1 – Aftersun (2022) de Charlotte Wells – 84 pts.
2 – Roter Himmel (Céu em Chamas, 2023) de Christian Petzold – 67 pts.
3 – Pacifiction (2022) de Albert Serra – 52 pts
4 – Tár (2022) de Todd Field – 49 pts.
5 – So-seol-ga-ui yeong-hwa (A Romancista e o Seu Filme, 2022) de Hong Sang-soo – 49 pts.
6 – Maestro (2023) de Bradley Cooper – 46 pts.
7 – Retratos Fantasmas (2023) de Kleber Mendonça Filho – 42 pts.
8 – Perfect Days (Dias Perfeitos, 2023) de Wim Wenders – 42 pts.
9 – Saint Omer (2022) de Alice Diop – 41 pts.
10 – Cerrar los Ojos (Fechar os Olhos, 2023) de Víctor Erice – 38 pts.
O nosso top 2023 não deixa margem para qualquer dúvida: Aftersun, obra de estreia da escocesa Charlotte Wells, é o filme do ano. Uma diferença de 17 pontos separa a produção independente anglo-americana da mais recente obra do alemão Christian Petzold, Roter Himmel, cineasta distinguido com o topo do pódio na lista de 2021, graças ao seu imediatamente anterior Undine (2020). Abaixo, outro habitué cá do burgo: o espanhol Albert Serra, com o seu filme de espionagem kitsch e decay, Pacifiction, uma co-produção portuguesa. Curioso que logo abaixo de uma obra de estreia tão poderosa como Aftersun (nunca um estreante havia merecido semelhante distinção) surjam dois nomes consolidados no cânone walshiano. Também é curioso que Wells, somente a segunda realizadora a obter o prémio máximo nos nossos balanços do ano, três anos após a francesa Céline Sciamma ter chegado ao lugar cimeiro com Portrait de la jeune fille en feu (Retrato de Uma Rapariga em Chamas, 2019), seja apenas um dos três nomes anglófonos aqui contemplados. E será que podemos apelidar de veteranos realizadores como Todd Field (desempatado com Hong, seguindo a média das notas e o número de primeiros lugares nas listas individuais, método aplicado também aos 7.º e 8.º lugares) ou, ainda menos, Bradley Cooper? Talvez as escolhas americanas ou anglófonas apontem para se não uma nova geração, pelo menos para propostas diferentes, outros olhares ou poéticas. É que este não foi propriamente um ano parco em grandes regressos de cineastas anglófonos, de Christopher Nolan a Martin Scorsese, passando por Paul Schrader, David Fincher, Wes Anderson e Steven Spielberg [incluímos, excepcionalmente, vindo do final do ano passado, o seu filme autobiográfico The Fabelmans (2022), que, todavia, não passou de duas referências em tops individuais].
No entanto, se há nome incontornável na história do nosso website, esse pertence ao sul-coreano Hong Sang-soo, o único realizador da história do À pala de Walsh a ser agraciado por três vezes (!) com a distinção de filme do ano: Dangsin-eolgul-apeseo (Perante o Teu Rosto, 2021), em 2022, Ji-geum-eun-mat-go-geu-ddae-neun-teul-li-da (Sítio Certo, História Errada, 2015), em 2016, e Da-reun na-ra-e-suh (Noutro País, 2012), em 2012. Está por chegar um ano em que, lançando obras novas, estreadas comercialmente em Portugal, Hong não seja enaltecido por estes cantos. So-seol-ga-ui yeong-hwa (A Romancista e o Seu Filme, 2022) colheu as preferências por relação a Tab (Lá em Cima, 2022), ainda que este último tenha obtido uns assinaláveis 2.º e 4.º lugares nas listas individuais. Kleber Mendonça Filho, também habitualmente consagrado pelos walshianos, desta feita, agraciado por força do único documentário presente no top deste ano, Retratos Fantasmas (2023), abre espaço para uma novidade entre dois veteraníssimos realizadores: o drama de tribunal Saint Omer (2022) de Alice Diop, segunda realizadora no top, aparece no 9.º lugar ensandwichado por um regresso retumbante de Wim Wenders, com o candidato japonês ao Óscar, Perfect Days (Dias Perfeitos, 2023), e pelo regresso do espanhol Víctor Erice às longas-metragens, 31 anos depois da sua obra-prima El sol del membrillo (O Sol do Marmeleiro, 1992).
Note-se como o cinema, uma certa maneira de o vivenciar e recordar, é tema na pessoalíssima obra do brasileiro e na ficção intimista do espanhol (ou a possibilidade de renovação e encontro em Hong). E como um mundo repleto de objectos e suportes físicos tornam tudo “perfeito”, pelo menos na aparência, para o protagonista do filme de Wenders, interpretado magistralmente por Kôji Yakusho. Também poderemos contar a história deste ano, repleto de bom cinema, através da presença marcante de certos actores e actrizes? De Kôji Yakusho a Paul Mescal (Aftersun), passando pela “romancista” Lee Hye-yeong (A Romancista e o Seu Filme) ou personagens históricas sentidas com um realismo retumbante, graças a interpretações como as de Carey Mulligan e de Bradley Cooper (Maestro) em diálogo com a personagem e a odisseia no mundo da música de orquestra de Cate Blanchett (Tár) ou ainda pela deambulação de Benoît Magimel (Pacifiction) num labirinto exótico e escorregadio situado algures no Taiti…
Ainda mais dois aspectos a reter do ano: em matéria de cinema nacional, sublinhe-se o 16.º lugar atribuído a João Pedro Rodrigues e a Guerra da Mata, por causa de Onde Fica Esta Rua? Ou sem Antes nem Depois (2022), o filme português do ano para os walshianos, e ainda a vitória de Christopher Nolan [18.º lugar para Oppenheimer (2023)] sobre Greta Gerwig [45.º lugar para Barbie (2023)] num ano marcado pelo fenómeno “Barbenheimer”.
Beatriz Fernandes
1 – Aftersun, Charlotte Wells
2 – Perfect Days, Wim Wenders
3 – Close (2022), Lukas Dhont
4 – The Fabelmans, Steven Spielberg
5 – A Romancista e o seu Filme, Hong Sang-soo
6 – EO (2022), Jerzy Skolimowski
7 – Céu em Chamas, Christian Petzold
8 – Khers nist (Ursos Não Há, 2022), Jafar Panahi
9 – Il sol dell’avvenire (O Sol do Futuro, 2023), Nanni Moretti
10 – Mal Viver (2023), João Canijo
Confesso que o exercício de quantificação – refiro-me, numa primeira fase, à atribuição de estrelas e, posteriormente, à composição de listas de melhores do ano – me causa uma certa inquietação. Começando, parece-me, pelo seu carácter leviano e redutor, passando pela subjetividade na definição de critérios, pelo consequente fenómeno da inclusão/exclusão de tantos outros filmes que poderiam (ou não) estar presentes, e acabando, sobretudo, na insistente medição do valor artístico das obras mediante a sua ilusória avaliação. De qualquer modo, compreendendo a sua funcionalidade e propósito de norteamento e organização, aqui deixo o conjunto de 10 filmes que marcaram o meu 2023. O belíssimo Aftersun encabeça esta lista: embora não seja simples verbalizar sobre a sua singularidade e delicadeza, senti-lo é. Um poema. Recordo-me – e, tão cedo, não esquecerei – da forma como a melancolia, a memória, a leveza (mas, simultaneamente, o peso) da primeira longa-metragem de Charlotte Wells “anestesiaram” a sala do Cinema Medeia Nimas, em 2 de Fevereiro. O silêncio que se foi instalando na cena final, ecoando “One Without”, de Oliver Coates, acompanhou-me, profundamente, na viagem até casa. E nos dias, semanas e meses posteriores. Até hoje. Futuramente.
