Voltar a ver Harrison Ford como Indiana Jones é agridoce. Por um lado, continua presente a qualidade extremamente carismática neste actor, repleto de papéis icónicos, neste regresso a uma das personagens que mais marcou o cinema americano das últimas décadas. Por outro lado, é necessário perguntar o que tem mais este tomo a oferecer, depois de dois filmes que eram, em si, o fechar de um capítulo. Tanto Indiana Jones and the Last Crusade (Indiana Jones e a Grande Cruzada, 1989), como Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull (Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, 2008), de Steven Spielberg eram formas de fechar um ciclo. Last Crusade com a reconciliação de pai e filho que cavalgam na direcção do pôr do sol no final; com Crystal Skull uma tentativa de imaginar uma passagem de testemunho para Mutt (Shia), o filho de Indiana Jones. O que tem agora James Mangold, que assume as rédeas deste franchise, a dizer sobre Indy?

Em Indiana Jones and the Dial of Destiny (Indiana Jones e o Marcador do Destino, 2023) o que ainda há a explorar é uma meditação sobre o envelhecimento. É curioso pensar como em Crystal Skull se parecia obedecer a uma tendência geral em filmes de acção para o passar-da-tocha de sagas com estrelas de cinema para quem se considerava ser o potencial substituto. Se pensarmos na carreira de Jeremy Renner, ele tem sido um potencial substituto de Tom Cruise (nos filmes de Missão Impossível) e de Matt Damon (nos filmes de Jason Bourne). Contudo, nunca correu bem. Jason Bourne é o ponto fulcral da sua saga, tal como o Ethan Hunt de Cruise na dele. E seria difícil, para não dizer impossível, que Shia conseguisse alguma vez acartar a tocha de Harrison Ford. Então, tal como Ethan Hunt continua a fazer manobras perigosas nos seus filmes enquanto Tom Cruise vai envelhecendo, também Indiana Jones continua alicerçado por Ford, que consegue acompanhar a acção — excepto nos momentos mais digitalizados, como a sequência de abertura do filme (mas já lá vamos) — e consegue oferecer dois ou três momentos de genuína e sentida emoção, indo além da sagacidade mordaz que conhecemos na personagem.
Mas, como escrevia, Dial of Destiny é sobre envelhecer. Depois de uma sequência inicial em que remontamos a um período em que Indiana Jones lutava contra nazis (nunca deixa de funcionar, sejamos honestos) e em que a cara de Harrison Ford está totalmente, mas não totalmente convincentemente, digitalizada para se parecer consigo próprio nos anos 1980. Estamos nos últimos dias da Segunda Grande Guerra e os nazis têm em seu poder uma série de artefactos que interessam a Indiana Jones e ao seu parceiro Basil Shaw, como a Anticítera, um mecanismo construído por Arquimedes que aqui ganha, é claro, qualidades sobrenaturais. Contra Indy e Basil está o Jürgen Voller de Mads Mikkelsen, também digitalmente rejuvenescido, com planos obviamente sinistros para esta preciosidade histórica do matemático grego. Os heróis anglosaxónicos salvam-se (mais o artefacto) e, de repente, estamos em 1969 e o Homem está a chegar à Lua. O que significa que o Futuro (exploração lunar e celeste) e o Presente (marchas contra a guerra do Vietnam) interessam muito mais aos jovens alunos de Indiana Jones, que entretanto se divorciou de Marion (os detalhes descobrem-se mais tarde). Longe estão os dias em que as alunas escreviam “I love you” nas pálpebras dos seus olhos para que ele visse. O Passado histórico não está como foco das prioridades do momento.
A ajudar ao sentimento de ennui está a reforma de Indiana Jones, que se despede do seu emprego como quem se despede de um carteiro que o está a incomodar. Nada de muito entusiasmante sucede até que chega Helena Shaw, uma lufada de ar fresco protagonizada por Phoebe Waller-Bridge (mais conhecida pela sua excelente série Fleabag). Assim, reúnem-se todos em Nova Iorque: uma Helena Shaw (filha do Basil Shaw do flashback à Segunda Guerra e afilhada do nosso herói) a tentar descobrir a Anticítera, um Voller com a mesma missão (agora a trabalhar para o governo americano, implicitamente sobre a alçada da operação Paperclip, que empregava cientistas alemães no rescaldo da guerra) e o próprio Indiana Jones, que se revela o guardião actual da Anticítera. Helena e Indy acabam relutantemente ma non troppo a trabalhar juntos e a relação dos dois é o ponto alto do filme. Helena é tão irreverente como o Indiana de antigamente e o rapport entre os dois (afilhada irreverente, padrinho resmungão) é a faísca do filme e de onde resultam os melhores momentos cómicos e emocionais. Helena, por ser o catalisador que puxa Indiana de volta à actividade, é também quem lhe mostra tudo o que ainda há para para viver. A banda sonora, nesse aspecto, traz alguma energia cinética, dado que o tema tão conhecido vai ganhando fôlego (e acordes) à medida que o protagonista vai recuperando o verve que lhe conhecemos.

O green screen é, depois da primeira sequência, usado com mais parcimónia, há tempo e espaço para um pequeno encontro com Antonio Banderas e, no cômputo final das coisas, é um filme divertido de ver. Não é a saga no seu melhor — e, por muito que se considere Logan (2017) um bom filme, Mangold não é nenhum Spielberg, e a sua câmara muito menos prodigiosa e brincalhona—, mas é uma terceira tentativa de arrumar a personagem que a deixa num bom ponto. Esquecendo uma das escolhas mais estranhas que poderia imaginar no finalzinho do clímax, é um bom adeus a Indiana Jones. E a melhor parte é que não temos o momento piscar-de-olho em que alguém tenta experimentar como serviria o chapéu dele. O chapéu de Indiana Jones apenas pertence a Harrison Ford. Mas se chegarmos a seguir Helena Shaw em mais aventuras (algo que faria de bom grado), ela mostra-nos que tem o seu próprio modelo. Não é o passar-da-tocha. E esse gesto é o certo.
★★★☆☆