Berlim é longe como o … Esta não foi a melhor forma de começares, de novo. Eu pensei ir a Berlim, mas ouvi dizer que estava muito frio e não me apeteceu. Está melhor, mas ainda não chegaste lá e além disso não é verdade, mais uma tentativa. A situação financeira que disponho no momento não me permite deslocações além de Mérida, por isso estar presente nesta edição do festival de Berlim é mais um sonho molhado do que um desejo, no entanto, senhor leitor, não se preocupe que, do quentinho do meu robe, lhe direi o que por lá se passa. O cházinho de limão está quente e o bolinho de cenoura humidozinho, por isso está tudo pronto para começar. Dá-lhe.
Como a maioria dos nossos leitores não comparecerá também ao festival de Berlim decidi-me por uma escolha mais ecléctica, 8 filmes apenas, tentando fugir (mas nem sempre com sucesso) dos grandes nomes. Aviso já que aqui não entra Hong Sang-soo (com grande pena minha), nem Ulrich Seid (com pena proporcional), muito menos entram Gus Van Sant, Richard Linklater ou Steven Soderbergh (ai que o meu coração não se aguenta) e de certeza absoluta que o nome de Wong Kar-wai não será referido nesta antevisão mais do que para informar que é ele o presidente do júri desta que é a sexagésima terceira edição do festival. [Nem Jafar Panahi, Giuseppe Tornatore, Ken Loach, Jane Campion, Michael Winterbottom, nem mesmo Salomé Lamas que já teve bastante atenção na última edição do Doc Lisboa.]
Comecemos então pelo novo filme de Noah Baumbach, Frances Ha (2012) presente na secção Panorama Special. Baumbach é um senhor que surgiu ao olhos do mundo pelas suas colaborações com Wes Anderson, mais ainda porque quando o conhecemos a solo o resultado era estranhamente lúgubre para o que lhe conhecíamos das parecerias de escrita. Depois surgiram dois filmes que tomavam força da posição de destaque dos seus protagonistas, em particular exigindo desempenhos de actores de comédia em formatos aos quais não estão acostumados, Jack Black e Ben Stiller. A cada filme que Baumbach escreveu e realizou a minha simpatia por ele foi crescendo e por isso é agora, com grandes expectativas, que olho para esta mais recente investida por uma Nova Iorque a preto e branco.
O segundo filme que destaco é o mais recente título de Denis Côté. Filho querido do nosso IndieLisboa, Côté vem sendo seleccionado para o festival nacional em várias das suas edições, ora na secção competitiva, ora fora dela. De qualquer maneira foi lá que o descobri, através de Curling (2012) e Bestiaire (2012). Talvez tão pouco conhecimento não baste para encontrar um cineasta, mas a aposta está feita e Vic + Flo ont vu un ours (Vic+Flo Saw a Bear, 2013), presente na competição oficial, é a minha. Igualmente pouco conhecido (por mim e pelo mundo) é Travis Mathews que desta vez se faz acompanhar pelo actor James Franco também na realização. Descobri Mathews na minha cobertura ao Queer Lisboa para o À pala de Walsh através de dois filmes: In Their Room: Berlin (2011) e I Want Your Love (2012); à altura afirmei que o primeiro fora o melhor filme que vira no festival e não minto se disser que foi dos filmes mais interessantes que vi o ano passado. O novo projecto tem tudo para conquistar: uma média-metragem, exibida na secção Panorama, que inventa os 40 minutos de filmagens demasiado explícitas de Cruising (A Caça, 1970) de William Friedkin que foram cortadas com vista a tornar exibível o filme sobre a investigação de um polícia na cena dos clubes de sadomasoquismo gay na Nova Iorque nos anos 70. E já agora, chama-se Interior. Leather Bar. (2013).
Por seu lado David Gordon Green é um realizador que mal conheço mas que me deixa muito pensativo. Como pode juntar-se no mesmo indivíduo a força criativa para fazer tanto George Washington (2000) e pouco depois Your Highness (2011). É aquilo que se chama fazer pela vida… Depois do interregno de cinco anos dedicado a comédias de gosto dúbio no centro da máquina trituradora dos estúdios, Green regressa às origens com Prince Avalanche (2013), seleccionado para a competição oficial; a ver vamos. Em sentido oposto temos James Benning, que aparece no festival com Stemple Pass (2012) na secção Forum, mostrando-se intransigente como sempre. Desta vez o projecto é mostrar uma paisagem, árvores e uma cabana, em quatro planos fixos de 30 minutos, um para cada estação. A acompanhar essas imagens temos a voz do realizador a ler escritos de Ted Kaczynski, um terrorista anti-tecnologia. Se fossemos a Berlim, este seria o filme de domingo de manhã, a fazer as vezes da missa. Benning, Ámen.
A presença portuguesa faz-se, entre outros, com João Viana, com a curta Tabatô (2012) na competição oficial de curtas metragens e com a longa A Batalha de Tabatô (2013), que se lhe seguiu, presente no Forum. João Viana é um realizador a residir em Berlim onde pela primeira vez ouviu falar da Tabatô, uma aldeia na Guiné-Bissau onde os músicos alemães (e de outras partes do mundo) iam aprender a tocar jambé, algures entre o documentário e a ficção, o díptico pinta-se de preto, branco e vermelho. A drobradinha ficava bem à hora de almoço e depois podíamos comer uma sobremesa docinha pela mão de António Lopes Ribeiro e Max Nosseck, realizadores de um dos primeiros filmes sonoros em Portugal, Gado Bravo (1934). O filme é exibido na secção de retrospectiva do festival num ciclo denominado The Weimar Touch, sobre a influência dos realizadores e técnicos do cinema da república de Weimar que fugiram com a ascenção do regime Nazi a partir de 1933.
Por fim, não posso fugir a Bruno Dumont e ao seu novo filme Camille Claudel 1915 (2012) com Juliette Binoche no papel principal (em competição). Esta é a primeira vez que o realizador faz um filme de época, Camille Claudel é a irmã do poeta Paul Claudel que foi internada num hospício no início do século passado por episódios de paranóia. Com base nas cartas que os dois irmãos trocaram Bruno Dumont filma a vida da enferma juntamente com a dos outros pacientes (de novo recorre a actores não profissionais). O realizador que já venceu por duas vezes o grande prémio do júri em Cannes está pela primeira vez seleccionado para o festival alemão. Do mais próximo herdeiro de Carl Theodor Dreyer e Robert Bresson só espero uma obra-prima, com certeza não será esperar demais.
P.S.: Joshua Oppenheimer estará também presente no festival com o filme The Act of Killing (2012). Não conheço o realizador para lhe poder dedicar duas sinceras frases, por isso digo apenas que se não fosse Berlim tão longínqua e fria, marchava já.