Há pouco mais de um ano escrevia aqui acerca de The Power of the Dog (O Poder do Cão, 2021) e da intenção de Jane Campion de desconstruir, no caso do western, uma ideia de masculinidade, apoiada numa sela e numa flor (de papel). Talvez não seja por acaso que, na segunda longa metragem do belga Lukas Dhont [que o ano passado venceu, ex aequo com Stars at Noon (Stars at Noon – Paixão Misteriosa, 2022) de Claire Denis, o Grande Prémio do Festival de Cannes] as flores também seja omnipresentes numa lógica que pretende desassociar a masculinidade de uma virilidade bruta. Ou, nas palavras do próprio realizador, a ideia de que a “fragilidade é uma fraqueza em vez de uma força”. Mais do que índice de esteticismo visual, as flores ajudam a significar essa ligação ao que é frágil, mas também belo na sua efemeridade.

A inspiração para Close (2022) parte de um estudo sociológico que acompanhou durante vários anos uma série de jovens pré-adolescentes e a forma como os rapazes, à medida que se aproximavam da maioridade, passavam a descrever com mais contenção e cautela as suas amizades masculinas. Lukas Dhont procurou então filmar esse momento, muito rápido, entre a infância e a puberdade, de dois jovens rapazes e a sua ligação próxima. Após a escolha dos dois jovens, Leon (Eden Dambrine) e Remi (Gustav De Waele), ambos sem qualquer experiência no cinema, seguiu-se um período de “criação” de uma proximidade. Entre eles e com a equipa, e também com a histórias e as suas personagens.
Lukas Dhont ainda não apagou dentro de si as impressões desse final de infância e é com esse olhar delicado e próximo que observa as suas personagens.
É interessante pensar que um argumento possa servir como superfície onde se vão refletir os seus homens-actores e os seus homens-personagem, como diria Visconti. Os eventos do drama não nos colocam particularmente num espaço de admiração ou de desolação. Creio que Dhont não procura tanto filmar a transformação física, quanto a transformação interior. E, consequentemente, a proximidade que a sua câmara conquistou – como podemos ver num cinema que segue o mundo e as pessoas nele, como o dos irmãos Dardenne, ou presente num filme como Tomboy (Maria-Rapaz, 2011), de Céline Sciamma – vai sintonizar-se com os rostos dos jovens, sobretudo o do seu protagonista, comprimido pela sociedade, mas também pela perda, e mostrar índices desse embate. É, portanto, menos um cinema de acção do que de reacção: como se fosse necessário esquematizar um pouco o problema – o filme é claro desse ponto de vista – para filmar as impressões subtis, o rosto como sismógrafo das emoções e das transformações.
E ficamos em mãos com um objecto bastante paradoxal: eloquente no seu posicionamento social mas misterioso quando o cinema pretende isolar os elementos decisivos para a transformação dos nossos comportamentos. Os rostos-paisagem dos dois amigos não são apenas veículos de emoção, mas põem a fervilhar um fora de campo, como um campo que sempre nos atravessa sem piedade e nos deixa sem saber o que fazer. Close fala desse desnorte. Fico com a sensação que Lukas Dhont ainda não apagou dentro de si as impressões desse final de infância e que é com esse olhar delicado e próximo que observa as suas personagens. Essa delicadeza também parte bastante das cores fortes da fotografia de Frank van den Eeden com um espaço telúrico, onde os rituais da brincadeira, do exercício, e da proximidade dos jovens amigos ganham um contorno mágico. Ou, pelo menos, um instante que, apesar da sua fugacidade, se crava na memória de quem vê o filme.
★★★☆☆