Bernardo Vaz de Castro
1 – Aftersun, Charlotte Wells
2 – Tab (Lá em Cima, 2022), Hong Sang-soo
3 – L’Été dernier (No Verão Passado, 2023), Catherine Breillat
4 – Maestro, Bradley Cooper
5 – R.M.N. (2022), Cristian Mungiu
6 – Il sol dell’avvenire, Nanni Moretti
7 – Orlando, ma biographie politique (Orlando – A Minha Biografia Política, 2023), Paul B. Preciado
8 – Ursos Não Há, Jafar Panahi
9 – Master Gardener (O Mestre Jardineiro, 2022), Paul Schrader
10 – Céu em Chamas, Christian Petzold
Apesar de distar tão pouco tempo do tempo do vírus, das salas de cinema encerradas ou a meio gás, da fraca produção e distribuição, da maré nauseante de remakes e de filmes de super-heróis, 2023 parece fazer tudo isso distante. Sinto que voltei finalmente a ir ao cinema comercial com a regularidade com que sempre fui e se mais lugares houvesse neste top, mais filmes certamente incluiria. Até porque, apesar de ausentes, não seria justo esquecer o belo filme Onde Fica Esta Rua? Ou sem Antes nem Depois (2022), João Pedro Rodrigues e do João Rui Guerra da Mata, o inteligente Retratos Fantasma (2023) do Kléber Mendonça Filho e os justíssimos filmes, Saint Omer (2022) da Alice Diop, La Nuit du 12 (2022) do Dominik Moll e o Le Consentement (2023) da Vanessa Filho.
No entanto, esta selecção de dez filmes deixa-me francamente feliz, porque todos eles me marcaram de forma muito particular. E destacaria sobretudo um elemento que muitos deles parecem ter em comum, o regresso a um certo espírito combativo, do cinema enquanto máquina de sonho político, filmes capazes de projectar uma comunidade por vir, sujeitos prontos a agir, a tomar as rédeas do mundo, sem cederem ao misantropismo, à catástrofe, ao mundo que para lá do ecrã parece cada vez mais insustentável. Moretti, Preciado ou Panahi são cineasta de combate, tal como o mais recente e implacável Radu Jude (estreado no LEFFEST), ou ainda o menos inspirado Loach; nenhum deles parece querer desistir, apesar de todas as adversidades, de todos os projectos gorados, de reconhecerem surdamente que o cinema há muito que perdeu esse poder mobilizador, mas ainda assim é importante fazê-lo, despertar consciência, chegar ao outro, trazer à visibilidade os corpos não-reconhecidos. E claro, uma última nota sobre as minhas três primeiras escolhas – trarei comigo, durante muito tempo, os minutos finais do Aftersun, onde percebemos que o pai já morto, dança algures no lugar que a filha criou para o poder (re)encontrar; a certeza de que anualmente, há sempre um Hong Sang-soo que nunca desilude, o plano onde a sombra do Bernstein, enquanto dirige a orquestra, se projecta sobre a Felicia e por fim, o regresso daquela que eu considero ser uma das maiores cineastas contemporâneas (e muito injustamente esquecida) e que depois de tanto tempo e de um último filme (e único) detestável, eis que Breillat volta em pleno, aos seus temas, sem tabus, sem moralismos, sem afectações e com a justiça, a crueza e a integridade que caracteriza o seu cinema.
Carlos Alberto Carrilho
1 – Onde Fica esta Rua ou Sem Antes Nem Depois (2022), João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
2 – Pacifiction, Albert Serra
3– Thanksgiving (Feriado Sangrento, 2023), Eli Roth
4 – Saint Omer, Alice Diop
5 – Rimini (2022), Ulrich Seidl
6 – Talk to Me (Fala Comigo, 2022), Danny e Michael Philippou
7 – The Boogeyman (2023), Rob Savage
8 – Tár, Todd Field
9 – Beau Is Afraid (Beau Tem Medo, 2023), Ari Aster
10 – Cobweb (2023), Samuel Bodin
Outras escolhas, sem ordem de preferência: Infinity Pool (2023) de Brandon Cronenberg, Skinamarink (2022) de Kyle Edward Ball, Nu astepta prea mult de la sfârsitul lumii (Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo, 2023) de Radu Jude, Anatomie d’une chute (Anatomia de Uma Queda, 2023) de Justine Triet, Roter Himmel de Christian Petzold, Trenque Lauquen (2022) de Laura Citarella, Daughter (2022) de Corey Deshon, The Artifice Girl (2022) de Franklin Ritch, Terrifier 2 (2022) de Damien Leone, Clock (2023) de Alexis Jacknow, The Passenger (2023) de Carter Smith, El Conde (2023) de Pablo Larraín, The Killer (O Assassino, 2023) de David Fincher, Onna bakari no yoru (Mulheres da Noite, 1961) de Kinuyo Tanaka, The Curse (2023) de Nathan Fielder e Benny Safdie, The Fall of the House of Usher (2023) de Mike Flanagan, Severance (2022) de Dan Erickson, Succession (2018–2023) de Jesse Armstrong, Silo (2023) de Graham Yost, El Vampiro Negro (1953) de Román Viñoly Barreto (edição Flicker Alley, Blu-ray), Freaks (1932) de Tod Browning (edição Criterion, Blu-ray), Pasolini 101 ( edição Criterion, Blu-ray), Mexico Macabre: Four Sinister Tales from the Alameda Films Vault, 1959-1963 (edição Powerhouse Films, Blu-ray).
