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“Ar Condicionado”: a potência do incerto

De Ricardo Vieira Lisboa · Em 18 de Janeiro, 2023

Algo de muito entusiasmante se passa em Angola, no que ao cinema diz respeito. E entre as várias novas produtoras, há uma que se destaca: Geração 80. Fundada em 2010, produziu, na última década, seis curtas, quatro documentários longos e dois filmes de ficção de longa-metragem. Ar Condicionado (2020) foi a primeira dessas longas de ficção, realizada por Fradique, um dos fundadores da produtora (com Tchiloia Lara e Jorge Cohen). A segunda, estreou há poucos meses no Festival de Locarno, chama-se Nossa Senhora da Loja do Chinês (2022), e quem assina é Ery Claver (diretor de fotografia e co-argumentista deste Ar Condicionado). 

Ar Condicionado (2020) de Fradique

Entre publicidade, filmes institucionais e serviços de pós-produção (que mantêm a produtora à tona), a Geração 80 tem-se focado no cinema, conseguindo o devido reconhecimento no circuito dos festivais de cinema de autor, em especial o filme de estreia de Fradique que, depois de ser apresentado no Festival de Roterdão, marcou presença em certames como o New Horizons (na Polónia), Shangai, Taipei, Fribourg, Novos Cinemas (Espanha), Porto/Post/Doc (Portugal), Portland, entre muitos outros. O que define o trabalho deste coletivo é a urgência com que filmam a cidade (Luanda) e as pessoas, recusando de forma liminar o exotismo, frustrando as expectativas do espectador ocidental sobre o que entende por cinema africano e optando, tanto quanto possível, por metáforas cujo sentido não se revela imediatamente (se é que se revela alguma vez).

Ar Condicionado começa por ser o retrato de um prédio decrépito no centro de Luanda (na Rua Rainha Ginga, no bairro de Mutamba, bem no coração da cidade), focado em duas personagens que lá trabalham, Matacedo (segurança) e Zezinha (empregada doméstica), mas acaba por se converter numa espécie de sonho rememorativo em modo sci-fi low-fi, com toques de distopia mediática (a preponderância dos meios de comunicação, em especial do rádio, surge logo no primeiro plano do filme). Tudo começa com uma onda de calor que obriga a uma sobrecarga dos ares condicionados, só que em vez de quebras de energia ou meras avarias, o que resulta desse sobre-uso do eletrodoméstico é a sua desistência: os ares condicionados deixam, simplesmente, de funcionar e “atiram-se” lá para baixo, prostrados.

O que Ar Condicionado demonstra é a potência de uma fábula que nunca se revela na totalidade. É na incógnita de uma metáfora mais turva que se guarda o leque de possibilidades com que se disfarça o mistério.

Se isto poderia ser um comentário sobre a fragilidade das infraestruturas angolanas e as parcas condições de vida na capital, há algo de simbólico, e que não posso deixar de “ler” enquanto metáfora das agruras do proletariado e da exaustão de um sistema classista – a queda dos aparelhos remete-me para o perturbador plano de The Happening (O Acontecimento, 2008), de M. Night Shyamalan, quando os trabalhadores de um prédio em construção começam a “chover”. Só que, como referia, nenhuma das metáforas é óbvia ou direta, e tudo se complica (ou complexifica) quando Kota Mino (o reparador de eletrodomésticos local) afirma que os aparelhos caem como as frutas das árvores, quando estão maduros. Ele sugere que, numa cidade sem plantas, os ares condicionados assumiram a função ancestral de armazenamento de memórias e que, uma vez cheios delas, se deixam, simplesmente, cair.

Esta perspetiva de ficção científica mística que funde tradição com memórias (espaldada por uma das mais belas sequências do filme em que a “maquina-carro” de Kota Mino leva Matacedo a viajar pelo tempo e pelo espaço sem sair do lugar) vem acentuar aquilo que os créditos de abertura já anunciavam de forma discreta: a influência de La Jetée (1962). Esse início do filme é composto por uma série de fotografias a preto-e-branco do bairro, com fortes contrastes e muito grão, à imagem das que compõem o filme de Chris Marker. E a juntar a essa citação, há a questão das memórias, a relação entre viagem e sono, a decrepitude de um presente por oposição a uma qualquer forma de nostalgia, a viagem dos que estão imóveis, a capacidade de ver mais, e mais profundamente, com os olhos fechados e, mais que isso, a natureza improvisada da produção e a qualidade tosca dos engenhos retro-futuristas (próprios de rodagens com poucos recursos). Fradique homenageia Marker – e, até certo ponto, há também aqui algo dos jogos de luz à la Alphaville (1965), de Jean-Luc Godard – e, nesse processo, produz uma fábula política sobre a vida na Luanda de hoje, tão atmosférica quanto misteriosa.

Mas talvez o vínculo mais forte, porque mais subterrâneo, de Ar Condicionado com a curta-metragem inaugural de Chris Marker se prenda com a crítica pós-colonial. Deu-se a coincidência de no passado domingo ter assistido, pela enésima vez, a La Jetée, desta feita no grande ecrã. No final da sessão, um amigo chamou-me à atenção para o pormenor de que o protagonista usa, a certa altura, um colar com artefactos da cultura Bantu, grupo etnolinguístico localizado principalmente na África subsariana (artefactos esses que reaparecerão nas testas dos humanos do futuro). Esses elementos surgem, naturalmente, como uma piscadela de olho de Marker (esse viajante re-coletor de traços culturais) à questão colonial, que é reforçada pelo casaco de miliar que o protagonista enverga (acabava nesses dias a participação de França na guerra da dita Indochina e iniciava-se a intervenção norte-americana no Vietname), sublinhando aquilo que estava aos olhos de todos: que o filme é, também, o relato de “navegador” perdido – como Colombo e os outros – , que chega por acidente a uma terra distante (o futuro) e ao invés de a ocupar e tomar para si, só sonha em regressar ao lugar da sua infância. Assim visto, a famosa cena do Museu de História Natural deixa de ser uma metáfora sobre a relação da fotografia com a morte (literalizando a ideia de Bazin de que o cinema é a “mumificação do movimento”), e passa a ser um retrato bem presente da cultura fetichista do colonialismo. Embora me tenha parecido um pouco forçada esta interpretação do filme, não deixa de ser revelador que chegados ao século XXI e à nova vaga de cinema angolano, subitamente La Jetée se abra nesse sentido.

O que isto demonstra, no caso de Marker, e no de Fradique também, é a potência de uma fábula que nunca se revela na totalidade. É na incógnita de uma metáfora mais turva, ou de uma simbologia mais fosca, que se guarda o leque de possibilidades com que se disfarça o mistério. É aí que se esconde a vibração das coisas, nessa incerteza.

Ar Condicionado, de Fradique, é exibido no próximo dia 20, às 21h15, no Batalha Centro de Cinema, encerrando assim o primeiro ciclo temático do recém inaugurado centro, Políticas do Sci-Fi. A sessão será seguida de uma conversa entre o realizador e a socióloga Cristina Roldão (com Língua Gestual Portuguesa).

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Ricardo Vieira Lisboa

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