Depois do sucesso de The Hurt Locker (Estado de Guerra, 2008), mais de estima – os seis Óscares, entre quais para Melhor Filme e Melhor Realizador, e os louvores da crítica; uma sintonia entre esta e a Academia pouco frequente – do que de público, Kathryn Bigelow ensaia uma espécie de sequela em Zero Dark Thirty (00:30 Hora Negra, 2012). “Sequela” não tanto pela repetição da fórmula do primeiro filme, mais pela tentativa de explorar um tema comum: a “Guerra ao Terror” levada a cabo pelos Estados Unidos depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001 (e, de certa maneira, ambos os filmes representam as sequelas dessa data – como demonstram as chamadas telefónicas logo ao início deste filme).
Para quem foi sempre mais dada à fantasia (à fantasia do cinema, entenda-se), esta aproximação a um realismo proto-documentarista (a câmara à mão, nervosa; os cortes rápidos) não será alheia à associação de Bigelow ao argumentista Mark Boal (que venceu o Óscar de Melhor Argumento por The Hurt Locker), um jornalista que esteve no Iraque com as tropas americanas e que tem escrito bastante sobre as diversas vertentes da dita “Guerra ao Terror”. Como todos já sabem, Zero Dark Thirty trata da perseguição a Osama bin Laden (aliás, o título refere-se à hora em que começou o ataque que haveria de resultar na sua morte) e do caminho tortuoso (palavra pouco inocente; já lá vou) que permitiu aos serviços secretos americanos apanhar o seu inimigo número um.
Num argumento baseado em depoimentos dos envolvidos, Boal e Bigelow avançam com uma agente da CIA, Maya, que encerra em si a obsessão de um país em encontrar bin Laden. Nada contra, o cinema dá-se melhor com o particular do que com o colectivo, mas essa personagem, interpretada por Jessica Chastain (sempre composta, apesar das olheiras e outras tentativas de a desfear), é apenas um veículo para uma história que se alastra por duas horas e meia sem grande rumo (às tantas, parece que toda a gente – e há uma catrefada de nomes sonantes no elenco – só se lembra do fito principal na última hora do filme). Culpa dos autores, que criaram uma protagonista esquemática; culpa da actriz, que recorre ao histrionismo para combater a letargia que se instala no filme. Alguns responderão que The Hurt Locker não era menos esquelético (no bom sentido) e que Bigelow é uma cineasta da acção (no melhor sentido), pouco preocupada com psicologias. É verdade e é uma das suas qualidades. No entanto, a obsessão de Maya apreende-se quase unicamente pelas falas das outras personagens e muito pouco pelas suas acções. Ou seja, Bigelow vai contra os seus próprios preceitos.
E não vale culpar Mark Boal de todos os males. À realização de Bigelow falta a tensão que deixava o espectador com os nervos em franja em The Hurt Locker (que pode ser considerado uma obra-prima do suspense) e que se pressente ligeiramente só em duas cenas de Zero Dark Thirty. Uma delas é a final (a outra, prefiro não a revelar), muito bem encenada, muito bem coreografada. E mesmo esta se torna lassa por se saber tão bem o resultado final. Não há surpresas, não há suspense. E como Bigelow nunca foi grande coisa em termos de história (e não é isso que se lhe pede), sobra pouco. Talvez a discussão extra-filme sobre os limites da legalidade da “Guerra ao Terror”: será a tortura um modo legítimo na persecução de terroristas? Uma questão que a série 24 já havia posto há uns bons anos e à qual Zero Dark Thirty acrescenta quase nada.
Zero Dark Thirty não é mau filme, mas sabe a pouco face às qualidades de uma realizadora como Kathryn Bigelow.