Carlos Natálio
1 – Aftersun, Charlotte Wells
2 – A Romancista e o Seu Filme, Hong Sang-soo
3 – EO, Jerzy Skolimowski
4 – Barbie (2023), Greta Gerwig
5 – Super Natural (2022), Jorge Jácome
6 – Ice Merchants (2022), João Gonzalez
7 – Close, Lukas Dhont
8 – Nação Valente (2022), Carlos Conceição
9 – Master Gardener, Paul Schrader
10 – The Killer, David Fincher
Um ano com muitos filmes ainda por ver, mas com a sensação que a cofre é inesgotável, um contraciclo com os anúncios sazonais do fim disto tudo. Uma ideia, olhando para esta lista de 10 propostas, é a do acelerador e do travão, um espanto pela audácia, um sorriso reconfortante pelo reconhecimento. Foi bom regressar a Schrader e a Fincher, em filmes “menores” que parecem membros experimentados de uma família, onde os mais novos param para escutar o seu discurso de Natal. Dois filmes que me encheram o coração pela sua simplicidade, as relações de parentesco e memórias, Aftersun e Ice Merchants. Dois bons filmes sobre os lugares de género, no qual o discurso não devora o filme, Barbie e Close. Ainda por cá, Carlos Conceição talvez seja o cineasta de cinema de género que precisamos e Jácome continua a abrir-nos o seu imaginário, como quem entra num sedutor e distante planeta. E não é que Skolimowski com os seus 85 anos poderia habitar com este EO esse mundo super natural? Mais um ano que passa e com o frio do Inverno, impossível não pensar no calor de Hong Sang-soo, o cineasta que circula entre a vida e o cinema.
Daniela Rôla
1 – Céu em Chamas, Christian Petzold
2 – Tár, Todd Field
3 – May December (Segredos de Um Escândalo, 2023), Todd Haynes
4 – Lá em Cima, Hong Sang-soo
5 – Jang-e jahani sevom (III Guerra Mundial, 2022), Houman Seyyedi
6 – As bestas (2022), Rodrigo Sorogoyen
7 – Retratos Fantasmas, Kleber Mendonça Filho
8 – Les Passagers de la nuit (Os Passageiros da Noite, 2022), Mikhaël Hers
9 – The Menu (O Menu, 2022), Mark Mylod
10 – Falcon Lake (2022), Charlotte Le Bon
Entre Todd e Todd, entre Tár e Tab, o meu favorito de 2023 acabou por chegar já perto do final do ano. Aparentemente, não foi um filme que reunisse consenso, mas acabou por também gerar pequenas paixões intensas. Há nele aquele misto de singelo e de misterioso que encontro igualmente em May December ou Passagers de la nuit, e que pode tornar um filme um pequeno tesouro muito nosso. Disclaimers vários: sentia-me disponível para amar filmes que não consegui ver em tempo útil, tais como Maestro ou Perfect Days, mas que foram vítimas de distribuições comerciais limitadas ou tardias, como é próprio da quadra natalícia. E por muito que quisesse ter amado Killers of the Flower Moon, Cerrar los Ojos ou Pacifiction, estes acabaram por revelar-se uma terrível desilusão. Embora The Fabelmans fosse elegível para este top, optei por não o considerar, porque já o arrumei no meu ano de 2022. Preferi que, com melhores ou piores resultados, esta fosse uma lista a cheirar a 2023. A lista deste ano foi surpreendentemente fácil de coligir, com excepção do filme a ocupar o último lugar. Pelo que deixo as menções honrosas que também poderiam estar nesse lugar: Extraña forma de vida (Estranha Forma de Vida, 2023) de Pedro Almodóvar, The Killer (David Fincher), L’été dernier (Catherine Breillat), So-seol-ga-ui yeong-hwa (Hong Sang-soo) e o filme de Hayao Miyazaki, Kimitachi wa dô ikiru ka (O Rapaz e a Garça, 2023), só por causa dos seus pormenores deliciosos, como aquela caganita de pássaro que, no meio de todo aquela fantasia mirabolante, atinge o protagonista para o macular de realidade.
Duarte Mata
1 – Aftersun, Charlotte Wells
2 – Taylor Swift: the Eras Tour (2023), Sam Wrench
3 – Spider-Man: Across the Spider-Verse (Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, 2023), Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson
4 – Il sol dell’avvenire, Nanni Moretti
5 – Perfect Days, Wim Wenders
6 – Babylon (2022), Damien Chazelle
7 – Tár, Todd Field
8 – Indiana Jones and the Dial of Destiny (Indiana Jones e o Marcador do Destino, 2023), James Mangold
9 – Céu em Chamas, Christian Petzold
10 – Barbie, Greta Gerwig
Costuma ser pelo menos um elemento de uma lista de três razões aquilo que me leva a estimar um filme: o estilo que acarreta, a emoção que me espoleta e a audiência que me acompanha. Quero, então, justificar individualmente (e desordenadamente) os meus 3 primeiros lugares atribuindo a cada um deles o componente dessa lista que melhor o representa.
1. Estilo: talvez a única coisa boa de um mercado cinematográfico sobressaturado em filmes de super-heróis distribuídos pela Disney seja o estímulo à diferenciação na concorrência. Se estúdios de relativa menor dimensão querem ter sucesso a enfrentar a infindável criatura, são forçados a puxar pela criatividade, pelo risco e pela experimentação. Como tal, Logan (2017) (FOX) foi beber a sua inspiração aos westerns cansados de Clint Eastwood, Joker (2019) (Warner Bros. / DC) ao cinema desconfortável da Nova Hollywood e Spider-Man: Into the Spider-Verse (Homem-Aranha: No Universo Aranha, 2018) (Sony) aos filmes psicadélicos dos anos 60 e 70. A sequela deste último continua a elevar as potencialidades do cinema de animação para patamares estilisticamente anárquicos e arrojados, misturando correntes pictóricas tão diferentes como impressionismo, arte de rua ou “pop art”, e fazendo uso de dispositivos cinematográficos tão diversificados como “split screens”, “jump cuts” ou inversões de eixo. Para os cinéfilos, digo: isto é grande cinema. Para os eleitores do Bloco de Esquerda, informo: esta é a maneira mais saudável, barata e segura de ter uma “trip” psicadélica.
2. Emoção: foi-me recomendado fortemente pelo amigo Carlos Natálio e, por isso, fortemente lhe agradeço. Ver Aftersun foi o equivalente a assistir à construção de um delicado palácio de cristal que, nos últimos 5 minutos, se desfaz em milhares de milhões de estilhaços por uma ingente bola demolidora. E se não me estendo mais para discuti-lo é porque ainda estou a aprender como fazê-lo.
3. Audiência: depois do meu filme do ano, a melhor experiência num cinema que tive este ano: o grandioso filme-concerto de Taylor Swift. Quem o viu em sala composta não mais se irá esquecer dos cantos em uníssono, dos braços em movimentos ondulantes, das palmas entusiasmadas que acompanhavam a saída de cada canção e dos gritos vivazes que acolhiam a próxima, tanto dentro como fora do ecrã. Em 2023, não tive maior prova de como o cinema é uma “celebração”, “experiência colectiva” e “máquina de ilusões” do que este megalómano espectáculo broadwayesco interpretado pela “Personalidade do Ano” (Time Magazine). Paul Schrader tinha razão.
