Jeff Nichols, natural do Arkansas, com apenas 34 anos, volta a mostrar com Mud (Fuga, 2012), sua terceira longa-metragem, a sua principal qualidade enquanto cineasta: a falta de cinismo. Em Shotgun Stories (Histórias de Caçadeiras, 2007), no seu estilo lento, por vezes truculento, Nichols narrava a certeza de um ódio familiar aos meios irmãos após a morte do pai. No seu filme seguinte, Take Shelter (Procurem Abrigo, 2011) era o pai de família, Michael Shannon, quem tinha a certeza apocalíptica da vinda de uma tempestade e por isso construíra para si e a sua família um abrigo. Em Mud, a certeza pertence à sua personagem homónima, desempenhada por Matthew McConaughey, refugiado (um outro abrigo) numa ilha do Mississippi a viver num barco no cimo de uma árvore. Que certeza é a sua? A de que a sua namorada Juniper (Reese Witherspoon) irá juntar-se a ele e ambos poderão partir de barco para longe dos que ameaçam o seu amor.
Se este idealismo surge incompleto e redondo, ele parece assinalar a marca do próprio romantismo da mise-en-scène de Nichols que, ao instalar-se num drama sulista sobre a adolescência, com raízes em Mark Twain, não se importa de pisar terrenos mais convencionais. Sobretudo na sua parte final, quando a evolução das personagens tem de redundar num desfecho concreto, à la Peckinpah (são palavras do realizador, não minhas). Mas enquanto não chegamos lá, é a certeza de Mud, a crença no amor, aquilo que cativa Ellis (Tye Sheridan) e o impele a ajudá-lo. Se o crescimento de Ellis, entre Holden Caulfield e Tom Sawyer, é feito sempre entre a destruição do barco onde vive com o pai e a mãe e a reconstrução do barco de Mud, entre a desagregação da sua família e a reunião desse seu “outro pai” com a sua amada, há uma linha ténue que é trabalhada pelo cineasta na relação entre os dois. A personagem de McConaughey é o pai, pela forma agradecida e compreensiva como vai estabelecendo a relação com o rapaz, mas também é a ameaça – há um lado sinistro que vai sendo construído com o medo das crianças a evocar a presença de Mitchum em The Night of the Hunter (A Sombra do Caçador, 1955).
Diga-se que Mud é o filme mais claro de Nichols. Clareza naquilo que significa filmar a sua própria casa, talvez as suas próprias experiências de adolescência. Nelas está a cor do Arkansas, o medo das cobras, o rio omnipresente, o ritmo sempre diário da aventura, mas também os motores, as peças de barco, os mergulhos, a violência escondida entre os pais. Deste retrato faz parte não só o sintoma visual da certeza de que falava – o extraordinário olhar adulto dos heróis do protagonista Tye Sheridan -, mas também um conjunto de secundários bastante comprometidos: o amigo de Ellis, Neckbone (Jacob Lofland), o seu tio (o sempre presente nos filmes de Mickols, Michael Shannon), o pai do homem que persegue Mud é Joe Don Baker [Cool Hand Luke (O Presidiário, 1967)] ou ainda Sam Shepard de Paris Texas (1984).
Tudo isto somado: a ideia de pureza, o romanesco solar, o crescimento das personagens, os actores como grupo de família, os exteriores livres, desculpam um argumento que por vezes se explica em demasia e justificam continuar a seguir Jeff Nichols como cineasta norte-americano “crente”. Ou isso é uma redundância?