Love is a breach in the walls, a broken gate,
Where that comes in that shall not go again;
Love sells the proud heart’s citadel to Fate.
They have known shame, who love unloved. Even then,
When two mouths, thirsty each for each, find slaking,
And agony’s forgot, and hushed the crying
Of credulous hearts, in heaven—such are but taking
Their own poor dreams within their arms, and lying
Each in his lonely night, each with a ghost.
Some share that night. But they know love grows colder,
Grows false and dull, that was sweet lies at most.
Astonishment is no more in hand or shoulder,
But darkens, and dies out from kiss to kiss.
All this is love; and all love is but this.
Rupert Brooke
Um homem e uma mulher falam directamente para a câmara, em tom confessional, como se estivessem deitados num divã de psicanalista. Ambos falam da sua relação com um terceiro ausente, Zach, a quem não é concedida a palavra. Momentos depois, vemos esse mesmo Zach com aspecto desolado, sentado no chão de uma sala vazia, numa casa desabitada. Tudo à sua volta parece indicar o fim de uma relação, uma separação. Mas estamos enganados. Na verdade, voltámos atrás no tempo, tudo se passa num momento anterior àquelas duas confissões e a ocasião é de alegria – Zach (Michael Ontkean) e a mulher, Claire (Kate Jackson), estão a visitar a que será a sua nova casa, ao fim de oito anos de casamento. A casa dos seus sonhos, com o sítio ideal para o piano e com lareira no quarto. A casa perfeita para o casamento perfeito, para o casal perfeito. Zach é médico, Claire uma executiva de um canal de televisão, ambos com gostos um tudo-nada antiquados, um gosto pelo cinema clássico, pela música de Gilbert e Sullivan, pela poesia de Rupert Brooke. E uma amizade com uma vizinha (desempenhada por Wendy Hiller) que se alimenta de velhos sonhos de amor.
Talvez este casamento seja demasiado perfeito. Depressa nos apercebemos de algo que Zach tem também vindo a enfrentar, a sua homossexualidade reprimida. Um dia, recebe no seu consultório Bart (Harry Hamlin), a outra personagem que havíamos escutado no monólogo confessional inicial. Bart é um escritor de sucesso, que vive a sua homossexualidade de forma aberta e que se afirma satisfeito com a vida solitária que leva. Quando Zach lhe diz que está casado há oito anos, Bart responde-lhe que ele, por sua vez, tem as mesmas botas há oito anos. É essa a sua concepção de fidelidade (ou, pelo menos, a imagem que ele pretende transmitir).
Arthur Hiller não deixa que o filme seja arrastado para a resolução fácil, para um final feliz que sirva os anseios das três pontas do triângulo, uma felicidade improvável que resolve todos os problemas.
O mundo que Claire e Zack pretendem construir é um mundo de romantismo exacerbado, de serões em frente à lareira, revendo, mais uma vez, An Affair to Remember (O Grande Amor da Minha Vida, 1957), com as deixas do filme recitadas a quatro vozes – Deborah Kerr e Cary Grant, Claire e Zach. O companheirismo entre Claire e Zach resulta também de uma vontade de construírem uma relação que fuja aos exemplos pouco inspiradores dos seus progenitores. Quando testemunhamos um jantar de família com os pais e o irmão de Zach, vemos a aspereza e rigidez a que ele quer escapar. Sente-se na mãe de Zach que qualquer palavra por ela proferida durante o jantar constitui um enorme arrojo. Também Claire teve uma infância pouco feliz, marcada pelo abandono do pai (com quem mantém uma relação fria e esporádica).
Depressa descobrimos que também Bart é fã de cinema clássico, que consome na solidão do seu sofá e do seu projector – títulos como Cat on a Hot Tin Roof (Gata em Telhado de Zinco Quente, 1958) ou Raintree County (A Árvore da Vida, 1957). Uma das questões sempre presentes em Making Love (1982) é a honestidade e o jogo constante entre verdade e máscara. Isso não é menos válido para Bart. Apesar de ele querer vender a imagem do lobo solitário, de que se encontra plenamente satisfeito com o seu estilo de vida, reconhece-se nele uma insatisfação, uma carência de companheirismo e carinho e, tal como sucede com Claire e Zach, há um enorme romantismo que ele vai deixando escapar malgré lui. Por exemplo, quando diz a Zach, em tom jocoso, “years from now, when you talk about this, and you will, be kind“, citação que Zach não dá sinais de reconhecer. Ela provém de um outro filme com Deborah Kerr, Tea and Sympathy (Chá e Simpatia, 1956), de Vincente Minnelli. Apesar do tom de gracejo, é difícil acreditar que este filme em particular, em que a concepção de masculinidade e a homossexualidade são temas fulcrais, seja tratado por Bart com leviandade. Aquela ligeireza não será mais do que uma máscara de Bart.