Francisco Noronha
1 – III Guerra Mundial, Houman Seyyedi
2 – The Fabelmans, Steven Spielberg
3 – Mishehu Yohav Mishehu (Alguém Vai Amar Alguém, 2021), Hadas Ben Aroya
4 – Killers of the Flower Moon, Martin Scorsese
5 – May December, Todd Haynes
6 – Tár, Todd Field
7 – Maestro, Bradley Cooper
8 – The Whale (A Baleia, 2022), Darren Aronofsky
9 – Babylon, Damien Chazelle
10 – Falcon Lake, Charlotte Le Bon
Menções honrosas (sem ordem): Mascarade (2022) de Nicolas Bedos, Retratos Fantasmas (Kleber Mendonça Filho), No Verão Passado (Catherine Breillat), Consentimento (Vanessa Filho), Ice Merchants (João Gonzalez), Great Yarmouth: Provisional Figures (2022) de Marco Martins, Jeanne du Barry (Jeanne du Barry – A Favorita do Rei, 2023) de Maïwenn.
Decepções (todos os que amamos nos dão alguma em determinado momento): Víctor Erice, Wenders, Woody Allen, Moretti (este último mesmo confrangedor a espaços).
O melhor filme de 2023 ainda não foi feito: chama-se A actriz Marine Vacth no filme Mascarade e encontra-se dependente de financiamento à produção. Assim sendo, e tal como no ano anterior, a nossa primeira escolha vem do Irão. Um filme, pelo que nos temos vindo a aperceber, pouco ou nada visto por cá (embora tenha merecido honras de capa no Público). Sintetizando: trata-se, a alguma distância, do melhor dos filmes iranianos desta nova geração de cineastas que a distribuição portuguesa tem sabido acolher nos últimos anos. Um portento operático, um documento complexíssimo, com a particularidade de se distanciar de alguns dos lugares habituais (quando não comuns) associados à tradição iraniana. Não que precisasse, mas, visto à luz da guerra actual entre o Estado israelita e o Hamas (na qual o Estado iraniano, esse que já negou o Holocausto, sempre intervém de forma mais ou menos subterrânea), as reverberações de um iraniano, muçulmano, na pele de Hitler em plena Endlösung der Judenfrage são ainda mais fascinantes. Tendo estreado em data posterior ao fecho das urnas em 2022, Os Fabelmans recupera agora o seu merecido lugar. A fechar o pódio, um filme… israelita, por sinal também muito pouco visto entre nós. Alguém Vai Amar Alguém é o golpe de asa de uma ainda jovem cineasta (que no filme anterior ensaiava um encontro sexual entre uma mulher israelita, interpretada por ela própria, e um rapaz palestiniano) interessada em sondar as profundidades do amor e do sexo, seguindo, nestes neo-puritanos dias, uma única regra: a curiosidade. Chapeau! Num ano fraquíssimo para o cinema de terror, o melhor horror movie (a música de Marcelo Zarvos…) – ou, mais rigorosamente, home invasion movie – é de Todd Haynes (e a ele e às suas actrizes pertencem a verdadeira cabeça de Jano do ano, mesmo se não filmando uma estátua de duas faces como no canhestro esboço de Víctor Erice…).
A latere:
1. Algum do melhor cinema que vimos este ano repousa numa série: Treme (2010-2013), mais uma brilhante criação de David Simon (apenas pecando por uma quarta e desnecessária temporada) para juntar a The Wire (2002-2008), The Deuce (207-2019), Show Me a Hero (2015) ou The Plot Against America (2020).
2. Um pequeno cadeau de Noël. Quem já esteve de alguma forma ligado à produção ou realização de um filme, sabe o quão complexa e desgastante é a etapa da mistura de som. Sidney Lumet resumiu-a assim: “Life has a cruel way of balancing pleasure with pain. To make up for the joy of seeing Sophia Loren every morning, God punhishes the director with the mix.” (in Making Movies, Vintage, 1995).
Inês N. Lourenço
1 – Maestro, Bradley Cooper
2 – Trenque Lauquen, Laura Citarella
3 – Céu em Chamas, Christian Petzold
4 – Perfect Days, Wim Wenders
5 – R.M.N., Cristian Mungiu
6 – Killers of the Flower Moon, Martin Scorsese
7 – Aftersun, Charlotte Wells
8 – Tár, Todd Field
9 – John Wick: Chapter 4 (John Wick: Capítulo 4, 2023), Chad Stahelski
10 – Il sol dell’avvenire, Nanni Moretti
A grande dúvida que se me impôs ao fazer esta lista era se entrava Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One (Missão: Impossível – Ajuste de Contas – Parte Um, 2023) ou John Wick: Chapter 4. Optei pelo último, talvez em virtude de um raciocínio frio: na sua série de filmes, o capítulo final de John Wick concentra e aumenta tudo o que de melhor se testemunhou ao longo do caminho, ao passo que o novo Mission: Impossible é uma peça “incompleta”, que ainda terá a sua continuação em 2025. Para mim, os dois estão ela por ela na arte da coreografia de ação, mesmo sendo objectos muito diferentes na sua postura espectacular. Mas, acima de tudo, há qualquer coisa de esperançoso que importa sublinhar num género que parece ter encontrado uma nova respiração musical de gestos. São obras de maestros, sim, que aliás aqui não faltam.
João Araújo
1 – Aftersun, Charlotte Wells
2 – Perfect Days, Wim Wenders
3 – Retour à Séoul (Regresso a Seul, 2022) de Davy Chou
4 – Saint Omer, Alice Diop
5 – Il sol dell’avvenire, Nanni Moretti
6 – Retratos Fantasmas, Kleber Mendonça Filho
7 – Tár, Todd Field
8 – Cerrar los Ojos, Víctor Erice
9 – Master Gardener, Paul Schrader
10 – EO, Jerzy Skolimowski
Menções honrosas: R.M.N. de Cristian Mungiu, As bestas de Rodrigo Sorogoyen, À plein temps (A Tempo Inteiro, 2021) de Eric Gravel, Khers nist de Jafar Panahi, Tori et Lokita (Tori e Lokita, 2022) de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, Mal Viver de João Canijo, El agua (A Água, 2022) de Elena López Riera, Tab de Hong Sang-soo, May December de Todd Haynes, Oppenheimer de Christopher Nolan, The Killer de David Fincher e The Old Oak (O Pub the Old Oak, 2023) de Ken Loach.
