The Holdovers (Os Excluídos, 2023) indica logo ao início que pretende ser um throwback de um tipo de cinema não só do século passado, mas dos anos 70. Payne traz-nos uma obra totalmente fora do nosso tempo, remontando ao tipo de filme que se produzia na altura e que seriam populares numa época que já não é a nossa, porque agora um filme destes, uma pequena pérola que aquece o coração nos dias mais frios, se perde numa torrente de entretenimento que cada vez vira mais em torno do bombástico.

Aqui, o realizador – de filmes como Election (Eleições, 1999), About Schmidt (As Confissões de Schmidt, 2002), Sideways (2004), The Descendants (Os Descendentes, 2011) ou Nebraska (2013) – leva-nos à New England de há mais de 50 anos, que parece quase uma recriação de algo imaginado, como se fosse a nossa memória cinematográfica enquanto espectadores a compor o tableau natalícia, em escola privada e monumental, os cenários onde passamos o nosso tempo. Este espírito nota-se não só no grão do filme, no design de produção, mas sobretudo no foco nas personagens e seu desenvolvimento, que deixa o argumento de David Hemingson brilhar, sobretudo no discurso brilhante da personagem de Paul Giamatti, e na litania de insultos que gosta de atirar ao alunos, tão requintados que pensamos se estes jovens mimados (é um leitmotiv do filme) conseguirão perceber metade do que ele diz.
É quando a câmara encontra as caras dos seus personagens que o filme brilha e vibra, tornando-se num daqueles exemplos improváveis de futuro clássico de Natal.
The Holdovers marca a repetição do encontro entre Paul Giamatti e Alexander Payne. Paul e Alexander trabalharam juntos em Sideways, um filme que não me apresentou ao actor, mas que me fez acreditar no seu carisma como antes ainda não o tinha feito, e na sua versatilidade – embora sempre tenha sentido a sua ternura calorosa. E os dois personagens não são distintos, encontramos a mesma vocação (professores de alunos pouco empenhados), a mesma tendência literária, o mesmo temperamento espinhoso e cínico, desconfiado de um mundo onde haja amor para eles. Ambos parecem apontar para uma visão do mundo de Payne onde há certamente calor, mas muita mordacidade, onde os afectos demoram a conquistar-se mas revelam-se incrivelmente recompensadores.
O filme gira em torno de um trio improvável (o melhor tipo de trio) composto por Paul (Giamatti), o rabugento e exigente professor de Civilizações Antigas, Angus, o estudante promissor mas rebelde, numa incandescente introdução de Dominic Senna, e Mary, a cozinheira-chefe de Da’Vine Joy Randolph, que já conhecia da incrível primeira-e-única temporada da série High Fidelity (Disney+).
Senna e Giamatti desenvolvem uma relação importante de professor-estudante – ambos personagens à superfície empenhadas em mostrarem-se indiferentes aos outros e que reconhecem essa tendência um no outro, o que os aproxima inevitavelmente – e Randolph é uma importante presença de contraponto, carregada de humor, luto e algum álcool, unindo três pessoas marcadas por tragédias diferentes, e de diferentes escalas, mas cuja união rompe a solidão intensa em que vivem os dias de festa de Natal e Ano Novo que tanto lhes pesam nos ombros, por lembrar tudo o que não têm. Retidos no colégio por razões de ausências familiares, tornam-se numa família improvisada, acabando por se darem a conhecer, apesar dos espinhos de cada um. Ao darem-se a conhecer, os exteriores duros amolecem e mudam as respectivas vidas. Eles são os holdovers, em português “os excluídos”, mas que em inglês tem uma conotação diferente, mais próxima dos sobreviventes, de quem sobrevive às mudanças e intempéries da vida.
Especialmente na relação entre Paul e Angus, há qualquer coisa de Dead Poets Society (O Clube dos Poetas Mortos, 1989) de Peter Weir, pela forma como, de maneira bem distinta, o professor se torna uma figura indelével na vida do aluno, mesmo que o tempo que passam juntos seja extremamente curto. É, isso sim, marcante, indo ao âmago do que os torna humanos e frágeis, e mostrando que nem só de espinhos se formam as suas carapaças.
Payne filma a exorbitância da escola privada, com os seus corredores e salas gigantes, e os seus espaços exteriores enormes e cobertos de neve, com palpável deleite e humor. Mas é quando a sua câmara encontra as caras dos seus personagens — seja num sorriso torcista de Angus, na indignação de Paul ou na dor de Mary (um momento sem palavras em que Randolph diz tudo com um olhar e um jogo de cabeça) — que o filme brilha e vibra, tornando-se num daqueles exemplos improváveis de futuro clássico de Natal.
★★★★☆