Body Double é uma rubrica do À pala de Walsh que transforma o artista convidado num programador (também) ao serviço das suas imagens. No âmbito desta rubrica, cada realizador ou artista escolhe uma obra sua e “programa” (virtualmente) um outro filme para a emparelhar. Num pequeno texto, dá pistas sobre a ligação entre os dois “corpos”.


Les glaneurs et la glaneuse (Os Respigadores e a Respigadora, 2000), de Agnès Varda, à esquerda, e O Homem do Lixo (2022), de Laura Gonçalves, à direita.
“O meu tio Respigador, uma homenagem através de um olhar pessoal a quem oferece uma segunda vida ao que para outros, já não serve.
A honestidade, simplicidade e poesia do banal existentes nos filmes de Agnès sempre me surpreenderam enquanto espectadora, e me iluminaram enquanto autora.
Em Os Respigadores e a Respigadora, a beleza das pessoas retratadas tocou-me de uma forma tão arrebatadoramente profunda, que não pude deixar de as venerar, ao mesmo tempo que via o meu tio como uma destas pessoas anónimas, que de uma forma também viveu do “lixo” do outros.
Encontrei na palavra “lixo” o oximoro para o catador de “tesouros” que ele personificou na minha memória e a memória colectiva da minha família, durante os 30 anos que trabalhou como colector de lixo, ou… “ homem do lixo” (mais popularmente conhecido), em França.
Neste filme quis dar voz a estas memórias, que lembram o meu tio, crescido num contexto de ditadura, pobreza e guerra colonial, e encontra nos objectos que ainda estão bons, deixados no lixo de uma França abastada, os “ tesouros” que vai trazendo para um Portugal desprovido e atrasado, para distribuir pela família e amigos.”
Laura Gonçalves, realizadora