2023 pode ser visto como um ano de belos regressos da parte de nomes consagrados, que podem ser vistos nalguns casos quase como filmes de despedida, e particularmente reflexões sobre o (seu) próprio cinema, como os filmes de Nanni Moretti, Wim Wenders e Víctor Erice (e fica de fora Kaurismäki, com a estreia do seu novo filme adiada para 2024), tal como os filmes de Kleber Mendonça Filho e Hong Sang-soo, gestos pessoais especialmente comoventes na defesa da sala de cinema como espaço fundamental e de comunhão (e que também acontece com uma projecção no filme de Ken Loach). Mas 2023, pelo menos no calendário das estreias em Portugal (no qual deve também deve ser enaltecida a exibição em sala de filmes de Ozu, Kiarostami, os novos mestres japoneses desconhecidos e acima de tudo a magnífica filmografia de Kinuyo Tanaka), também deve ser recordado pela afirmação de novos nomes a acompanhar, como os casos de Charlotte Wells, Davy Chou e Alice Diop. Durante grande parte do ano, o filme de Wells (Aftersun estreou em Janeiro) parecia destacado como única hipótese para ocupar o lugar cimeiro do top (deixei aqui o meu elogio e razões), mas o filme de Wenders, uma pequena maravilha do minimalismo e do cinema como lugar de empatia, ainda veio colocar algumas dúvidas sobre essa honra, reafirmando um ano de cinema que deixa boas recordações, pequenos momentos de brilho no escuro, como aquelas que encantam o protagonista do filme de Wenders e que este persegue, ou as imagens-memórias que a filha em Aftersun procura prolongar no tempo.
João Lameira
1 – Les Passagers de la nuit, Mikhaël Hers
2 – A Romancista e o Seu Filme, Hong Sang-soo
3 – Cerrar los Ojos, Víctor Erice
4 – Asteroid City (2023), Wes Anderson
5 – Mission Impossible – Dead Reckoning Part One, Christopher McQuarrie
6 – A Morte de Uma Cidade (2022), João Rosas
7 – Air (2023), Ben Affleck
8 – Retratos Fantasmas, Kleber Mendonça Filho
9 – The Killer, David Fincher
10 – La Nuit de 12, Dominik Moll
É uma lista de dez filmes, poderia ser de menos. Por exemplo, tive de repescar A Morte de Uma Cidade, que vi no DocLisboa do ano passado e cuja curta passagem pelas salas em 2023 passou quase despercebida. Não é que o ano tenha sido necessariamente mau (aliás, não me parece que tenha sido), simplesmente vi poucas estreias comerciais — são imensas as que quis ver e que, por uma razão ou por outra, acabei por não ver. De assinalar que, se contassem os filmes japoneses distribuídos pela The Stone and the Plot, Kiri no oto (O Som do Nevoeiro, 1956) de Hiroshi Shilmizu e Tsuki wa Noborinu (A Lua Ascendeu, 1955) de Kinuyo Tanaka entrariam naturalmente na lista, e nos lugares cimeiros.
Luís Mendonça
1 – Tár, Todd Field
2 – Oppenheimer, Christopher Nolan
3 – Perfect Days, Wim Wenders
4 – The Killer, David Fincher
5 – Céu em Chamas, Christian Petzold
6 – A Romancista e o Seu Filme, Hong Sang-soo
7 – May December, Todd Haynes
8 – Killers of the Flower Moon, Martin Scorsese
9 – Cerrar los Ojos, Víctor Erice
10 – Knock at the Cabin (Batem à Porta, 2023), M. Night Shyamalan
Foi dos elencos mais difíceis de formar em matéria de “tops do ano” desde que há À pala de Walsh. Não digo que, dos postos 1 a 10, sejam tudo obras-primas (lamentavelmente não consegui assistir, a tempo deste exercício, a Maestro de Bradley Cooper, porventura aquele título com mais condições para poder ocupar esta categoria). Dizer que são só obras-primas seria colocar estes filmes num patamar onde eu não gostaria que eles estivessem (talvez nem mesmo Tár ou Oppenheimer), dado o mistério sinuoso e face às imperfeições que acabam por tornar pouco óbvios alguns dos seus melhores e mais poderosos segredos.
Será esta talvez uma selecção de filmes – feita a partir dos 50 e picos filmes elegíveis que consegui ver este ano – à qual regressarei com a mesma curiosidade – ou ainda maior – do que nos primeiros encontros (por exemplo, já estou desejoso de voltar aos novos do Petzold e do Haynes). Projectos de cinema com sentido lúdico e apresentando uma boa dose de perversidade, todos repletos de grandes ideias de cinema e, nalguns casos, uma ambição e arrojo muito dignos de nota. Limitando-me aos quatro primeiros (porque não tenho espaço para mais), apetece-me deitar sobre eles um certo olho de programador, vendo 2023 como um ano dominado por um fenómeno chamado “Tárenheimer”, dedicado a fazer-nos acompanhar e embrenhar-nos intensamente no percurso de uma só personagem, tornando-a palpável muito para lá das aparências – sentimos Tár, nesse falso filme biográfico de Todd Field, que sabe a odisseia sci-fi de horror tal como realizada por um Stanley Kubrick (estilo “Lydia ‘Lyndon’ Tár contra ‘os robôs'”), como sentimos Oppenheimer, isto é, enquanto personagens maiores do que a ficção, maiores do que a História, esse “animal” que as canibaliza. São filmes de uma magnitude rara, imperfeitos (o de Nolan é excelente mas demasiado longo, problema comum a outros “filmes do ano”, tal como o de Scorsese ou de Erice, ambos desiguais, mas com momentos ou “quadros gerais” fortíssimos), ainda que de uma ferocidade, densidade e concentração tremendas.
Por fim, a última parelha do ano, dois filmes despojados, mas sofisticadíssimos e depuradíssimos, que nos fazem acompanhar, colados à sua pele, um homem solitário, seguindo uma rotina de trabalho, consistindo esta em limpar casas de banho públicas (Wim Wenders) ou, com igual brio, remover alguém do mapa (David Fincher). Em ambos os filmes, a melomania é mais do que um mero hobby, já que a música pontua as suas vidas como um metrónomo ou um contraponto. A música, aliás, tem um papel notável este ano (e, repito, não vi ainda Maestro, que muito possivelmente estabelecerá um diálogo interessante com Tár), servindo de matéria-prima dramática de um envolvimento quase estrutural com a história, como se fosse, de facto, uma espécie de segunda pele para as personagens – no caso de Nolan, há uma banda sonora ininterrupta que “cose” um mundo em desintegração, tão interior quanto exterior, colmatando-lhe as várias brechas “transhistóricas”. O meu favorito foi Tár, mas “o filme do ano” – pelo terramoto que provocou no sentido da defesa das salas, dos suportes físicos (uma edição home cinema esgotada) e, fundamentalmente, de um cinema mainstream mais exigente – foi Oppenheimer.
