Dare mo shiranai (Ninguém Sabe, 2004), que apresentou o cinema de Hirokazu Koreeda aos espectadores portugueses (e teve algum sucesso, o possível), já era sobre crianças e adolescentes às voltas com as más escolhas dos pais — a mãe deixava os filhos ao deus-dará e estes tinham de cuidar uns dos outros. Neste Kiseki (O Meu Maior Desejo, 2011), dois irmãos, muito chegados, separam-se quando os pais se desentendem e decidem viver longe um do outro.
Nunca se vê o momento dessa “pequena traição”. Quando o espectador entra no filme, é um facto consumado: Koichi, o mais velho, ficou com a mãe e com os avós maternos em Kagoshima; Ryu, o mais novo, foi viver com o pai, músico indie que ainda sonha com o estrelato, para Fukuoka. Ou seja, o espectador observa apenas as consequências, que, como as cinzas daquele vulcão em erupção que deixam tudo permanentemente sujo e obrigam a uma constante limpeza (um gesto quase automático, um ritual), são a marca indelével do que se passou. Na verdade, só Koichi toma como tragédia o divórcio dos pais, todos os outros — incluindo o seu irmão (que não aguentava as discussões) — parecem ter ultrapassado a situação; ele não, juntar de novo a família é o seu maior desejo.
Ao saber (sim, saber, que nestas idades o milagre é possível), por um amigo, que pedindo um desejo no sítio onde dois comboios de alta velocidade se cruzam este se concretiza, enceta uma viagem (uma aventura) que envolverá os seus amigos, o irmão (com quem vai comunicado por telemóvel) e as amigas deste. Cada um traz o seu desejo: um quer devolver a vida ao cão, uma quer correr mais depressa, outro quer que o pai deixe de jogar, outra quer ser actriz (Megumi, a quem é dada especial atenção e vai ganhando um quase protagonismo).
O espectador jamais saberá se algum desejo se concretizará — tanto os dos mais novos, como os dois mais velhos: Koreeda olha carinhosamente para o avô dos irmãos, que, depois da reforma, sonha com uma pastelaria sua, em que pretende confeccionar os bolos da sua meninice; para a avó, que só quer paz para fazer as suas danças; para aquele casal de velhotes solitários, que buscam uma família; para a mãe, que não quer ser caixa de supermercado para sempre e, depois de uma noite no karaoke, vislumbra uma nova felicidade; até para o pai, um tanto estouvado (eterno jovem), que ensaia todos os dias com os amigos. O espectador fica a saber, contudo, os que não se concretizam e a temer pelos outros, que a vida não é fácil para ninguém.
Kiseki é um retrato bonito, suave (como o sabor do bolo que Koichi estranhava ao princípio e de que vai gostando cada vez mais) e justo daquela altura em que as crianças se tornam adolescentes, em que aceitam que o impossível provavelmente não vai acontecer, em que deixam de acreditar nos sonhos (ou percebem que para os alcançar não basta querer muito). Quando os miúdos se despedem, cada grupo na sua plataforma da estação de comboios onde se encontraram, cada grupo destinado à direcção oposta à do outro, aprenderam que nem todos os desejos se concretizam, mais, que se deve saber bem que desejos pedir. É o fim da infância.