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Belle de jour (1967) de Luis Buñuel

De João Araújo · Em 17 de Novembro, 2013

Buñuel deixou uma vasta obra à qual ninguém é indiferente, uma filmografia repleta de transgressão e imaginação irreverente que se estendeu por vários filmes, com abordagens únicas a diferentes assuntos. Um dos seus temas preferidos e recorrentes, a fronteira ténue entre a realidade e a fantasia, encontra em Belle de jour (A Bela de Dia, 1967), uma adaptação do romance de Joseph Kessel, a forma e história ideal para aprofundar esse confronto, aliado agora também ao combate entre a inocência e a perversão. Ao longo do filme, Buñuel joga com a percepção e as expectativas do espectador, enquanto este tenta fazer sentido do que vê.

É precisamente logo no início do filme, nas duas primeiras sequências, uma imaginada e outra real, que reside a chave do filme, onde é assumido o embate entre o campo da fantasia e o campo do real. O filme começa com um pacato passeio de carroça pelos bosques, do casal central ao filme (Séverine e Pierre), bruscamente interrompido quando o marido decide castigar a mulher, depois de esta recusar os seus avanços. Para isso recorre à ajuda dos cocheiros, que, seguindo as suas ordens, despem Séverine, amarram-na a uma árvore e chicoteiam-na – mas quando os gemidos de dor desta parecem transformar-se em prazer, algo parece estar deslocado. A sequência acaba precisamente no momento em que um dos cocheiros, depois de beijar as costas de Séverine, despe a camisa e Buñuel corta para a imagem de Pierre no quarto a abotoar a camisa, enquanto vemos Séverine deitada na cama ao fundo. Fica revelado que a primeira sequência era apenas uma fantasia, mas sinaliza subtilmente assim a contaminação da realidade pela imaginação, através de uma continuidade disruptiva.

A segunda sequência desvenda a realidade do quotidiano do casal, sempre em oposição à fantasia de Séverine, mas se a fantasia parecia demasiado real até certo ponto, é agora a realidade que parece quase uma fantasia, pela tangência ao caricatural e absurdo. O cenário parece uma sátira a uma pudica série de televisão americana dos anos 50, mostrando o quarto com camas separadas e o casamento ainda por consumar, um ano depois. O próprio diálogo reflecte esse exagero puritano, mas se Pierre repete os avanços que são igualmente rejeitados por Séverine, desta vez ele reage com compreensão e não de acordo com a fantasia de Séverine. A natureza violenta dessa fantasia sexual, onde ela é dominada e humilhada, contrasta com a realidade fria da sua sexualidade reprimida, o que explica mais tarde a sua curiosidade, quando numa conversa ouve sobre uma conhecida, que trabalha agora numa casa de prostituição.

Belle de jour indicia a vontade de Buñuel em explorar assuntos tabus e questões incómodas para a sociedade e o seu interesse pelo (pouco) discreto tédio da burguesia. Isso passa não só pelo masoquismo latente em Séverine, mas também pela liberdade proibida desta em poder procurar o que deseja. Será na tal casa de prostituição que visita timidamente a início, onde acabará a trabalhar, que irá aos poucos construir a própria sexualidade. Depois de rejeitar o primeiro cliente porque este quer ser dominado, o oposto do que Séverine procura, perderá as inibições e a culpa, mas sempre a tempo de chegar a casa para o marido não suspeitar de nada, assumindo uma perigosa vida dupla. Nesta indecisão entre os dois mundos, Buñuel utiliza a expressão glaciar de Deneuve para exibir a a beleza inacessível tornada mundana. Deneuve, que pouco antes em Repulsion (Repulsa, 1965) de Roman Polanski tinha sido um objecto de relação conturbada com os homens, torna-se aqui uma expressão em branco, de olhar impenetrável.

A realidade vivida por Séverine no bordel acaba influenciada pelas suas fantasias e pelo seu desejo em explorá-las. Mas é também na realidade mundana aí exibida que Buñuel aproveita para explorar as diferenças entre Séverine e as outras mulheres que lá trabalham. Se Séverine se sente compelida a procurar responder aos seus desejos de forma escondida num local marginal onde isso lhe é permitido, é porque o que procura não é aceite pelas normas da sociedade. Por outro lado, a motivação das outras mulheres é diferente, puramente económica – é também a crítica social, a referência à luta de classes. Se assim Belle de jour analisa o papel das mulheres, já o papel dos homens é reduzido à banalidade  da procura de satisfação imediata e de dominância, mesmo que artificial. Vários homens de diferentes estratos passarão pela casa, mas será apenas por um deles que Séverine se sentirá verdadeiramente atraída, por encarnar os seus desejos, por tornar a sua fantasia realidade. Este amor que julga encontrar será determinante para a conclusão do filme.

Destes encontros, Buñuel filma apenas o antes e o depois, mas sugere o suficiente para aliciar a imaginação do espectador. Ao longo do filme, utiliza vários símbolos que ecoam durante o resto do filme, como as campainhas que sinalizam uma sequência imaginada. Recorre também a pequenas rupturas que surgem sem aviso, vislumbres de pouco tempo que depois reverberam durante o resto do filme: a imagem de uma pequena Séverine a ser aliciada por alguém mais velho dura pouco mais do que breves segundos mas é recordada ao longo do filme, com as várias sugestões pelos homens de aliciamento à filha menor da empregada de limpeza do bordel. Tal como outra breve cena em que uma pequena Séverine se recusa a aceitar a hóstia durante uma missa – por não se julgar merecedora? – estas interrupções ajudam a construir um passado para Séverine como prenúncio para o seu presente. A propósito da blasfémia habitual, de notar que a única cena cortada pela censura foi uma imagem de Jesus torturado na cruz, provavelmente para evitar comparações perigosas.

Dificilmente poderemos olhar para um filme de Buñuel como uma obra estanque, sem referenciar o resto da sua obra. A fronteira entre a inocência e o sexual de The Young One (1960), as alegorias de Viridiana (1961), ou a confusão entre o real e a fantasia de outros filmes como El ángel exterminador (O Anjo Exterminador, 1962), são elementos evocados em Belle de jour, mas este filme apresenta um manual de leitura próprio, que passa pelas duas sequências iniciais. Tal como Buñuel afirmou sobre o conteúdo da caixa misteriosa que um japonês apresenta a Séverine, a conclusão dupla do filme é deixada à imaginação do espectador : “é o que cada um quiser que seja.”

Belle de jour será exibido dia 19 de Novembro no Teatro Campo Alegre, no Porto, pelas 22h.

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1960'sCatherine DeneuveLuis BuñuelRoman Polanski

João Araújo

"I don't think the film has a grammar. I don't think film has but one form. If a good film results, then that film has created its own grammar" Yasujiro Ozu in "Ozu and The Poetics of Cinema", David Bordwell

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