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“O Convento”: quando Manoel de Oliveira fez cinema de terror ‘camp’

De Ricardo Vieira Lisboa · Em 6 de Setembro, 2022

Os elementos de fábula, de fantasia e mesmo de terror são algumas das dimensões menos exploradas da obra de Manoel de Oliveira (juntamente com o seu humor). O Convento (1995) é o filme de Oliveira onde essa combinação de géneros aparece de forma mais declarada, ainda que já estivesse presente em filmes anteriores. Se Os Canibais (1988) partia de um conto de Álvaro do Carvalhal de assumida inspiração gótica e A Caixa (1994) participava da mesma aura da fábula moral de Aniki-Bóbó (1942), em O Convento a dimensão terrorífica (acentuada pela obsessão de Agustina pela prática comezinha da maldade quotidiana – “o mal é uma condição do prazer e o prazer é um elemento satírico”) reduz-se a uma luta pós-teológica (ou pós-nietzschiana – após A Divina Comédia [1991]) entre o sagrado e o profano, ou como o resumiu Maria João Madeira, “O demónio e o anjo encontrar-se-ão e perder-se-ão na floresta assombrada dos chamamentos perigosos, o sorvedouro dos instintos (…).”

O Convento (1995) de Manoel de Oliveira

A história desta “adaptação” de um romance de Agustina Bessa-Luís é longa e tão retorcida como os troncos da floresta jurássica onde as almas dos puros se entregam à tentação. Não cabe neste texto, sobre os caminhos do cinema de género presentes em O Covento, uma revisitação desse episódio, que quase pôs fim à parceria criativa Oliveira-Agustina. Interessa-me, sim, percorrer os modos como a partir de uma sugestão do realizador, à qual a escritora deu (uma primeira) forma e, mais que isso, um tom, Oliveira teve a intuição de descobrir no rascunho do romance As Terras dos Risco um filme de terror proto-camp.

O dado mais evidente desse entendimento de género reconhece-se no diálogo que o realizador estabelece com Friedrich Wilhelm Murnau, nomeadamente com Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (Nosferatu, 1922) e Faust: Eine deutsche Volkssage (Fausto, 1926), isto é, as imagens canónicas na história das imagem em movimento do que é o mal, o diabólico, o mefistofélico. Em particular, na sequência do beijo noturno de Michael a Piedade dormindo, a citação a Murnau é direta e declarada (o mesmo enquadramento, o mesmo jogo expressionista de luzes e sombras). Em entrevista ao jornal O Diabo, em novembro de 1995, o realizador afirma: “de certa forma o Nosferatu (…) está no Fausto e depois estará n’O Convento” e noutra, a Sérgio Andrade (para o jornal Público, em setembro de 1996), juntamente com Agustina, acrescenta “mas quem lá meteu o Diabo foi a Agustina, não fui eu. E é claro, tudo vem daí.” Ao que returque a escritora, “O Diabo hoje está em toda a parte”.

É por vezes risível, certo, é até camp de uma forma sisuda (o que é uma contradição nos termos). Sim, é isso tudo. E exatamente por isso é um filme estranhíssimo (como são os melhores), onde evidentemente Manoel de Oliveira está fora de pé. Essa instabilidade é o ingrediente secreto que destrona uma certa tendência didático-monumental que afeta alguma da obra do realizador.

Outra manifestação desse entendimento reflete-se na forma como as personagens que Agustina inventou se mesclam e fundem no livro, enquanto que Oliveira as desmultiplica e as divide no seu filme. O Baltar de Agustina passa a ser dois: Baltar, interpretado por Luís Miguel Cintra e Balthasar, interpretado por Duarte de Almeida (vulgo João Bénard da Costa) – num duplo trocadilho, nos nomes das personagens, e na escolha de Bénard da Costa para anfitrião da Arrábida em clara alusão ao conhecido amor do diretor da Cinemateca Portuguesa por aquela serra e os seus mistérios. Já a Piedade de Agustina verte-se em Piedade, no corpo de Leonor Silveira como “curadora de arquivos”, e em Berta, a criada mística, interpretada pela conhecida astróloga brasileira Heloísa Miranda. Esta divisão das personagens em duas traduz, numa primeira instância, a compreensão volátil e instável das personagens de Agustina, muitas vezes contraditórias e avessas aos seus próprios atos e pensamentos. Depois, é uma operação que permite dividir para apurar. Retirando a Baltar a componente de cicerone (como se auto-intitulou Bénard da Costa em múltiplas reminiscências dessa rodagem), sobra-lhe apenas a dimensão mefistofélica. Ao colocar em Berta aquilo que Agustina tinha atribuído a Piedade de “mulher moderna” (mística, feminista e que diz palavrões), reduz a personagem de Leonor Silveira à pura inocência angelical (à manifestção cristalina do “sagrado femino”).

