Antes da entronização como o grande cómico americano, Louis C.K. errou por pequenos clubes de comédia e muitos programas de televisão – nos quais integrou a equipa de escritores (por vezes chefiando-a): participou na criação de Late Night with Conan O’Brien e escreveu para The Dana Carvey Show e The Chris Rock Show. Para lá da semi-obscuridade deste trabalho de bastidores (C.K. foi durante muito tempo um comedian’s comedian), encetou também uma carreira como realizador de curtas-metragens, não menos ignorada (boa parte desta obra encontra-se no seu canal de YouTube).
Antes da entronização como o grande cómico americano, alcançada através dos espectáculos de comédia Shameless e Chewed Up (provavelmente as suas maiores criações) e da série de televisão Louie, errou tremendamente duas ou três vezes: quando foi o head writer de The Dana Carvey Show (um fracasso absoluto, como conta ao seu amigo e também comediante Marc Maron, numa entrevista radiofónica em que fala sobre toda a carreira), quando escreveu e realizou Pootie Tang (2001), uma longa-metragem baseada numa personagem da série de Chris Rock (um fiasco que ganhou ao longo dos anos o estatuto de filme de culto), quando criou, escreveu, produziu e protagonizou Lucky Louie, uma sitcom para a HBO (a primeira da estação por cabo), muito mal recebida pela crítica, cancelada após a primeira temporada (ficando até um episódio por exibir).
Exibida em 2006, Lucky Louie foi o ponto de viragem da carreira de Louis C.K., o seu último fracasso no dealbar do merecido sucesso. Neste artigo na SplitSider, Roger Cormier escreve que o Louis C.K. que conhecemos não teria existido não fora por mais este passo em falso, uma vez que o próprio C.K. admite que se a série tivesse continuado no ar, teria desistido do stand-up (e, muito provavelmente, Louie nunca teria existido). É, portanto, complicado defendê-la. Para mais, Lucky Louie emula as sitcoms de estúdio (em cenários mal acabados), filmadas com várias câmaras (quando o que estava e está na moda é usar apenas uma, cinematograficamente), com gargalhadas (no caso, não-enlatadas), que dominaram o panorama televisivo até aos anos 90 e, a partir de certa altura, foram consideradas obsoletas (pelo menos, artisticamente), últimos redutos da comédia mais popularucha: Two and Half Men e The Big Bang Theory, por exemplo. Ajuda pouco que as personagens sejam todas de classe média baixa, white trash com vidas deprimentes, entre o trabalho manual e o bar para beber uns copos, entre o ramerrão dos problemas conjugais (o casamento de C.K., em que muitas das situações se baseiam, não durararia muito mais) e nenhuma perspectiva de um futuro mais risonho.
Esta empresa de C.K. poderia considerar-se mais um acesso de pós-modernidade, só que o comediante criou Lucky Louie assim por amor ao formato popularizado em All in the Family e outras séries do género – e, como estas, era gravada diante de um público (e os actores tinham de interagir com este, aguardar pelo fim dos risos, jogar com o ritmo das piadas) -, contra a comédia escrita por “licenciados de Harvard que odeiam pessoas” (palavras do próprio a Maron). Ou seja, nunca procurou um efeito distanciador ou irónico (ou tentou “comentar” o facto de estar a fazer uma sitcom) – embora cause estranheza ouvir palavrões e ver temas tabu aflorados dentro deste rígido registo; houve até quem comparasse a série àquele segmento sitcom de Natural Born Killers (Assassinos Natos, 1994) com Rodney Dangerfield (esse, sim, um exemplo claro da pior “pós-modernidade”) -, antes a recuperação dessa comédia popular (feita para o povo). Para lá do insucesso (as fracas audiências, o cancelamento), Lucky Louie não terá sido uma experiência artística particularmente gratificante para Louis C.K.: cansou-se dos muitos ensaios, da rigorosa encenação, das constantes rescritas dos argumentos (ao contrário do que desejava, a série tinha uma equipa de escritores, comandada pelo showrunner Mike Royce, vindo de Everybody Loves Raymond, o que implicava seguir, mesmo que inconscientemente, certas regras “universais”). A liberdade, para não escrever anarquia, de Louie começou aqui.
Apesar de tudo – do formato errado, da estranheza, de ser demasiado “televisivo”, da tentativa ser talvez mais interessante do que o resultado -. Lucky Louie tem todos os traços da comédia de Louis C.K.: mesmo disfarçada no mecânico remediado sempre à rasca por dinheiro, a persona Louie (assim se chama a personagem, para não haver dúvidas) está presente, assim como a auto-ironia, as histórias de vida (muitas piadas vêm dos espectáculos de comédia), a exposição total de pecados e pecadilhos (a obsessão pela masturbação, o medo de não ser um cidadão “normal”). Ultrapassada a surpresa, o tele-espectador reconhece o comediante de eleição. Depois, há os excelentes secundários, uma trupe de stand-up comedians (com destaque para Jim Norton e Rick Shapiro) que acrescenta verrina à série, acompanhada pela soberba Pamela Adlon (que C.K. recuperaria para Louie). Lucky Louie não é um esboço de Louie, mas algo completamente diferente, e nalgumas coisas ser-lhe-á porventura superior (na estrutura, por exemplo; para todos os grandes momentos da série mais recente há outros tantos falhados).