Zach começa a explorar aquilo que ele apelida de seus “mistérios”. Cedendo a um impulso, convida Bart para jantar, acabando os dois por passar a noite juntos. Zach começa então a viver neste triângulo amoroso, em que as outras duas pontas (Claire e Bart) nunca se tocam, nem mesmo chegam a conhecer-se. A sua proximidade encerra-se naqueles monólogos iniciais, em que as suas vozes são justapostas. Entretanto, Claire vê-se confrontada com aquilo que parece ser um eight-year itch – as ausências de Zach que se vão repetindo, a secretária que lhe transmite, novamente, que ele não se encontra nem em casa, nem no trabalho, ou que terá que cancelar o jantar. A casa que eles habitam, que era a casa dos seus sonhos, acompanha o evoluir da relação em sentido inverso – à medida que o casamento começa a desintegrar-se, a decoração da casa vai começando a assumir forma acabada. Os quadros comprados durante a lua-de-mel encontraram o seu lugar nas paredes nuas e as caixas de cartão que serviam de mesas de cabeceira foram, entretanto, substituídas por móveis de madeira.
Making Love não foi certamente o primeiro filme saído de Hollywood a abordar o tema da homossexualidade, mas é singular pelo facto de abordar esse tema com assinalável lucidez e como questão determinante do filme, sendo certo que, anteriormente, esse tema vinha sendo abordado como um comportamento marginal ou como um tema acidental, em filmes como Cruising (A Caça, 1980), Midnight Cowboy (O Cowboy da Meia-Noite, 1969) ou Dog Day Afternoon (Um Dia de Cão, 1975). É também de inteira justiça mencionar um outro filme estreado no mesmo ano: Victor Victoria (Victor / Victoria, 1982), de Blake Edwards, que nos relembra que, por vezes, uma boa dose de verve e humor são os ingredientes certos para falar de coisas sérias. Esta abordagem tímida de Hollywood contrasta, no entanto, com a maturidade de filmes britânicos precedentes, como Victim (1961), de Basil Dearden, ou Sunday Bloody Sunday (1971), de John Schlesinger. Numa entrevista concedida aquando do lançamento do filme, Arthur Hiller referia que foi justamente sua intenção abordar o tema de forma inovadora, limpando o contexto de quaisquer outras condicionantes – as três personagens principais são pessoas bem sucedidas, integradas no seu meio social e laboral -, um pouco à semelhança do que Stanley Kramer havia feito em Guess Who’s Coming to Dinner (Adivinha Quem Vem Jantar, 1967), em que procurava ver como uma família idílica (as “pessoas de bem”) lidaria com o racismo na realidade, sem amortecedores teóricos. E, diga-se, talvez Arthur Hiller tenha obtido melhores resultados. Em Making Love, o foco vai inteiramente para o tema da homossexualidade e as dificuldades de Zach em assumir a sua orientação sexual (aliás, mesmo Brat, que não padece das mesmas inibições, é reticente em dizer simplesmente “I’m gay.“), mas o seu envolvimento com Bart não é filmado de forma diferente de uma relação heterossexual. Na verdade, há no filme um nível de frontalidade ausente mesmo em filmes ulteriores, de que o exemplo mais óbvio será Philadelphia (Filadélfia, 1993), onde existe um excessivo pudor em demonstrar manifestações de carinho e amor entre dois homens.