Este método reduz as contradições próprias de todas as personagens da escritora e torna-as mais arquetipais, segundo um modelo mais oliveiriano – ou como o põe, sucintamente Pedro Ludgero, “aos actores é-lhes mesmo atribuída uma peculiaridade funcional que afasta o conceito limitado de ‘personagens’ (…) [n]a personificação do Bem e do Mal como se fossem ‘personagens-conceito’”. De qualquer forma, estas desmultiplicações das personagens encontram a cristalização perfeita quando Oliveira confunde, ativamente, o espetador (em plano subjetivo de Michael), as atrizes e as personagens femininas, caracterizando Leonor Silveira como a Hélène de Deneuve. Essa aparição metamórfica literaliza (num só plano e num simples sorriso cândido para a câmara) aquilo que em Agustina é uma complexa teia de referentes, provocações e caprichosos desvios.

Já o lado satânico, na relação com o território, como forma de trocadilho sacrílego, é interpretado por Oliveira de formas bem explícitas e que passam, mais uma vez, por um jogo de referências, desta feita com o universo dos géneros do cinema, nomeadamente o do terror e o da comédia (em particular, a comédia de portas, literalizada pela dança das luzinhas de mesa de cabeceira que esclarece, logo no início, tudo o que era preciso saber sobre o desacerto matrimonial do casal Michael/Hélène). Ou exatamente o seu contrário, uma frustração das expetativas desses mesmos géneros, como apontou o crítico Jonathan Kiefer, “nem afinal é a negríssima farsa doméstica, nem dificilmente é o filme de terror. (…) Algures entre o expressionismo clássico e a não propositada fragilidade camp” ou Adrian Martin, que o vê como “parte fábula religiosa, parte filme de terror manhoso [cheap] (…) [feito de] piadas sobre o [próprio] jogo da narração.”

No que ao cinema de terror e série b diz respeito, o tom é imediatamente dado pelo primeiro plano, de um portão que se abre por artes tecnológicas, que correspondem à versão motorizada dos filmes de casas góticas em que os portões se abrem (e se fecham) por inspiração fantasmática: pense-se em Rebecca (1940), de Alfred Hitchcock, ou mesmo em Visita ou Memórias e Confissões (1982-2015), que começa num portão, atravessa um jardim, e entra por uma porta que se abre sozinha por ação do que ainda resta do “cerne palpitante” da árvore que lhe deu origem. 

Depois, o filme dança de novo com o macabro através da escolha da banda-sonora (composta, em parte, por peças de Toshirô Mayuzumi, de forte cariz soturno) e do modo como introduz uma série de elementos tipicamente pagãos e de rituais satanistas: a caveira de um carneiro, um pentagrama invertido (que produz dois cornos na cabeça de Luís Miguel Cintra numa das suas primeiras cenas – a que se junta a tintura capilar que caracteriza a personagem e a franja bifurcada que lhe preenche a testa), animais empalhados ou amputados, um trono com decorações góticas, iluminações vermelhas, uma cobra conservada num frasco de formol, uma floresta de troncos retorcidos, um esópico mocho observador e até uma oração em latim, para que não restassem dúvidas, “Satan ora pro nobis”.

É tudo excessivo, tudo no limite do ridículo, do cliché, do lugar-comum mais comum. É por vezes risível, certo, é até camp de uma forma sisuda (o que é uma contradição nos termos). Sim, é isso tudo. E exatamente por isso é um filme estranhíssimo (como são os melhores), onde evidentemente Manoel de Oliveira está fora de pé (geograficamente – a Arrábida não era, literalmente, a sua praia – mas também porque esta foi a sua primeira tentativa concretizada de se internacionalizar, chamando atores estrangeiros para os principais papéis, o que fez com que o filme fosse maioritariamente falado em inglês). Essa instabilidade que perpassa o filme é o ingrediente secreto que destrona uma certa tendência didático-monumental que afeta a obra de Oliveira nos seus piores filmes. Instabilidade essa que origina não só na escrita de Agustina como, de forma inusitada, nas pressões e atrapalhações que caracterizam a produção de Paulo Branco nesses anos 1990. Se para muitos outros realizadores, mais gelatinosos, essas areias movediças foram a sua desgraça, para o inamovível Oliveira foram as areias que felizmente emperraram a engrenagem literária, fazendo gangrenar um improvável filme de terror.

O Convento é exibido no MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa no dia 8 de setembro às 16h30 no Cinema São Jorge como parte da secção Quarto Perdido, este ano dedicada a Paulo Branco e aos filmes de terror que este produziu.

A propósito do décimo aniversário desta secção dedicado ao cinema de género português, o festival lançará, no dia 10 pelas 16h00, o livro “O Quarto Perdido do MOTELX“, com coordenação de Filipa Rosário e João Monteiro e com textos, entre muitos outros, dos walshianos Paulo Cunha, Sabrina D. Marques e Ricardo Vieira Lisboa.

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Ricardo Vieira Lisboa

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