Luiz Soares Júnior
1 – Knock at the Cabin, M. Night Shyamalan
2 – Stars at Noon (Paixão Misteriosa, 2022), Claire Denis
3 – Pacifiction, Albert Serra
4 – Don Juan (2022), Serge Bozon
5 – Retratos Fantasmas, Kleber Mendonça Filho
6 – Master Gardener, Paul Schrader
7 – May December, Todd Haynes
8 – A Romancista e o Seu Filme, Hong Sang-soo
9 – Céu em Chamas, Christian Petzold
10 – Il sol dell’avvenire, Nanni Moretti
Este foi um ano em que tivemos mais confirmações de autores consagrados do que propriamente obras inovadoras, transgressoras, ou (sob o ponto de vista de uma valoração aristocrata, à la Lourcelles e Mourlet) obras-primas: KMF, Schrader, Shyamalan, Denis, Moretti, Petzold, etc. ocupam lugares no meu top porque souberam reafirmar sua marca autoral sem deixar de galgar mais um degrau na excelência de seu fantasma e eminência formal correspondentes: em Retratos fantasmas, por exemplo, a questão dos espaços assombrados pelo fora de campo da voz off [há outros usos, vários e bem concatenados, desta onipresente divisa de seu cinema, sobretudo em seu longa inaugural, O Som ao Redor (2012)], agora litigados pelo espectro da Mãe, este último devidamente carimbado, fotografado, expiado (na diegese): é bonito. O último Petzold também curte um luto: ele se aproveita da morte trágica de um casal no incêndio de uma floresta para burilar, paulatina e a princípio ironicamente (a máscara do divertissement em férias é devidamente encenada para que os decisivos 20 minutos finais nos obriguem a rever o filme e colar as pontas da crônica evidente e da tragédia elegíaca digna do nosso tempo, com que o final nos presenteia) o espaço ideal para a conjugação, no pretérito imperfeito do fantasma, da labuta da escrita: a écriture, assim, é questão de luto, de uma voz ouvida pela segunda vez que não se confunde mais com a do ego casmurro, misantropo do escritor em vilegiatura: é a voz dos mortos, de que um close na mão carbonizada e fiel nos indica o devido diapasão: reeditando o último beijo do casal embalsamado de Viaggio in Italia (Viagem à Itália, 1954), Petzold redescobre, para ouvidos e olhos saturados de imagens quaisquer, o significado elegíaco de um plano de cinema
Outro “caso” a ser observado como sintoma do que se passa no mundo e no mundo do cinema hoje é o do último Moretti: o happy end festivo da comunidade em festa pela utopia comunista não oculta a dobra de amargura pelo que o cinema se tornou, nem a vigência asfixiante da distopia na Europa pós-pós. Moretti chega a nos oferecer o plano obsceno de seu quase-suicídio, mas retrocede ao final para uma visão mais justa do que nos acontece: se não podemos mais mudar o mundo, mudemos nossa cabeça, a hermenêutica possível; a felicidade comemorativa na marcha final não nos diz outra coisa, pois substitui a neurose do indivíduo carrancudo pela ascese do corpo múltiplo (do plano de conjunto) da comunidade, que parece ainda ter a chave para sublimar nosso mal, com a devida alteridade salvífica. Segundo Pedro Costa, homem lúcido que nos fala do fundo de uma terrível solidão, perdemos Godard, Straub e Rivette, e só nós sabemos o quão abominável é sua ausência. Os filmes que restam, porém, nos servem de alento, de certo prumo também (jamais divertissement!, como diria Adorno: indústria cultural não é arte) para esperar o fim do mundo, de preferência lúcidos e de coração leve, como o Mozart fúnebre que Pasolini finalmente encontrou no concerto para clarineta, sob os auspícios de Elsa Morante. Sim, ainda esperamos do cinema um novo e jubiloso mundo, mesmo que em seus últimos estertores.
Paulo Cunha
1 – Nação Valente, Carlos Conceição
2 – Retratos Fantasmas, Kleber Mendonça Filho
3 – The Old Oak, Ken Loach
4 – Saint Omer, Alice Diop
5 – Légua (2023), Filipa Reis e Joao Miller Guerra
6 – Mal Viver, João Canijo
7 – Il sol dell’avvenire, Nanni Moretti
8 – Tori et Lokita, Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
9 – Ice Merchants, João Gonzalez
10 – Morada (2022), Eva Ângelo
2023 foi um ano de muitas faltas, uma série de meses que não me permitiu ver tudo o que queria, mas também um ano de excesso de filmes que não são elegíveis para este exercício. Não tenho grandes dúvidas que algumas dessas faltas e desses excessos certamente entrariam nesta lista (como o muito aguardado Onde Fica esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois…), mas o que fica do que passou não se dá apenas a especulações… Do que vivi em 2023, ficam as emoções com o humanismo, as frustrações, as angústias, as indignações e as esperanças do Loach, do Moretti, do Gonzalez e dos Dardennes. Fica também o desafio lançado pelo Conceição, pela Diop, pelo Canijo e pela dupla Reis-Miller Guerra, de nos fazer olhar para os outros como voyeurs que acabam inevitavelmente surpreendidos pelo próprio reflexo. Foi ainda na sala que a Eva e o Kleber me lembraram que o cinema é memória e que essa memória não é só coisa do passado, mas antes o motor do futuro. E nesse futuro, próximo e longínquo, mesmo que lhe desconheça o enredo, só espero por um sol que possa brilhar para todos nós…
Pedro Florêncio
1 – Die Häschenschule – Der große Eierklau (Escola de Coelhos: Missão Ovo Dourado, 2022) de Ute von Münchow-Pohl
2 – Aftersun, Charlotte Wells
3 – Frágil (2022), Pedro Henrique
4 – Terra que Marca (2022), Raul Domingues
5 – Diálogo de Sombras (2021), Júlio Alves
6 – Rua dos Anjos (2022), Maria Roxo e Renata Ferraz
7 – Ice Merchants, João Gonzalez
8 – Super Natural, Jorge Jácome
9 – Magic Mike’s Last Dance (Magic Mike – A Última Dança, 2023), Steven Soderbergh
10 – Cerrar los Ojos, Víctor Erice
Magic Mike – um dos melhores documentários sobre a dificuldade de envelhecer no (e do) Ocidente em pleno séc. XXI. Fechar os olhos – para além do Wiseman, o único cineasta cujos únicos filmes que não preciso de ver para saber que devem constar em qualquer lista de melhores do ano são do Erice. Super Natural – desde o primeiro semestre do primeiro ano da Escola Superior de Teatro e Cinema que tenho tido o privilégio de acompanhar o Jorge a tentar encontrar respostas distintas para um mesmo problema, e de cada vez a “falhar melhor” (Becket). Ice Merchants – “nada em excesso, nada que falte.” (Bresson). Rua dos Anjos – rara beleza. “A beleza é a harmonia entre o acaso e o bem.” (Simone Weil). Diálogo de Sombras – pedagogia da audiovisão: saber ver e saber mostrar é a mesma coisa. Terra que Marca – “o mar a terra o fumo a pedra simultaneamente.” (Ruy Belo). Frágil – “o futuro do cinematógrafo está numa raça de jovens solitários que filmarão e apostarão até ao último centavo sem se deixar derrotar pelas rotinas materiais do ofício.” (Bresson). Aftersun – visto numa viagem de avião. Turbulência interior; desde Maio sem aterrar. Escola de Coelhos – melhor remake da cena da escadaria de Odessa (não na tela, mas a minha filha a subir e descer as escadas, no escuro, do início ao fim e sem medo, na sua primeira sessão em sala comercial).
