No dia seguinte ao desfecho de Breaking Bad*, a mais recente “melhor série de sempre” (as aspas não são exactamente sarcásticas, embora seja desconcertante a ligeireza com que se elegem os “melhores de sempre” de qualquer coisa – como padeço do mesmo mal, não posso criticar muito), escrever sobre The Newsroom parece(-me) quase retrógrado.
As séries de Aaron Sorkin têm sempre um recorte clássico, conservador até (apesar da liberal agenda do autor), e, nestes tempos em que se confunde a insistência em “temas fracturantes” – terrorismo, corrupção policial, assassinos em série fofinhos (sim, Dexter, estou a pensar em ti) e afins – e na pseudo-rebeldia, conseguida sobretudo através do triângulo sexo-drogas-violência (de que o canal Showtime, na altura em que passava Californication, Weeds e Dexter, era especialista), com uma qualquer maioridade da televisão (que, salvo as devidas e honradíssimas excepções, é mais pose do que outra coisa), destacam-se tanto como uma personagem de Whit Stillman num prédio de okupas. The Newsroom, embora seja emitida pela HBO e tendo, por isso, autorização para “dizer” palavrões (uns fucks aqui e ali, que na boca de Jeff Daniels e Emily Mortimer soam muito inocentes), não é excepção.
Por outro lado, nem sequer é a melhor série de Sorkin, antes a enésima repetição da fórmula que o argumentista americano levou para a televisão com Sports Night e apurou em The West Wing – diálogos inteligentíssimos, disparados à velocidade de um filme de Hawks, filmados muitas vezes com as personagens a andar (os famosos planos walk and talk, uma marca sorkiana); referências à cultura popular de outrora (por exemplo, as citações à obra de Gilbert e Sullivan); a incapacidade de algumas personagens, principalmente femininas, em lidarem com novas tecnologias (pelo que já foi acusado de sexismo); a pregação das mais altas virtudes da democracia americana (que atinge níveis capra-cornianos) em contraponto com a baixeza dos que a querem apoucar (o alvo, nos últimos tempos, tem sido naturalmente o Tea Party); grupos de pessoas moralmente superiores a trabalharem em conjunto para um bem comum (com a excepção de The West Wing, em que esse “bem comum” é mais claro, organizadas em equipas de programas de televisão – em Sports Night, um programa desportivo; em Studio 60 on the Sunset Strip, uma sitcom; em The Newsroom, um telejornal de uma cadeia de informação à CNN -; pessoas demasiadamente bonitas para serem complexadas com a própria beleza complexadas com a própria beleza (o caso de Olivia Munn em The Newsroom é gritante, o que não impede a personagem Sloan Sabbith de ser absolutamente deliciosa, provavelmente a mais bem conseguida); os prólogos com alguém a perder as estribeiras muito publicamente (numa repetida homenagem ao Network (Escândalo na TV, 1976) do herói Paddy Chayefsky]; os amores mal resolvidos entre duas pessoas completamente apaixonadas uma pela outra.
Pegue-se neste último item: a história de amor entre o argumentista Matt Albie (um alter ego de Sorkin interpretado pelo excelente Matthew Perry) e a actriz Harriet Hayes de Studio 60 é igualzinha à do pivot Will McAvoy (outro alter ego, encarnado por um dos grandes actores subvalorizados do cinema americano, Jeff Daniels) e da produtora MacKenzie McHale de The Newsroom. Aliás, as duas séries são muito parecidas (quase a mesma série), como se Aaron Sorkin se estivesse a vingar de lhe terem cancelado a primeira ao fim de apenas uma temporada. Já nessa altura, quando estreou Studio 60 em 2007, dizia-se por todo o lado que as séries de Sorkin, um dos responsáveis por esta ideia da golden age da televisão, considerado até um revolucionário quando lançou Sports Night (uma sitcom sem risos enlatados e com momentos dramáticos), eram sempre a mesma coisa, que esta nova sabia a requentado [a história de amor de Studio 60 lembrava muito a história de amor entre o pivot Casey McCall (Peter Krause, que seria protagonista de Six Feet Under) e a produtora Dana Whitaker (Felicty Huffman) de Sports Night] e ficava claramente a perder para a mais ligeira e divertida 30 Rock, estreada na mesma altura, cuja acção também se situava nos bastidores de uma sitcom.
The Newsroom não vem contrariar os detractores de Aaron Sorkin e muito menos essa ideia (que é, afinal, verdadeira). Neste sentido, descontando talvez o trabalho para cinema, que lhe valeu em 2011 um Óscar com The Social Network (A Rede Social, 2010) mas no qual não tem tanta liberdade – liberdade para ele, já que é uma espécie de tirano da sua própria obra, basta verificar quantos episódios das suas séries não são assinados por si (para aí nenhum) -, pode ser considerado um verdadeiro autor, à maneira dos cineastas clássicos (“como toda a gente sabe”, em televisão, o autor é o escritor e não o realizador, um funcionário ao seu serviço – vejam-se os casos de realizadores consagrados que filmaram episódios de séries sem deixarem qualquer marca). Pior do que tudo, é ainda mais requentado do que Studio 60. Pior do que tudo, a redacção de um telejornal é um local óptimo para Sorkin trasmitir as suas palestras políticas (ninguém lhe ensinou que a arte não serve para mandar mensagens). Pior do que tudo, Sorkin parece só extremar as suas idiossincrasias. Pior do que tudo, o episódio final da segunda temporada é xaroposamente feliz. No entanto, como com os cineastas clássicos, a obra de Sorkin é como uma boa feijoada. Reaquecida ainda é mais saborosa.
*Que ainda não vi. Fiquei-me pelo primeiro episódio, visto há uns tempos, de que não desgostei mas não me cativou o suficiente (obviamente). Dados os elogios, um dia destes tentarei outra vez. Sei bem que seriados de qualquer género não se avaliam pelos primeiros tomos.
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Pois é, será que as séries de TV são cinema, enquanto expressão artística, ou apenas enlatados de grande consumo?