O facto de Lang ist der Weg (Long Is the Road, 1949) ser um dos poucos títulos a retratar o Holocausto através de um ponto de vista judeu não é, como a seguir se demonstra, a única característica que o transforma numa raridade de primeira ordem.
Filmado durante o Verão de 1947, no seio de uma Europa em plena remissão da Segunda Guerra Mundial, e com os “despojos” daquele conflito armado (campos de concentração, centros de refugiados, as próprias localidades destruídas por bombardeamentos e batalhas urbanas) como cenário, os realizadores Herbert B. Fredersdorf e Marek Goldstein traçam o percurso de sofrimento e resistência do povo judaico num filme que, em retrospectiva, urge resgatar do esquecimento.
Alternando entre o melodrama neo-realista, a “atmosfera” expressionista e o cinema documental, e com um argumento pautado pelo recurso às diversas línguas que “vivem” na Europa, o filme é de uma absoluta franqueza na exposição de sentimentos e estados de espírito.
A partir da história da família Jelin, e da do jovem David (Israel Becker) em concreto, Long Is The Road recupera os episódios fulcrais da perseguição aos judeus pela ideologia do Terceiro Reich. Da formação do gueto de Varsóvia ao sistema de transporte ferroviário para Auschwitz, culminando na libertação dos campos de concentração pelos Aliados, o filme é particularmente económico no estabelecimento da cronologia dos acontecimentos. Com pouco menos de hora e vinte de metragem, torna-se desde cedo evidente que o seu intuito não passa por enfatizar somente a iconografia do Holocausto, mas sim os esforços de rejuvenescimento (humano, espiritual e social) do sentido colectivo judeu.
Neste conjunto de intenções, sobressai, assim, o referido protagonismo de David Jelin. Único sobrevivente da sua família, David escapa de idêntico destino ao evadir-se do comboio que o transportava para um campo de concentração, integrando, posteriormente, as fileiras de um grupo armado de resistência às tropas nazis. O fim da Guerra é acompanhado não só pelo trauma, como também por um sentimento de conflito moral — quem celebra a paz por intermédio do vício, e do aproveitamento económico do seu semelhante, converte-se no “vilão” do pós-guerra — e, sobretudo, pela dificuldade no restabelecimento de uma existência dita normal. Todavia, o esperançoso desfecho de Long Is The Road é sublinhado pela promessa do estado de Israel.
Tendo em conta a sua narrativa elementar, a construção formal de Long Is The Road revela-se, para a época, surpreendentemente audaz, robusta e inovadora. Alternando entre o melodrama neo-realista, a “atmosfera” expressionista e o cinema documental, e com um argumento pautado pelo recurso às diversas línguas — do alemão ao polaco, passando pelo iídiche, cuja expressividade de inflexão quase não exige legendagem, numa manifesta afirmação de que o Holocausto não conheceu idioma — que “vivem” na Europa, o filme é de uma absoluta franqueza na exposição de sentimentos e estados de espírito, assumindo, assim, singular relevância na produção cinematográfica dos primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial.
Talvez pelo estatuto de raridade que o filme detém, ao qual se combina um escasso historial de exibição pública, não é imediatamente compreensível o impacto que as imagens de arquivo integradas em Long Is The Road, detalhando o sofrimento humano e as condições de vida em cenários de batalha e nos campos de concentração, imprimiu no espectador dos finais da década de 1940.
Nesse contexto, para o olhar contemporâneo, Long Is The Road apresenta-se como precursor de títulos seminais como Nuit et brouillard (Noite e Nevoeiro, 1956), Sophie’s Choice (A Escolha de Sofia, 1982), Shoah (1985) ou Schindler’s List (A Lista de Schindler, 1993), e, portanto, um digno representante do restrito e “canónico” conjunto de obras cinematográficas que, amiúde, são eleitas de indispensável visualização para a compreensão do Holocausto. Deste modo, por definição, importa também colocar Long Is The Road entre os objectos sobre o tema de visionamento obrigatório.
Long Is The Road passa às 19h de dia 24 de Abril em primeira exibição na Cinemateca Portuguesa, no âmbito do ciclo Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora.