No passado dia 22 deste mês assisti a um debate (organizado pelo João Lameira aqui do estabelecimento) sobre o futuro do cinema português, no âmbito dos eventos da PT BlueStation comissariados pela Rua de Baixo. Era o quarto e último e prendia-se na pergunta: Porque não tem o cinema português público? A participar no debate tivemos dois actores, Anabela Moreira e Alexander David, o crítico Jorge Mourinha e o realizador António-Pedro Vasconcelos. O debate desviou-se para a questão do cinema de autor/cinema comercial e sobre se fazia sentido fazer a destrinça entre os dois (questionando-se se fariam sentido sequer os termos) e não abordou aquele que é, a meu ver, a questão fundamental do fraco número de espectadores: a distribuição.
Poderá parecer estranho ao mais atento leitor que destaque a distribuição como tema central da problemática do cinema português e dos seus espectadores, ainda para mais quando este ano já se estrearam em salas comerciais cerca de 25 longas metragens nacionais (ou co-produções) e sendo este um ano em que o número de bilhetes vendidos excede em muito os anos anteriores. O sucesso de filmes como Balas & Bolinhos – O Último Capítulo (2012) e Morangos com Açúcar – O filme (2012), que juntamente conseguiram cerca de quinhentos mil espectadores, poderia ser a justificação para tão dourado ano, mas a verdade é que muito terá ajudado o facto de vários filmes terem ultrapassado a barreira dos vinte mil espectadores (barreira essa que não é apenas simbólica, uma vez que garante o financiamento do projecto seguinte do respectivo realizador – supondo que os concursos do ICA venham a abrir algum dia), eles foram Linhas de Wellington (2012), Florbela (2012), Aristides de Sousa Mendes – O Cônsul de Bordéus (2012), Cosmopolis (2012) e Tabu (2012). [note-se que o ano passado só houve um filme a passar tal marca, Sangue do Meu Sangue (2011), com apenas 21 mil espectadores]
Se pode parecer que este não é o melhor ano para abordar a questão, comecemos por casos particulares. Invariavelmente sentimos que muitos dos títulos nacionais que vemos são exibidos com profundo desprezo das distribuidoras, em particular das majors americanas. O sistema de financiamento em Portugal consiste numa taxa sobre os ganhos de publicidade da televisão e cinema, logo será natural a animosidade das exibidoras, que vêem uma parte dos seus lucros ser dada a filmes que invariavelmente são exibidos com resultados negativos. Temos assim medidas de contenção: Deste Lado da Ressurreição (2012) é distribuído pela Zon Lusomundo e como tal estreia apenas numa sala em Lisboa nos UCI- Cinemas do Él Corte Inglés, reduzindo assim os custos das cópias e supondo que o grosso do público interessado no filme seja um apenas urbano e lisboeta. Podíamos dar outros exemplos de casos de retalhamento nas salas, Águas Mil (2009) demorou perto de 3 anos a ser exibido e uma semana depois da estreia nunca mais se pôde ver, A Corte do Norte (2008) sofreu o mesmo fado.
