De um senhor como Bertrand Tavernier que já vai nos trinta e tal filmes e que tem um verdadeiro percurso globetrotter, o mínimo que se pode dizer é que já assegurou há muito um lugar de respeito no cinema francês.
Só para dar uma pequena ideia: foi colega de Schlondörff no liceu, assistente de realização de Melville [conta-se que um dia na rodagem de Léon Morin, prêtre (Amor Proibido, 1961) sugeriu ao realizador o Moonfleet (O Tesouro do Barba Ruiva, 1955) do Lang que tinha visto uns dias antes. Melville foi ver, odiou o filme e proibiu toda a equipa de falar com o jovem Tavernier durante três dias]; foi crítico dos Cahiers e da Positif entre outras publicações; venceu o Urso de Ouro em Berlim em 95 com L’Appât e melhor realizador em Cannes com Un Dimanche à la Campagne (Um Domingo no Campo, 1984); realizador de seis documentários entre os quais um sobre as origens musicais no Mississippi (Mississippi Blues, de 1983) e outro sobre a guerra franco-argelina (La Guerre Sans Nom, de 1992); e finalmente, autor de uma aventura quase ao estilo Herzog/Kinski, com Philippe Noiret, actor que chamou para seis dos seus filmes.
Mas a propósito de La Princesse de Montpensier (A Princesa de Montpensier, 2010), que estreia entre nós inexplicavelmente com mais de dois anos de atraso (o filme esteve a concurso em Cannes em… 2010), queríamos lembrar aqui um episódio relativamente menor da sua carreira. O affaire Leconte, como ficou conhecido, opôs em 1999 alguns realizadores franceses à crítica, que acusavam de querer “assassinar” o cinema comercial francês. Tavernier, então membro da Associação de Realizadores e Produtores Franceses, elaborou um esboço de carta que continha a sugestão de que proibissem a publicação, ao abrigo de uma “excepção cultural”, de críticas negativas aos filmes franceses antes da quarta-feira em que estreavam, dando aos mercados uma “chance” de decidir antes de qualquer reacção da imprensa. Apesar da coisa não ter passado, fica-nos o ataque de Tavernier à crítica que criticava o cinema francês e a sua especial sensibilidade às pressões do mercado e do financiamento do cinema europeu no sentido de se globalizar.
E portanto são estes meandros dos dinheiros (La Princesse é uma colaboração, também aqui (!), franco-alemã) e a noção de uma certa desaceleração da carreira de Tavernier que nos ajudam a perceber este filme de época, adaptação de um conto de Madame de Lafayette. Neste, a princesa Marie de Montpensier tem de casar por conveniência embora ame perdidamente o primo, o Conde “Orlando Bloom” Henri de Guise. Se Tavernier quer defender o cinema francês que diz estar encurralado entre o dominante cinema mainstream americano e o ego dos críticos, o que um filme como La Princesse deixa perceber é que, precisamente, “certo cinema comercial francês” já é só mais uma versão desinspirada do clichet americano. Por isso, o fundo histórico da obra de Lafayette – os conflitos católico-protestantes do século XVI em França – surgem como uma espécie de chroma key inconsequente que ora retira ora injecta as personagens ao palco principal dos amores e intrigas teen (oh que seguirei eu?, a maldição do coração ou da razão?). Uma máquina infernal que tudo tritura (é Lafayette, mas se fosse Stieg Larsson era igual ao litro) e que tudo uniformiza ante o desperdício de opulência que é também o uso do cinemascope, até pelas encenadíssimas sequências de batalha que só muito esporadicamente tentam o pictórico.
Se dizemos que há adolescentes a lutar muito, a amar ainda mais, em fatos pomposos do século XVI, diga-se que a luz ao fundo do túnel vem de Tavernier querer recentrar o filme no pudor da observação, isto é, na personagem do Conde de Chabannes (Lambert Wilson): o mestre dos mais jovens, ajuizado, que observa mais do que age. Mas quando o faz talvez já venha tarde, com tanto amor não correspondido, marido ciumento e diz que desdiz, que, entretanto, passou…