Acabado de celebrar 75 anos de vida, Sérgio Godinho é um dos maiores autores da música portuguesa, com uma carreira recheada de grande sucessos e de canções marcantes. O que nem todos podem saber é que Godinho também tem uma forte relação com o cinema, e não apenas como compositor ou intérprete de bandas sonoras. No seu vasto curriculum, conta com experiência na escrita de argumento, na interpretação e na realização.

A sua primeira colaboração acontece em pleno Verão Quente de 1975, quando roda, com José Fonseca e Costa, Os Demónios de Alcácer Kibir (1977), um filme injustamente esquecido ou desvalorizado do período revolucionário. Aí, Godinho interpreta o saltimbanco Camolas, personagem que também habita a Cantiga do Camolas, do seu álbum De Pequenino se Torce o Destino.
Ainda no período revolucionário, em 1976, Godinho colaboraria, apenas como compositor, com Fernando Lopes em Nós por cá todos bem (1978) e com Luís Galvão Teles em A Confederação, o Povo é que faz a História (1977), que também contou com a participação de José Mário Branco e Fausto.
Ainda neste período, estreita a relação criativa com Fonseca e Costa na escrita do argumento de Kilas, o mau da fita (1980), onde também colaboraria o escritor e cineasta brasileiro Tabajara Ruas. O filme estrearia em 1980, ultrapassaria a barreira mítica dos 100 mil espectadores e tornaria célebres as personagens Kilas e Pepsi Rita, interpretadas por Mário Viegas e Lia Gama. Godinho seria também o responsável pela banda sonora do filme, editada em álbum homónimo.
Nos anos 80, Godinho conta ainda com diversas participações como ator e figurante em produções nacionais e internacionais para cinema e televisão, como Le Soleil en face (1980) e La guérilléra (1982), ambos de Pierre Kast ou Le Comte de Monte-Cristo (1979), de Denys de La Patellière, ou La Valise en Carton (1988), entre outros.
Na década seguinte, Godinho estrear-se-ia na realização. Entre 1991 e 1992, Godinho escreveu, musicou e realizou a série Ultimactos, um conjunto de três telefilmes de curta-metragem que seriam exibidos na RTP2 (então TV2) em junho de 1994.
O primeiro desses telefilmes foi SOS Stress, que contou com um elenco de luxo: Miguel Guilherme, Maria João Luís, Orlando Costa, Maria do Céu Guerra, Paula Fonseca e João Cabral, entre outros. A narrativa, em tom de comédia agridoce, centra-se num triângulo amoroso composto por uma voluntária no apoio a pessoas em crise que tenta ajudar um dos seus pacientes que ameaça saltar de uma janela. Pelo caminho tem um acidente de automóvel com um amigo do potencial suicida…
Segundo o próprio Godinho, estas histórias não assumiam “um verdadeiro tom de comédia daqueles de desatar a rir à gargalhada. Estão mais no estilo do humor negro.”
O segundo episódio foi A Reconstrução, uma nova comédia dramática que tem o célebre incêndio do Chiado de 1988 como ponto de partida para a história do arquiteto que está encarregue da reconstrução do Chiado e da sua sobrinha que admite ter sido ela a culpada pelo incêndio. O elenco volta a ser de luxo, contando com João Perry, Inês de Medeiros, Rita Loureiro e o pequeno Afonso Lagarto, filho de João Lagarto.
O terceiro episódio intitulava-se Entre Mortos e Vivos e contava com a participação no elenco de José Viana, Alexandra Lencastre, Virgílio Castelo, Rui Luís Brás e Manuel Mendes. Esta história decorria num cemitério, onde se cruzam um coveiro, um aprendiz de coveiro, que afinal é jornalista, um casal que desce dos céus de asa delta, e um militar que foge do quartel e que é confundido com uma alma penada.
Estava inicialmente previsto um quarto capítulo para esta série, mas nunca chegou a ser produzido. Segundo o próprio Godinho, estas histórias não assumiam “um verdadeiro tom de comédia daqueles de desatar a rir à gargalhada. Estão mais no estilo do humor negro. As personagens encontram-se em situações insólitas. Tento fazer do pouco provável algo de possível.”
Depois desta experiência, Godinho continuaria a colaborar com diversos realizadores, como ator ou compositor, em cinema e televisão. Destaco as séries Polícias (1996-1997) e Sociedade Anónima (2002), ambas realizadas para a RTP por Jorge Paixão da Costa.
Entre outras curiosidade, também fez uma pequena figuração em Requiem (1988), de Alain Tanner, como porteiro de uma pensão, e dobrou uma das personagens secundárias (Gabriel, interpretada pelo galego Manuel Manquiña) em Capitães de Abril (2000), de Maria de Medeiros. Mais recentemente, em 2016, participou como uma das estrelas do elenco de Refrigerante e Canções de Amor, de Luís Galvão Teles, no papel de Ñavalhas, o assassino contratado.
Parafraseando uma das suas populares cantigas, a presença de Sérgio Godinho no cinema poderia assemelha-se um pouco à trajetória do seu homem dos sete instrumentos: “Às duas por três chegou / E às duas por três partiu / Segue para a rosa-dos-ventos”.