P.S.: entretanto, vi o The Killer, aqui a destempo, mas bem a tempo da lista da década. “O método é a verdade das pessoas”.
Ricardo Gross
1 – Pacifiction, Albert Serra
2 – Maestro, Bradley Cooper
3 – As bestas, Rodrigo Sorogoyen
4 – Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One, Christopher McQuarrie
5 – EO, Jerzy Skolimowski
6 – Céu em Chamas, Christian Petzold
7 – L’ultima notte di Amore (A Última Noite em Milão, 2023), Andrea Di Stefano
8 – The Equalizer 3 (2023), Antoine Fuqua
9 – Il colibri (O Colibri, 2022), Francesca Archibugi
10 – Stars at Noon, Claire Denis
O exercício de fim de ano conclui-se invariavelmente num de três cenários: ou concluímos que o ano foi escasso em bom cinema e chegar a dez filmes obriga a resgatar títulos que esqueceremos no mês seguinte; ou descobrimos que afinal a colheita é generosa e somos impelidos a sacrificar títulos relevantes; ou ainda constatamos que a escolha de dez filmes vem na justa medida do que vimos e pensamos guardar. Este terceiro cenário foi o que me aconteceu; situo-me na justa medida, satisfeito o quanto baste, mesmo que nunca me passasse pela cabeça pedir ajuda aos mestres cineastas conhecidos e desconhecidos do antigamente, para desvirtuar o objectivo de uma lista dos filmes do presente, que todos os anos se renova. Os mestres que fiquem sossegadinhos no seu panteão; e nós na expectativa de que novos mestres um dia a eles se juntarão.
Ricardo Vieira Lisboa
1 – Céu em Chamas, Christian Petzold
2 – Oppenheimer, Christopher Nolan
3 – Saint Omer, Alice Diop
4 – Pacifiction, Albert Serra
5 – Frágil, Pedro Henrique
6 – Fast X (2023), Louis Leterrier e Justin Lin
7 – L’Été dernier, Catherine Breillat
8 – Skazka (Fairytale – Sombras do Velho Mundo, 2022), Aleksandr Sokurov
9 – Onde Fica esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
10 – The Killer, David Fincher
Este ano a cinefilia enjoou-me. Ou antes, a cinefilia xaroposa dos velhinhos saudosos que vêm lamentar, com muitas ramelas e ranho no nariz, que o cinema já não é o que era, que isto vai de mal a pior, que o bom cinema é o dos anos 1950, que os filmes são maus e os espectadores piores. Penso, claro, em Víctor Erice, que demorou trinta anos para fazer o seu “Cinema Paraíso” em câmara lenta (o final é o decalque da famosa sequência dos cortes de censura – com igual tendência para o lacrimejante); penso em Kleber Mendonça Filho que passou a pandemia a rever os caixotes do armazém e achou que tinha um libelo saudosista para a sala de cinema enquanto experiência social; penso no senhor Spielberg que nos tentou vender a “magia do cinema”, agora em versão pronto-a-comer (é só juntar água); penso, até certo ponto, no último Panahi que se transformou num jogo de si mesmo (um jogo de solitário ao espelho); penso também em Moretti (que me emocionou a espaços), que se assume, com gáudio, enquanto Velho do Restelo, e chora os erros do passado que (já nem) o cinema pode retificar. O que nenhuma destas pessoas, que lamentam a morte do cinema, fez foi meter-se no Cinema Colombo, na sessão da meia-noite, no fim de semana de estreia do Fast X. Se o tivessem feito sabiam que o cinema popular – corrijo-me, o cinema! – está vivo e recomenda-se. De repente, uma sala a rebentar pelas costuras completamente dedicada a um filme todo ele energia e performatividade. Essa foi, este ano, a melhor experiência de cinema em sala que tive, a mais vívida e suada. Tudo o resto são filmes que – melhor ou pior – tiveram equivalente poder de assoberbamento. Filmes que vi e, enquanto os via, só pensava: não acredito que estes cretinos estão realmente a fazer isto. C’horror, que desfaçatez! Obrigado, meus queridos (e queridas) cretinos (e cretinas). Continuem assim que a pouca-vergonha vos fica muito bem.
Samuel Andrade
1 – Retratos Fantasmas, Kleber Mendonça Filho
2 – Pacifiction, Albert Serra
3 – Tár, Todd Field
4 – Maestro, Bradley Cooper
5 – Aftersun, Charlotte Wells
6 – Godland (Terra de Deus, 2022), Hlynur Pálmason
7 – Ursos não Há, Jafar Panahi
8 – Master Gardener, Paul Schrader
9 – R.M.N., Cristian Mungiu
10 – Nação Valente, Carlos Conceição
Eis dez títulos que resumem o meu 2023 do cinema que estreou nas salas nacionais. Um top limitado, incompleto e que, provavelmente, não fará justiça aos últimos doze meses, pessoalmente mais dedicados a clássicos de cinema e televisão e onde muito (e de “muita boa gente”) ficou ainda por conhecer: Taviani, Skolimowski, Martins, Citarella, Moretti, Breillat, Erice…
Nesta lista, poderiam ainda figurar — sem qualquer ordem específica — Fairytale (Aleksandr Sokurov), The Banshees of Inisherin (Os Espíritos de Inisherin, 2022) de Martin McDonagh, Légua (João Miller Guerra e Filipa Reis), El Conde (Pablo Larraín), Marcia su Roma (2022) de Mark Cousins, Holy Spider (2022) de Ali Abbasi, Ice Merchants (João Gonzalez), The Whale (Darren Aronofsky), All the Beauty and the Bloodshed (Toda a Beleza e a Carnificina, 2022) de Laura Poitras, Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One (Christopher McQuarrie), Falcon Lake (Charlotte Le Bon), The Killer (David Fincher) ou uma preciosa curta-metragem documental, que nos chegou via MUBI, intitulada Jill, Uncredited (2022) de Anthony Ing).
Sérgio Alpendre
1 – Cerrar los Ojos, Víctor Erice
2 – John Wick: Chapter 4, Chad Stahelski
3 – A Romancista e o Seu Filme, Hong Sang-soo
4 – Onde Fica esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
5 – Céu em Chamas, Christian Petzold
6 – Killers of the Flower Moon, Martin Scorsese
7 – Ursos Não Há, Jafar Panahi
8 – Asteroid City, Wes Anderson
9 – Knock at the Cabin, M. Night Shyamalan
10 – Trenque Lauquen, Laura Citarella
Os dois primeiros colocados na minha lista de melhores de 2023 são praticamente opostos numa possível linhagem estética do cinema. O filme de Erice, Fechar os Olhos, é simples, sem qualquer movimento de câmara ou enquadramento que chame a atenção para alguma destreza maior da direção. Não há espalhafato algum que interfira na dramaturgia. John Wick 4 é uma explosão de sons e cores como o cinema não via desde o último Mad Max. O maneirismo repensado para a terceira década do século XXI. O filme de ação de uma geração, como foi True Lies (A Verdade da Mentira, 1994) nos anos 1990.
