Os primeiros papéis de Arnold Schwarzenegger deveram-se sobretudo ao monte de músculos tonificados em inúmeros campeonatos de bodybuilding. À altura, nem o cerradíssimo sotaque do austríaco era grande impedimento, pois ou não tinha muito para dizer ou este prestava-se às personagens. Por exemplo, à máquina assassina titular de The Terminator (O Exterminador Implacável, 1984) de James Cameron. No entanto, Schwarzenegger sempre foi muito inteligente a gerir a sua carreira, acabando até político e Governador da Califórnia, notável para um estrangeiro que ninguém entendia muito bem. Nesse percurso, o momento decisivo foi a sua audaciosa viragem para a comédia, com Twins (Gémeos, 1988), Kindergarten Cop (Um Polícia no Jardim-Escola, 1990) e, mais tarde, True Lies (A Verdade da Mentira, 1994), não esquecendo o ambicioso e incompreendido Last Action Hero (O Último Grande Herói, 1993) de John McTiernan. Mas, até agora, até Maggie (2015), nunca tinha experimentado um papel verdadeiramente dramático.
Se esta não é característica mais “perturbadora” do filme de Henry Hobson, é provavelmente a sua melhor qualidade. Maggie é, antes de mais, um objecto estranhíssimo. Tendo em conta a premissa – Schwarzenegger tenta salvar a filha num mundo em que um vírus está a transformar as pessoas em zombies -, esperava-se acção, violência, corpos desmembrados, one-liners de gosto duvidoso e um final satisfatoriamente feliz. Em vez disso, encontra-se o rosto cansado e envelhecido de Schwarzenegger (mais perto dos setenta anos do que dos sessenta), uma gravidade e um desespero desconhecidos, a inexorabilidade do destino da filha, condenada desde os primeiros minutos. Hobson e o argumentista John Scott 3 servem-se dos zombies para falar da aceitação da morte de entes queridos, pelo que Maggie tem muito pouco a ver com a obra de George A. Romero, que os usa para fazer comentário social, e a de todos os outros que pegam nos mortos-vivos por puro divertimento e/ou terror.
Maggie é o primeiro filme de zombies lamechas, contrariando o desempenho de Schwarzenegger, delicado, justo, de uma melancolia indizível.
Para o caso, Maggie, interpretada por Abigail Breslin – a menina de Signs (Sinais, 2002) de M. Night Shyamalan, outro filme no qual a realidade (ou o realismo) confundia o cinema de género – poderia sofrer de qualquer outra doença terminal. Talvez o interesse da escolha esteja na decomposição do corpo ainda em vida, no sentimento de que a morte já se instalou e é um facto consumado (a consumar-se). O problema de Maggie é o gosto dos autores pelo bonitinho. Fora do cinema de Terrence Malick, nunca se viu tanto pôr-do-sol, tantos raios solares a penetrarem a lente da câmara, tanto bucolismo, tanta letargia. Hobson parece perfeitamente apaixonado pela obra do realizador norte-americano, só que deixa resvalar essas “qualidades” para o bilhete-postal anódino e serôdio (haverá quem diga que Malick também, mas essa é outra conversa). Para mais, tem imensa dificuldade em encontrar o equilíbrio entre o lado sujo da história (elidido) e a tristeza da situação (enfatizada), caindo num sentimentalismo convulsivo. Assim, Maggie é o primeiro filme de zombies lamechas, contrariando o desempenho de Schwarzenegger, delicado, justo, de uma melancolia indizível.
Enquanto Sylvester Stallone ainda anda à volta da sua persona dos anos 80 em recriações mais ou menos paródicas (debaixo de milhentas intervenções cirúrgicas, uma máscara cada vez mais bizarra daquilo que foi), Arnold Schwarzenegger mostra-se em toda a sua vulnerabilidade, como intérprete, como alguém da sua idade, como alguém de quem a morte se aproxima. É pena que Maggie não o consiga ou saiba acompanhar.