While We’re Young (Enquanto Somos Jovens, 2014), o filme anterior de Noah Baumbach, não foi especialmente bem recebido. E, se não mereceu recepção tão dura (ou, melhor dizendo, tanto desprezo), não era realmente caso para grandes entusiasmos. No fundo, era uma versão relativamente “normalizada” (de meia-idade) da obra recente do realizador nova-iorquino – o ponto de vista e o ponto de chegada era o do casal de interpretado por Ben Stiller e Naomi Watts, numa visão um tanto cínica sobre a juventude. Faltava-lhe a frescura de Frances Ha (2012). Faltava-lhe sobretudo Greta Gerwig.
Apesar de ser oficialmente o último filme de Baumbach, Mistress America (2015) foi rodado logo a seguir a Frances Ha. E, tal como neste, Gerwig cumpre as funções de co-argumentista e protagonista. Até a sua personagem é semelhante, embora o retrato surja agora mais desfeado, mais cruel. Se se pensa em leveza em relação a estas duas obras, a visão sobre a juventude (no sentido lato dos “trinta são os novos vinte”) não é menos cínica do que em While We’re Young. Porventura, é mais angustiada, mais perturbante. Greta Gerwig, aliás, é espantosa no modo como se entrega à câmara de Baumbach, não se importando de aparecer destrambelhada, patética, triste. É raro um actor deixar-se “humilhar” assim.
Mas, ao contrário de Frances Ha, ela não está sozinha. Mistress America é tanto sobre si como sobre a personagem de Lola Kirke, uma aspirante a escritora fascinada pela persona de Gerwig, que contudo vê perfeitamente os seus defeitos e falhas, mal escondidos por trás de mil e uma actividades mais ou menos inconsequentes. Para quem é dado à especulação, Kirke representa o olhar do autor cuja dificuldade em sair do posto do observador (do espectador) é exactamemte aquilo que lhe permite trabalhar sobre as misérias e insuficiências dos outros (e também ser um bocadinho auto-condescendente). Ou seja, representa de alguma forma o realizador, é uma espécie de alter-ego de Baumbach. (Não se conclua, no entanto, que a personagem de Greta Gerwig “é” Greta Gerwig.)
É desta tensão entre as desgraças da vida e as gargalhadas que provocam, entre a estrutura clássica do cinema norte-americano e as liberdades das novas vagas europeias, que nascem os melhores filme de Baumbach.
Mas volto ao tema da leveza. Tirando um caso ou outro [estou a pensar no algo cinzento Greeenberg (2010)], o cinema de Noah Baumbach jamais foi tão pesado quanto os temas que aborda. Nem mesmo The Squid and the Whale (A Lula e a Baleia, 2005) e Margot at the Wedding (Margot e o Casamento, 2007), sobre a relação complicada com cada um dos seus progenitores, saíam de um certo registo de comédia de absurdos. Em Mistress America, o contraste entre o conteúdo zangado (e só mais tarde melancolicamente apaziguado) e a forma esfuziante da revisitação moderna ao screwball dos anos 30 e 40 é ainda mais gritante.
Aquando da estreia de She’s Funny That Way (Ela é Mesmo… o Máximo, 2014), falou-se dessa recriação da comédia screwball como um regresso à forma de Peter Bogdanovich. Assim como se comentou a sua ascendência nas obras de Baumbach e Wes Anderson, ambos produtores do filme. Os elogios pareceram-me excessivos: She’s Funny não é propriamente um What’s Up, Doc? (Que Se Passa Doutor?, 1972) ou um Noises Off… (Apanhados no Acto, 1992). Mais, se o comparamos a Mistress America, Baumbach suplanta claramente o mestre.
Mistress America é construído à volta de uma genial sequência de cerca de trinta minutos passada no Connecticut (o resto da acção faz-se em Nova Iorque). Mais especificamente, numa casa enorme de um casal endinheirado, a qual as personagens do filme invadem: além de Brooke (Gerwig) e Tracy (Kirke); o ex-namorado e a ex-melhor amiga de Brooke (que perfazem o casal endinheirado); o rapaz pelo qual Tracy está apaixonada e a namorada dele (muitíssimo ciumenta); um vizinho chato (interpretado por Dean Wareham, autor da banda sonora) e uma vizinha grávida que o marido não vem buscar. À boa maneira da “comédia de portas”, esta gente entra e sai do plano numa frenética aleatoriedade que não é mais do que a vontade férrea do encenador (a sequência é absolutamente teatral), juntando-se (sentando-se) toda para o clímax (como se vê no fotograma acima). Os diálogos são rápidos e fulminantes. As situações complicam-se umas em cima das outras até à explosão final.
O filme valeria só por esta sequência. Qualquer um valeria. Noah Baumbach moderniza uma arte esquecida com justeza e graça. Não se limita a (nem pretende) ser apenas engraçadinho, por muitas piscadelas de olho que vá dando ao espectador. De resto, é desta tensão entre as desgraças da vida e as gargalhadas que provocam, entre a estrutura clássica do cinema norte-americano e as liberdades das novas vagas europeias, que nascem os melhores filme do realizador. Mistress America é um deles.