Hugo está à janela. A janela está fechada e o Inverno escreve-se com os ramos despidos das árvores e as nuvens cinzentas. Lá fora chove. Ou pode até não chover. Lá fora passa-se a luz, os oito milímetros num grão tão aberto, a claridade escura, o Terreiro do Paço em obras, os arranha-céus das pinturas. Isto vemos nós, mas o que vê ele? Ana Maria está à janela. A janela está aberta de par em par e apenas uma das portadas está tapada pela cortina azul, enfunada pelo vento. Lá fora passa-se o mar, a luz do sol, terra e um barquinho ao longe cuja distância parece tornar em barquinho de brincar. Isto vemos nós, mas o que vê ela?
O presente texto foi publicado no livro de compilação O Cinema Não Morreu – Crítica e Cinefilia À pala de Walsh. Pode adquiri-lo junto da editora Linha de Sombra, na respectiva livraria (na Cinemateca Portuguesa), e em livrarias seleccionadas.

6 Comentários
O novo filme do Vítor está para o cinema do Ceylan como este texto está para as análises do Bénard da Costa: são os primeiros imitações baratas dos segundos. O Vítor, ao menos, vai espaçando as aulas em que assume a admiração que nutre pela estética que tentou copiar dos filmes do turco. Já tu, ainda há nem uma semana deves ter andando a escarafunchar centenas de folhas da Cinemateca do Bénard, à procura de citações para o teu texto de homenagem de merda.
Apesar de medíocre, o filme do Vítor ainda tem alguma subtileza, como dizes. Já este texto, valha-me nossa santa senhora. Sonhas, de facto, em virem a denominar-te como um filho do outro, como quem não está a pensar na coisa? Boa sorte com essas próximas crónicas, onde irás provavelmente tentar aligeirar essa poesia de bolso que te saiu do ânus (como dira o Bruno de Carvalho), para não voltares a dar a mesma cana.
P.S. – para não falar do facto da pertinência narrativa desta ‘análise’ (o diálogo entre a “Rapariga” e a “Vida”, evidentemente) não valer pevide, tendo em conta que é uma reiteração da que o Seabra esboçou no Ípsilon. Para te levarem a sério neste meio interessantíssimo que é a crítica, convém ires tendo umas ideias originais, digo eu.
Stabilo Boss, obrigada por dares voz a todos nós que em silêncio pensamos o mesmo.
Ao contrário de muitos, acho bem que certos comentários sejam feitos a coberto do anonimato. Podem não poupar-se à vulgaridade e à cobardia, mas pelo menos demonstram uma certa vergonha. Bem necessária, no último caso.
Esta crítica prova algo que eu já suspeitava há muito: ninguém pode escrever bem sobre o Vítor Gonçalves a não ser num texto a gozar…boa!
[…] planos de Guerín nesse jogo manifesto entre o material e o imaterial, entre a vida visível e a vida invisível. Tudo contínua aí no mesmo jogo de sombra, o único lugar onde podemos significar sem ter receio […]
O que eu acho extraordinário é que, apesar das intermináveis aulas a professar o oposto, apesar do elogio a tudo o que não consista na imobilidade em prol do quadro,, apesar dos intermináveis estudos de scorsese, truffaut, renoir, os resultados práticos são estes. E ainda mais triunfante é a capacidade de elogio interminável e prolixo a este cinema português redundante, cuja temática gira permanentemente à volta de gente sozinha, melancólica, de fotografia mais ou menos cuidada e diálogos ininteligíveis (na prosa e no próprio som), como se não fossem reflexo tanto da falta de orçamento para o resto do filme em si como da incapacidade dos realizadores portugueses de lidarem com as infinitas complexidades na mise en scene, escrita de argumento e relfexão no geral sobre o nosso mundo que constituem o cinema de qualidade. Será assim tão complicado termos uns irmãos Coen por cá? Porque esses sim, sabem filmar gente. Já neste filme, pouco se passa, bem à medida do cinema cá do burgo, onde colossos da expressividade como Diogo Dória e Luís Miguel Cintra se habituaram a ler falas decoradas olhando o infinito. Enquanto houver claque e discurso laudatório desta maneira de pensar filmes for regra, estamos mal.