No final de maio ministrei uma oficina de crítica cinematográfica, a primeira em modo on-line, no espaço de cursos de um dos melhores cinemas do brasil, o Cinesesc. Dentro da proposta estava estudar alguns vídeos que seriam, idealmente, equivalentes a textos críticos para um público que tem preguiça de ler. Munido de alguma boa vontade, atendi mais uma vez o apelo de amigos mais jovens e fui conferir alguns dos canais que me indicavam há algum tempo.

Para minha decepção, o panorama é inferior ao de quase três anos atrás, quando havia realizado meu último curso de crítica presencial. São raros os canais de crítica em vídeo, mais raros ainda os que saem de uma espécie de cartilha formal (o que é plano, o que é linguagem, o que é decupagem, porque a câmera se movimenta em determinada cena, e coisas do tipo). A ideia de decifrar o cinema, de mostrar como a linguagem incide nas obras e conta uma história é predominante. E o público parece querer exatamente isso: a habilidade de decifrar o cinema, como se uma arte fosse decifrável.
Há, claro, aqueles que optam por decifrar filmes clássicos para, assim, exercitar uma visão progressista de almanaque em cima de anacronismos (“olha o machismo dessa cena”, “vejam como o diretor não consegue disfarçar seu racismo”, “percebam a inclinação ideológica desta obra”), sem levar em conta os períodos em que os filmes foram feitos e as melhorias da sociedade em uma série de questões. As aspas acima não são citações textuais, mas o teor de alguns videos que encontrei era mais ou menos esse, ou pior.
Porque será que quando a crítica existe em video o fator imagem é um acessório totalmente desnecessário, uma vez que o conteúdo da crítica poderia muito bem virar texto com algum ganho na transposição?
Há também os informativos, aqueles que contam detalhes de produção que qualquer pessoa poderia ver na Wikipedia. Obviamente, os vídeos informativos correm o risco de se tornarem ainda mais parecidos entre si do que os decifradores, pois estes pelo menos conseguem eventualmente algum humor involuntário. E aí, para não se tornarem tão parecidos com outros, alguns tomam o caminho do humor. Geralmente um humor recém-saído da adolescência, o que se percebe pelo ritmo das falas, predominantemente masculinas, e pela entonação “espertinha”.
Não falo isso por maldade, mas como constatação. Quando eu mesmo inaugurei um canal de vídeo, percebi que de cada cinco vídeos que gravava apenas um me deixava satisfeito, embora sem muito orgulho. Dava o recado e pronto. Nada demais. A edição do meu amigo Alexandre Martins Xavier era a grande estrela dos videos quase sempre. Eu era mais um youtuber medíocre num mar de youtubers medíocres.
Porque isso acontece? Será que o vídeo inibe a crítica, tornando-a quase impossível? Porque será que quando a crítica existe em video o fator imagem é um acessório totalmente desnecessário, uma vez que o conteúdo da crítica poderia muito bem virar texto com algum ganho na transposição? Há o caso dos videos feitos todos em cima das imagens dos filmes. Mas mesmo esses tendem a ser mais informativos ou decifradores do que realmente críticos. Não há muitas ideias para além de uma vontade de explicar porque há um amarelo dominante em determinado plano ou um enquadramento torto em outro. Além disso, o trabalho de edição parece tirar a energia crítica, miná-la por completo, sobrando apenas a síndrome informativa ou o vício decifrador.