“What can you say about a twenty-five-year-old girl who died? That she was beautiful and brilliant? That she loved Mozart and Bach, the Beatles, and me?” A história de Love Story (História de Amor, 1970) é tão simples quanto o seu título: um jovem casal apaixona-se, casa-se e a rapariga morre. De que morre ela? Os especialistas médicos dirão que a causa de morte terá sido uma leucemia aguda, os especialistas cinéfilos dirão que a causa da morte foi, afinal, a síndrome Ali MacGraw, uma doença diagnosticada pelo crítico Roger Ebert, com sintomas incertos e pouco perceptíveis, mas que se caracteriza por tornar a protagonista ainda mais bela antes de a levar à morte. Na verdade, e recuperando a frase inicial do filme e do romance que lhe deu origem, o que podemos dizer de um melodrama tão simples e que fez chorar milhões? De que é feito o “afrodisíaco cinemático” que, nas palavras de Peter Bart, executivo da Paramount na época, foi o movie date ideal, unindo dois seres no choro e na consolação, da tristeza à celebração de estarem vivos, algo na senda de um cinema para constituir família?
O realizador Arthur Hiller não terá deixado uma obra particularmente relevante, e no que toca ao retrato de relações amorosas tem o seu trabalho mais adulto em Making Love (1982), mas em Love Story conseguiu pegar no magro romance de Erich Segal e fazê-lo cinema, assim provando mais uma vez que são normalmente os romances menos bons que dão os melhores filmes.
– What’s polyphony?
– Nothing sexy, preppy.
Certamente que as legiões de casais à procura de paixão que se dirigiam para a sala de cinema ambicionavam ser tão aptos para estas trocas verbais sexualizadas quanto o par Jenny (Ali McGraw) e Oliver [Ryan O’Neal (1941-2023)]. Uma audiência que, declarada a morte da velha Hollywood, se julgava já demasiado adulta, ou demasiado cínica, para uma simples história de amor a puxar à lágrima, descobria que afinal ainda havia espaço para o romântico. Um pouco à semelhança daquilo que sucede com os protagonistas de Love Story, enredados no seu “voleibol verbal”, algo embaraçados quando é chegado o tempo de deixar a carapaça de smartass e abrir o coração. E, como não podia deixar de ser, a partir do momento em que se tornam um mero casal de apaixonados, sem armadura e sem retorno, tornam-se um pouco mais banais e um pouco menos interessantes, pessoas que lidam com planos de vida e o abdicar de sonhos, problemas de dinheiro ou relações familiares complicadas. Deixam o território dos diálogos da guerra de sexos de uma screwball comedy e passam para o território do drama caseiro (não propriamente kitchen sink drama, talvez um pouco mais dishwasher).
Quantos melodramas não são justamente feitos dessas histórias singelas e de rostos fortes, como sucede, por exemplo, em histórias revisitadas em múltiplas versões como Stella Dallas (1925 e 1937), Madame X (1929, 1937 e 1966), Back Street (1932, 1941 e 1961) ou Imitation of Life (1934 e 1959)? São os rostos de Meryl Streep e Clint Eastwood em The Bridges of Madison County (As Pontes de Madison County, 1995). É o rosto de Romy Schneider que enche a tela na história simples de Claude Sautet, assim mesmo chamada – Une histoire simple (Uma história Simples, 1978).
O perdão é próprio do amor e é ele que torna o amor possível.
Provando que o melodrama não é um género “antiquado”, mas antes um género capaz de encontrar o seu público no seu tempo, adaptar-se a ele, Love Story produziu o pequeno milagre de filme certo no momento certo. O público de 1970 deixou-se tocar por estes rostos cheios de vida, frescos, entusiasmados e entusiasmantes, capazes de enfrentar as contrariedades que ameaçam a sua relação – não esquecendo que estas são contrariedades de 1970, que obrigam a uns meses de vida numa casa do lado errado da estrada e a uns empregos de Verão, mas que são facilmente ultrapassadas, havendo um lugar na sociedade reservado a alguém que estudou Direito em Harvard, com o apartamento em Nova Iorque, o carro, as compras, as férias. E, para assentar de novo os pés no chão da realidade e lembrar que nem tudo era melhor em 1970, surge a conversa entre Oliver e o médico, com este a recomendar a Oliver que esconda de Jenny o seu estado de saúde, que faça cara bonita e tente ocultar a verdade.
O que fica daquela promessa de felicidade cortada subitamente é a imagem de Oliver sozinho, sentado, o seu corpo recortado contra o branco da neve, e a música de Francis Lai, para sempre imediatamente reconhecível por apenas quatro ou cinco notas, cunhada no filme. Essa imagem e essa música será aquilo que muitos guardarão desta história de amor.
Jenny representa um certo tipo de sonho americano, o sonho americano em versão cultural – uma mulher com origens humildes, mas determinada, inteligente, formada em RadCliffe e que ganha uma bolsa para estudar música em Paris. É deste sonho que ela abdica para tomar as vestes de salvadora de Oliver, curá-lo da sua ferida do passado, a relação tumultuosa com o pai, Oliver Barrett III (Ray Milland), a figura que o ilumina e assombra simultaneamente. Se ela consegue estancar o sangue, não consegue propriamente sarar a ferida. Oliver serve-se também deste conflito familiar para impressionar Jenny, faz-se de herói que ousa contrariar a vontade do pai para casar com a mulher que ama.
Como se prova na sequela Oliver’s Story (1978), o confronto Oliver-pai e Oliver-filho é frouxo, pouco mais do que um capricho de juventude, uma birra de menino mimado, algo que Jenny rapidamente percebeu, desvalorizando as irritações de Oliver. Oliver construiu a imagem de um demónio, que não corresponde totalmente ao pai que é dado a ver no filme (ao qual não se pode censurar muito mais do que empurrar o filho para um destino que considera já traçado), e o facto de o pai não se revelar o demónio que ele quer vender é algo que o irrita profundamente, sendo essa a circunstância que provoca a única verdadeira discussão com Jenny e que acaba por levá-la a dizer a frase que imortalizou o filme tanto quanto a música de Francis Lai – “Love means never having to say you’re sorry.”
Esta frase voltará quando Jenny morre, dirigida ao pai de Oliver. No momento em que é dita pela segunda vez, continua a soar tão equívoca quanto da primeira vez. Porque justamente Jenny e Oliver, em todo o idílio da sua relação amorosa, mostraram que é impossível amar sem magoar. O perdão é próprio do amor e é ele que torna o amor possível.