo outro mundo, pela sedução eterna entre o que se apresenta físico e o que se revela espectral.
Já vimos isto antes, mas nunca desta forma, nunca através da comédia a meio-tom, antes de uma chuva de cinza inundar o jardim. O propósito de Petzold é claro a partir do momento que o motor daquele carro explode (?) e as suas personagens se vêem assombradas pelo desconhecido, à entrada da floresta. A raiva da natureza não tem limites e leva todos que venham ao seu encontro. Leon não consegue relaxar e está sempre a tentar escrever em vez de simplesmente viver o que precisa de escrever, ao contrário de Felix, que encontra na vida o seu trabalho. Petzold fala claramente sobre o que sabe. O medo, a devastadora falta de confiança, a alienação e o antagonismo que dele nasce. Recheando as idiossincrasias sedutoras do cinema europeu (há sem dúvida um resquício Rohmeriano no envolvimento das suas texturas e cores) com a fluidez do cinema comercial americano, Roter Himmel segue a tradição literária Petzoldiana, mergulhando em referências a Uwe Johnson e Heinrich Heine, com um poema sobre um escravo a apaixonar-se por uma princesa a servir como a cola que irá unir estes aconteceres todos: “(…) e a minha tribo são os Asra / aqueles que morrem, quando amam (…)”. Através do repetir destas palavras, um comentário é escrito, sempre leviano mas ainda assim com o dedo na ferida da poesia. Roter Himmel não é só sobre as ansiedades do trabalho criativo ou sobre estar preso pela incontrolável força da natureza, é também sobre a representação do amor extraída do desastre que nenhum deles, aquelas quatro hábeis pessoas, consegue parar.

Sob o céu vermelho, ou assim nos diz o título alemão, o que permaneceu claro para mim é que este é um filme que traduz mais a lua vermelha, o eclipse lunar quando o planeta Terra se posiciona exactamente entre a lua e o sol. Depois da entrada naquele mundo isolado, do encontro entre estranhos, do desastre natural que pensaram que nunca até eles chegaria, assiste-se a um alinhar dos amantes que não sabem que o são, das pessoas solares que não conseguimos desvendar, mas mais do que isso até das desculpas que temos, enquanto humanos, de pedir aos elementos. Entre a floresta que arde e o mar que brilha, os símbolos nesta tragicomédia contam uma história sobre o potencial revolucionário que existe dentro de nós sempre, especialmente depois da perda inesperada, para salvar a nossa casa. Não há nenhuma fraqueza aqui, a nenhum nível, e quem associar o doce movimento narrativo e exacto do filme a um arredar pé do fantásmico, não o encontrou. Roter Himmel suspira, como toda a filmografia do cineasta, pelo outro mundo, pela sedução eterna entre o que se apresenta físico e o que se revela espectral. Tudo está ali. Só temos que o saber, finalmente. Quando Leon consegue libertar-se de si mesmo, vence a capacidade de ver. De a ver. E Petzold oferece-lhes, mais uma vez, um segundo início.