Escrever um conjunto de palavras sobre um filme do Eric Rohmer é algo que se poderá fazer em qualquer altura do ano gregoriano, mas talvez não haja época mais propícia a tais considerandos do que a do verão, ainda por cima com estas temperaturas altíssimas que assolam Portugal Continental em inícios de Setembro. Que outro realizador, afinal, se poderá mais associar a praia, mar, províncias com brisa veraneante, ou amores passageiros com estâncias balneares como pano de fundo? E que melhor representação de tudo isso do que precisamente o Conte d’été (Conto de Verão, 1996), o terceiro dos seus contos das quatro estações? Há de tudo isso a partir dos sete minutos e quarenta segundos do filme, mas a maravilha maior da obra está nos seus primeiros sete minutos e trinta e nove segundos, quando o Rohmer coloca um tipo (Melvil Poupaud) a chegar a um paraíso no norte de França e o “obriga” a experimentar, sozinho, os sons da terra, as comidas locais, o sol na testa e a visão das beldades da província. É bonito. Começa assim, a sua mini aventura pedestre:
Os americanos, na sua economia clássica, colocariam um plano do Poupaud a sair do barco, outro a andar, e outro a chegar ao destino. Rohmer, mantendo a simplicidade dos processos, pergunta “mas por que razão não deveríamos acompanhar este sujeito no seu trajeto?”. E lá vamos nós com ele, acompanhando-o na apreensão do ambiente, questionando qual o ponto de chegada do tocador de guitarra.
Chegados a casa, temos mais dilatação do tempo. Era o que faltava era entrar numa casa de férias providenciada por um amigo e não começar logo a investigar as propriedades da mesma. Ainda falta um bocado para o filme começar, e há que desfrutar destes preciosos momentos em que nada acontece. Fora de campo e fora de fotograma, a praia já deverá estar cheia.
Afinal não. Deveria estar nortada da grossa. Aproveita-se para ir para a esplanada. Eric, com muitos anos disto, sabe que estar numa esplanada a levar com “silenciosos” ataques sensoriais por todo o lado é um dos requisitos obrigatórios do verão. Se der para comer e beber qualquer coisinha, melhor ainda.
Luz natural. Felizmente, e apesar de estarmos em plenos anos noventa, não serão os acordes do “More Than Words” dos Extreme que sairão da viola.
Sem cair no pictorialismo, Rohmer, subtilmente, faz-nos ir buscar os calções, os ancinhos, as pás, as raquetes, as braçadeiras e a bola de futebol Mikasa que provavelmente irá acertar na cabeça de alguém mais desprevenido. É o que se leva desta vida.
Estarmos de férias de verão, sem ninguém a dar-nos cabo do juízo, não significa necessariamente que não possam existir momentos de alguma preocupação.
E pronto, começa o filme.