Mas voltemos à narrativa de Making Love. Será chegado o momento em que Zach finalmente consegue ter a adiada conversa com Claire, revelando-lhe a descoberta que fez sobre si próprio e admitindo o falhanço da sua relação (ele, capaz de ter conversas duras com os doentes oncológicos que acompanha, mas incapaz de falar francamente com a sua mulher). Claire não consegue aceitar a traição e a mentira, sendo especialmente cruel para ela o facto de chegar à conclusão de que não conhece verdadeiramente o seu maior amigo, a pessoa que pensava melhor conhecer, o que a leva a tentar encontrar justificações para esse divórcio de almas, algo a que ela não tenha estado atenta e que tenha levado o elo existente entre eles a deteriorar-se.
Finalmente, a reacção de Claire é de tentar agarrar-se a alguma réstia de casamento. Ela admite mesmo que a relação deles continue a existir, apesar de não poder ser mais do que um casamento amputado. O que Claire parece propor é aquilo que poderá ser um casamento “confortável” – sem grande entusiasmo, sem paixão, sem sexo, apenas com uma amizade estreita. É um pragmatismo triste, um acomodar-se ao melhor possível nas circunstâncias. Zach tem a lucidez necessária para fazer ver a Claire que aquilo que ela propõe não seria justo para qualquer um deles, seria viver uma outra mentira. Fica também claro, nesse momento, até que ponto Claire se sente só, uma solidão que ela pretende um dia completar com o nascimento de um filho, aquele que seria o descendente directo da admiração que ambos nutrem pelo poeta Rupert Brooke. Por outro lado, há a enorme frustração de Claire que, trabalhando de forma apaixonada, sendo uma executiva de sucesso (ainda que tendo que suportar o tratamento condescendente dos seus superiores, aliado a uns quantos “honey” e “sweetie”), se vê forçada a reavaliar o seu empenho no trabalho e no casamento. Se Claire e Zach brincavam com o facto de Claire ser o breadwinner da família, a piada deixa de ter piada quando ela conclui que esse poderá ter sido um dos motivos do fim da relação, que o distanciamento entre eles foi crescendo em virtude do tempo e do esforço que ela foi consagrando ao trabalho.
A proposta de Claire acaba por ser mais reveladora daquilo que poderiam ser as suas expectativas quanto a uma relação conseguida e daquilo que é, para ela, um companheiro – a pessoa com quem ela pode partilhar tudo, a pessoa que sempre a acompanha e compreende, a pessoa com quem ela tem uma comunhão intelectual. Ela percebe, naquele momento, que está a despedir-se da sua alma-gémea e, por isso, tenta conservá-lo com todas as suas forças, mesmo que tal signifique prescindir de uma parte da sua felicidade.
Arthur Hiller não deixa que o filme seja arrastado para a resolução fácil, para um final feliz que sirva os anseios das três pontas do triângulo, uma felicidade improvável que resolve todos os problemas. O reencontro, anos depois, de Claire e Zach é de um enorme desencanto, ficando a clara sensação de que nenhum deles conseguiu a felicidade que procurava (algo de mais notório no caso de Claire) e também que a separação significou, para cada um deles, perder o seu melhor amigo. A relação ideal só existia, afinal, nos clássicos do cinema que partilhavam. Olhando uma última vez para o triângulo Claire-Zach-Bart, sentimos que foi Claire quem jogou e perdeu. Zach partiu para uma vida nova em Nova Iorque, com um novo companheiro. Bart escolheu ficar sozinho, mas admitindo, no futuro, uma relação monogâmica, com alguém capaz de o amar como Zach amou. Claire, apesar de se afirmar satisfeita com a sua nova vida e feliz com o seu novo companheiro (e o filho chamado Rupert), deixa transparecer um sentimento de resignação, um aceitar do melhor dos futuros possíveis. E o seu olhar, ao ver o carro de Zach afastar-se, é de um enorme desalento. “Love means never having to say you’re sorry.” – a frase não é de Making Love, mas de um outro (mais famoso) filme de Arthur Hiller, Love Story (História de Amor, 1970). O que quer dizer realmente aquela frase? Que nunca devemos magoar aqueles que amamos ou que, quando se magoa no amor e por amor, não há perdão possível, porque não havia escolha possível? Em Making Love, aquilo que fica do significado daquela frase é uma honestidade maior do amor, mesmo que isso signifique magoar. Pedir perdão não é possível, porque a acção não provocou o mal apesar do amor, antes provocou dor porque serviu uma honestidade de ordem superior e, por isso, não há perdão que possa fazer sentido.