Há filmes que caminham da obscuridade para a clareza, mas que ainda assim não se tornam mais límpidos. Os primeiros minutos da longa metragem de estreia da realizadora e argumentista A.V. Rockwell, A Thousand and One (2023) trazem os sons, o bulício e a desorientação dos anos 1990 em Nova Iorque. Inez (Teyana Taylor), 22 anos, cabeleireira, saiu da cadeia e tem de arranjar trabalho, reposicionar-se. Através de uma sequência de cenas muito breves, câmara instável, rostos e corpos versus a ausência de profundidade de campo, compreendemos pois o eixo narrativo. Inez leva o filho de um hospital onde após tratamento deveria ser entregue a uma mãe adotiva, fugindo com ele para Harlem.
O jovem Terry (Aaron Kingsley Adetola), seis anos de idade, pouco falará, olhos grandes, observando tudo, sempre com receio que a mãe desapareça novamente do seu rasto. Neste momento, sabe-se que será um filme sobre amor, dificuldade, resiliência, basta ver o olhar de Tayana que vai endurecendo de cena para cena, o rosto minguando. Demasiado tough: pela situação concreta, mas não só.
Uma mulher negra e o seu filho, numa sociedade desigual e progressivamente gentrificada, não podia ser fácil. Há qualquer coisa neste espaço comunitário – a ajuda, a força da sobrevivência, que nos faz lembrar o Brooklin do Spike Lee, sobretudo em Do the Right Thing (Não Dês Bronca, 1989). Mas também aqueles momentos de rua, ainda antes do filme estabilizar em torno de um lar e de um casamento, onde a energia podia ser a dos irmãos Safdie.
A Thousand and One, vencedor do Grande Prémio do Júri no Festival de Sundance de 2023, é um filme que procura uma verdade na sua intensidade, no contacto das suas personagens com as dificuldades de sobrevivência.
Embora se mantenha essencialmente um filme de set pieces de representação, estas tornam-se mais evidentes quando estamos no espaço da casa. Curiosamente, essa energia social, documental, dá, aos poucos, lugar à estabilização do drama, sendo que a destruição progressiva da casa/lar revela nova transfiguração para um tom mais abertamente melodramático. Essas alterações são acompanhadas de duas mudanças de ator, à medida que a personagem de Terry cresce. Aven Courtney guiar-nos-á para 2001 e os seus anos de escola, terminando depois já em 2005, com 17 anos, com a soberba prestação de Josiah Cross. Se é verdade que Teyana Taylor e a sua personagem são o epicentro do filme, o tesouro escondido está na representação de Cross. O desfecho surpreendente é desenhado no seu rosto: a emoção contida, a hesitação nas palavras, o olhar baixo, o tom de voz quase no falsete.
A Thousand and One, vencedor do Grande Prémio do Júri no Festival de Sundance de 2023, é um filme que procura uma verdade na sua intensidade, no contacto das suas personagens com as dificuldades de sobrevivência. Nem sempre as cenas sobrevivem a um certo utilitarismo, ou mesmo a algum artificialismo. Mas é certo que caminha para nos dar o amor verdadeiro entre mãe/filho e o desamparo pelo caminho das escolhas feitas. E Josiah Cross, sendo a imagem final desse desamparo, não só confirma a ótima primeira obra de Rockwell, como deixa antever um futuro brilhante para este jovem de 23 anos. Veremos se assim é.
★★★☆☆