O terceiro e o quarto colocados refazem caminhos anteriormente percorridos, pelo mesmo cineasta e por um mestre. Hong Sang-soo faz, com A Romancista e o Seu Filme, mais uma de suas variações, desta vez com uma dose de melancolia e paixão pelo cinema que parecem revigorar seu cinema. Onde Fica Esta Rua? procura fazer um espelho de Os Verdes Anos (1963) de maneira semelhante à que Marguerite Duras pensou para espelhar seu India Song (1975) com Son Nom de Venise dans Calcutta Désert (1976).
Se Chad Stahelski entrou no clube dos diretores americanos com filmes em listas de melhores, os outros três americanos, Martin Scorsese, Wes Anderson e M. Night Shyamalan, são veteranos desse tipo de lista, e compensam a falta de James Gray e Clint Eastwood, dois dos maiores cineastas americanos em atividade.
No mais, Petzold comparece com seu melhor filme até aqui, Laura Citarella continua a bela saga da produtora argentina El Cine Pampero e Panahi faz um filme especialmente tocante sobre a insensatez do mundo.
Lamento não ter conseguido ver os filmes irmãos de João Canijo, que ficaram longe do circuito comercial brasileiro e tudo indica que continuem assim. Igualmente, não houve tempo hábil para ver Sacavém, Nostalgia ou Silent Night. Também não consegui ver, por causa do deadline, o outro filme de Hong Sang-soo a estrear em Portugal, Lá em Cima, tampouco o último de Sokurov, Fairytale. Estes dois últimos poderiam estar na lista, ou concorrer com os que estão.
Susana Bessa
1 – Saint Omer, Alice Diop
2 – El Juicio (O Julgamento, 2023), Ulises de la Orden
3 – As bestas, Rodrigo Sorogoyen
4 – Trenque Lauquen, Laura Citarella
5 – Maestro, Bradley Cooper
6 – The Plains (2022), David Easteal
7 – Aftersun, Charlotte Wells
8 – EO, Jerzy Skolimowski
9 – À Plein Temps, Eric Gravel
10 – Perfect Days, Wim Wenders
Mais um ano que acaba, e apoio-me neste exercício para me ajudar a entender o que realmente ficou comigo, mas a partir do momento em que só posso pensar nas estreias portuguesas (nunca foi preciso tanto para um filme chegar aos cinemas – nunca as distribuidoras nacionais arriscaram tão pouco), é difícil esta lista representar o meu ano.
Estes dez filmes são o sumo mais concentrado de tudo o que ainda não me abandonou. Num ano morno, com demasiados momentos anódinos, estes dez mostraram-me como o cinema continua a sua escalada.
Tirando estes, vi e revi o filme perfeito de Kelly Reichardt, Showing Up (2022), que me consolou tanto com os seus vagares ternos; um natural diminuidor de pulsação cardíaca. Mas o ano foi, sem dúvida, de Celine Song [Past Lives (Vidas Passadas, 2023)], Claire Simon [Notre Corps (2023)], Angela Schanelec [Musik (2023)]. E de um regressar mais profundo a Terence Davies – ver Benediction (ainda sem estreia desde 2021) é ouvir cinema a ser declamado. Foi o ano de Mutt (2023) e The Teacher’s Lounge (2023) e Slow (2023). E de Enys Men (2022)! E de ver Drylongso (1998) pela primeira vez, e Vengeance is Mine (1979) (obrigada ao amigo que me enviou o filme do outro lado do oceano), e a restante obra de Helena Wittmann. E de Wiseman, cujos filmes passei a ver como os de Mekas, um bocadinho todos os dias de manhã enquanto me arranjava para sair. Os puristas do cinema lento que me perdoem, mas a terapia apresenta-se de formas diferentes, e esta foi uma delas. O mesmo pode ser dito da correria diária para a retrospectiva de Anastasia Lapsui e Markku Lehmuskallio no Doclisboa (um sentido obrigada, Boris Nelepo), ou da efusiva memória de ver Riddle of Fire (2023) na sala do Turim durante o LEFFEST. No caso do anterior, tão pouco pestanejei num dos filmes que comecei a chorar. Foi também o ano em que finalmente pude ver os filmes de Kinuyo Tanaka no grande ecrã, e rever Queens of the Qing Dynasty (2022) (Mubi) e An Cailín Ciúin (The Quiet Girl – A Menina Silenciosa, 2022) (nos cinemas).
Obrigada ao cinema por estar sempre lá. O importante é vê-lo. O resto são só pormenores.
Vasco Baptista Marques
1 – Cerrar los Ojos, Víctor Erice
2 – Céu em Chamas, Christian Petzold
3 – Ursos Não Há, Jafar Panahi
4 – A Romancista e o Seu Filme, Hong Sang-soo
5 – Tenéis Que Venir a Verla (Têm de Vir Vê-la, 2022), Jonás Trueba
6 – Pacifiction, Albert Serra
7 – EO, Jerzy Skolimowski
8 – Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One, Christopher McQuarrie
9 – Retratos Fantasmas, Kleber Mendonça Filho
10 – Fairytale, Aleksandr Sokurov
Extremando uma tendência de distribuição que tem vindo a ganhar tração entre nós (e que, goste-se ou não, revela que o cinema está em vias de tornar-se num artefacto museológico: coisa mais recuperada post-mortem do que vivida no seu tempo), o ano ficou marcado pela estreia comercial de uma série de filmes com mais de meio século de idade. Dos seis títulos que compõem a filmografia de Kinuyo Tanaka ao magnífico Kiri no oto (O Som do Nevoeiro, 1956) de Hiroshi Shimizu, passando por L’Enfance-Nue (A Infância Nua, 1968) de Maurice Pialat, 2023 foi, por assim dizer, o ano de todas as exumações. Mas seria pena que a sua oportuna recuperação desviasse a nossa atenção dos filmes que, de uma maneira ou de outra, continuam a resistir ao triste misto de apocalipse e banalidade que o mercado nos impõe. E, embora não tenham sido muitos aqueles que este ano o fizeram, foram ainda assim alguns: a começar, desde logo, pelo sublime Cerrar los Ojos de Víctor Erice – que, a seu modo, nos fala sobre o desaparecimento (e sobre a resistência ao desaparecimento) do cinema enquanto experiência social e, por que não dizê-lo?, religiosa. Trata-se somente – coisa inédita – de um dos três cineastas espanhóis que integram a nossa lista, na qual é impossível não notar um eclipse: o do cinema norte-americano, apenas presente por intermédio do último capítulo daquele que é, quanto a mim, o mais inteligente dos seus blockbusters contemporâneos.