Os primeiros 20 minutos de To Live and Die in L.A. (Viver E Morrer em Los Angeles, 1985) são de uma economia e eloquência assinaláveis. Grande filme de Friedkin dos oitentas, década menos exuberante depois dos explosivos anos 1970 com The French Connection (Os Incorruptíveis Contra a Droga, 1971), The Exorcist (O Exorcista, 1973) e Sorcerer (O Comboio do Medo, 1977) e mesmo Cruising (A Caça, 1980).
Na primeira sequência, a dupla de agentes secretos Richard Chance (William Peterson) e Jimmy Hart (Michael Greene) evita um atentado ao presidente Reagan, com este último quase a cair de um prédio. Na sequência dos créditos iniciais, com o crescendo contagiante da música sintetizada dos Wang Chung, o vermelho do sol e do sangue dos subúrbios de L.A. opõe-se ao verde claro do dinheiro que em breve será trocado. O lettering brinca com essa oposição, uma espécie de nascer e morrer do título que marca o ritmo diário.
Na terceira sequência, não é Hart que quase cai, mas sim Chance que chega mesmo a saltar de uma ponte, vencendo uma aposta. Os saltos voluntários e involuntários confundem-se numa questão de minutos. Na quarta cena, uma das melhores do filme, somos introduzidos à refinada e lunática subtileza de Willem Defoe como Eric Masters, artista-falsificador de dinheiro. Mais uma vez, a montagem caminha do ritmo lento e dos gestos precisos – da fabricação do modelo das notas, da remoção de imperfeições, da manipulação das folhas de metal – ao ritmo marcado da percussão da banda sonora e do movimento circular das máquinas de impressão, ao girar dos tornos e o lavar das notas. Esta sequência da falsificação como arte impressiona sobretudo pelo seu detalhe realista, mas também porque nos introduz precisamente ao tema do filme: a relação original/cópia.
Friedkin não gosta de ensaiar. Por isso, temos momentos de luta sem grande coreografia ou evidentemente improvisados que criam esta espécie de paradoxo no qual se produz uma falsificação genuína da realidade.
A precisão artística do crime ajuda a revelar uma das intenções de Friedkin para To Live and Die in L.A.: mostrar-nos como as fronteiras entre polícias e criminosos são muitas vezes indistintas, onde os procedimentos são falsificações de uma ideia de pureza. A personagem de William Peterson tudo fará para vingar a morte do seu parceiro (é a sua “queda” real, prenunciada nos minutos iniciais e concretizada na sequência que fecha os referidos 20 minutos de abertura), incluindo roubar, matar e coagir informadores. Ao mesmo tempo, Defoe parece ser muito mais sereno, contido, seguindo uma conduta e ética de actuação. De alguma maneira, podemos puxar por esta ideia e dizer que To Live and Die in L.A. é uma espécie de “falsificação/simulacro” pop de The French Connection. Agora, a crueza da violência parece ter dado lugar ao artificialismo do pós-moderno, do qual as referidas cores da incrível fotografia de Robby Müller são a expressão mais evidente. Mas, ao mesmo tempo, Friedkin não gosta de ensaiar. E, por isso, temos momentos de luta sem grande coreografia ou evidentemente improvisados (a cena em que Peterson abre uma mala à pancada contra uma parede por exemplo) que criam esta espécie de paradoxo no qual se produz uma falsificação genuína da realidade.
As sequências de perseguição, uma das marcas de Friedkin, mostram bem essa dualidade. Consta que o realizador terá dito ao coordenador de stunts que pensasse uma sequência de perseguição de carro, mas que se esta não fosse melhor do que havia feito de The French Connection, não a iria incluir no filme. A referida sequência que demorou semanas a filmar, com o fecho de estradas e 900 carros envolvidos, dura oito minutos do filme e é um dos momentos mais portentosos de montagem e precisão do cinema do norte-americano. Na expressão dos actores, especialmente na de John Pankow no banco de trás, está espelhada essa sensação de vertigem e pânico, que só andar em contramão na auto-estrada a grande velocidade pode causar.
Volto à questão da queda. Quando o parceiro de Chance é morto (cai), tudo parece anunciar que o protagonista, possuído (sem exorcismo) por uma ideia de vingança, irá também ele cair (transformando a queda lúdica em queda irreversível) mais tarde ou mais cedo. Este é um filme sobre um ciclo de destruição, de vida e morte como sabemos do título e do livro que lhe dá origem (escrita por um polícia dos serviços secretos). A decisão, que não estava no argumento, de matar o protagonista nos últimos minutos do filme, concretiza esse ciclo, passando o testemunho de vigilância, crime e predação ao colega. É ainda o problema da tensão entre o documental e o artificial, entre o genuíno e a cópia. Num mundo pulp, colorido, explodido, parece que apenas as emoções viscerais – a dor, a vingança, a atração física – são genuínas, pelo que as relações de poder são contrafeitas, não têm profundidade emocional. Talvez por isso nos seja tão fácil aceitar que a personagem de William Peterson morra e seja substituída pela presença intercambiável, quase inócua, de um observador ético e assustado como é a figura composta por Pankow. Isso e porque, indiscutivelmente, é do lado da cópia e do crime que tudo parece, afinal, ser mais verdadeiro. Falo não apenas no talento da Dafoe, mas também de John Turturro e mesmo de Dean Stockwell.