Como forma de contrariar tão triste experiência, João Botelho partiu para a exibição que ganhou proporção de evento do Filme do Desassossego (2010). No entanto esta solução não se pode aplicar a qualquer filme, disse-nos Pedro Borges na entrevista que deu ao Miguel Domingues: “Há alguns equívocos sobre essa questão. Se eu fosse mostrar-lhe os sítios por onde andou o João Canijo a mostrar o Sangue do Meu Sangue, não era muito diferente. De há 20, 22 anos para cá, os filmes passam nesse circuito de província. Todos os realizadores fazem muitas viagens, o Pedro Costa também faz muitas viagens para promover os filmes, vai ao Porto, a Viana do Castelo, a Faro, etc. A diferença é que o João Botelho fez mais e deu a cada sessão um carácter de acontecimento, por ser um filme sobre Fernando Pessoa e, especificamente, sobre o Livro do Desassossego. Esse é um método que pode ser episódico, mas o que é preciso é que haja bons filmes a ser exibido nesses locais e, entre esses bons filmes, filmes portugueses.“
Para tentar que essas salas espalhadas pelo pais tivessem programação de cinema recorrente e a baixos custos lançou-se em 2004 o projecto piloto da Rede do Cinema Digital. A ideia era simples, criar um sistema de partilha de filmes entre uma série de salas do país, sem que fosse necessário produzir cópias (não sendo igualmente necessário o transporte das mesmas de sala em sala), ou seja, haveria uma central que permitiria a descarga através da internet de filmes em qualquer cine-clube ou cine-teatro do país, tudo em alta definição. O projecto piloto foi lançado em Tavira, Tondela, Universidade Católica do Porto e Lisboa (Tóbis – para monitorização e controlo técnico). O investimento foi de cerca de 350 mil euros. Desde 2004 até há dois anos pouco se terá feito, mas durante o mandato de Gabriela Canavilhas uma proposta de lei com vista à concretização dita rede foi organizada, mas como quase tudo o que tinha que ver com cinema não chegou sequer a Conselho de Ministros. Com a queda do governo PS, o desmantelamento do ministério da cultura e a situação de austeridade que assombra o pais, nada de bom se augura quanto a este projecto.
Mas certamente podemos considerar alternativas, ideias? alguém? Olhemos para o caso da Argentina. Da mesma forma o português, o cinema argentino tem mais sucesso no estrangeiro do que dentro de portas; vários são são cineastas que já receberam atenção dos mais variados festivais do mundo – Alonso e Martel são dois dos nomes mais salientes. Essa situação deve-se a dois problemas: reduzido número de salas – em especial nas zonas menos urbanas – e o domínio das majors americanas na distribuição e exibição. Se estivesse a descrever o caso português não falharia por muito. Que medidas implementaram eles para inverter tal situação? Entre várias podemos destacar duas: uma taxa sobre o número de cópias de filmes estrangeiros (quanto mais cópias tem um filme mais paga) e o apoio ao restauro e construção de cinemas bairro. E é aqui que está a chave, voltar a introduzir o hábito de ir ao cinema e não de ir aos filmes, retirar as salas de dentro dos centros comerciais – que vendem bilhetes de cinema juntamente com o hambúrguer mais recente e o perfume mais cheiroso – e reintroduzi-las nos bairros onde as pessoas moram. Mas para que tal aconteça seria necessário vontade política e possibilidade de investimento, tudo coisas que escasseiam por terras lusitanas.
Mas no meio de tanto negrume há exemplos de boa vontade. Esta semana estreou, muito discretamente, um filme que ninguém esperaria, uma curta metragem, com sessões singulares numa sala do Cinema City Alvalade. Tem sido o hábito de acompanhar um filme pequeno por uma curta metragem [este ano tivemos Rafa (2012) de João Salaviza – curta que lhe dera o Urso de Ouro – a acompanhar Nana (2011) de Valérie Massadian], mas nunca acontecera que uma curta estreasse sozinha [apesar de tal solução ter sido apresentada por Luís Urbano aquando do sucesso de Canção de Amor e Saúde (2009) de João Nicolau, que acabou por estrear acompanhando o documentário Ruínas (2009) de Manuel Mozos]. O filme em questão é Ensaio (2012), realização de Dinis M. Costa, que foi seleccionada para o Short Film Corner do Festival de Cannes, e produzida sem qualquer apoio estatal. Como caso de estudo será interessante perceber de que forma é que não se encontra aqui uma solução de exposição ao público de filmes cuja divulgação seria sempre reduzida, no entanto percebemos que não há aqui um recém descoberto Graal, muito pelo contrário; casos esporádicos como estes fazem-nos crer que existem alternativas para a relação entre o cinema português e o público, mas, no fundo, todos sabemos que só os filmes poderão reatar tal namoro há muito quebrado. Mas para isso é preciso que se façam filmes…