En tant que cinéaste, je ne sais pas pourquoi j’ai choisi ces scènes. Je n’ai pas besoin d’analyser mon cinéma, mais d’améliorer ma perception des choses. Le cinéma, c’est comme une histoire d’amour. Je ne sais pas pourquoi j’aime cette femme ; je ne peux pas analyser mon amour. Pareil pour mes films. L’important est que l’ensemble de mes films ne délivre pas de message unique. Chaque film ou situation doit offrir plusieurs interprétations. Je me contente de décrire des situations, c’est au public de se faire une opinion.
Hong Sang-soo numa entrevista à Positif, Junho de 2004
Yeojaneun namjaui miraeda (Woman is the Future of Man [título inspirado num verso de Louis Aragon], 2004) foi a quinta longa de Hong Sang-soo e é, sem surpresas, um exercício das familiares preocupações temáticas e estilísticas do seu cinema. Como outros filmes da sua autoria, presta-se propositadamente a diferentes leituras e, porventura, a um leque de reacções diversas.

Mais do mesmo? Talvez seja uma forma pouco simpática de reagir aos filmes de Hong Sang-soo. Hora e meia de homens e mulheres do mundo das artes e ensino em encontros de comer, beber, fumar, falar, andar, recordar – e sexo. Fascínio do banal e humor do patético, perturbadora aprovação de uma masculinidade tóxica ou uma auto-crítica mordaz. Há uma atenção bem interessante pelas paisagens urbanas como espaços de (des)encontro e alienação (por breves momentos quase evoca Edward Yang), aqui também com uma bonita inclusão de elementos climáticos (a neve do presente gelado que contrasta com as estações mais amenas da juventude). Nestes espaços, movem-se seres que insistem em lembrar “estou aqui” quando – numa leitura mais desencantada – pouco fazem ou acrescentam. E, claro, sempre as brincadeiras temporais, saltos entre passado e presente, realidade e imaginação, intencionalmente ambíguos.
Yeojaneun namjaui miraeda começa com o reencontro de Munho (Yoo Ji-tae) e Hunjoon (Kim Tae-woo). Amigos de universidade, um é agora professor de arte (cujo grande sonho é ter tenure – um contrato de carreira – na melhor universidade da Coreia do Sul). O outro estudou nos Estados Unidos (Hong Sang-soo também o fez) e quer fazer filmes. Ambos, entre o resignado e o iludido, recordam numa refeição num restaurante chinês (a que se seguirão outras noutros locais), uma antiga colega com quem ambos se relacionaram, Sunhwa (Sung Hyun-ah), com diferentes níveis de insucesso. O menos bem-sucedido, Hunjoon, que a abandonou quando foi para o estrangeiro, é também o mais insistente em reencontrá-la. Este reencontro é, espectavelmente, pautado por bebedeira, confronto verbal, e desconforto q.b..
O fantasma de Sunhwa atravessa o filme de diferentes formas. Podemos imaginá-la na(s) mulher(es) misteriosa(s) que surge(m) no balcão ou do lado de fora da janela do restaurante ou naquela que se cruza com Munho numas escadas, já perto do fim. É também a figura invocada (nos flashbacks?) pelos dois amigos. Talvez exista até na mulher “invisível” de Munho, pelo menos é uma possibilidade até certa altura, ou mesmo na “substituta”, a aluna com quem ele se envolve, obtendo de uma relação de poder o que não teria conseguido com Sunhwa, uma mulher livre. Sunhwa está sempre longe, mesmo quando fisicamente perto, e mesmo que Munho e Hunjoon achem que controlam o corpo dela quando apenas o utilizam para materializar os seus próprios desejo e satisfação momentânea. Paralelamente, segue os seus próprios interesses, sejam eles de prazer físico ou autonomia económica. Mas tal nem sempre é visível. Sunhwa só existe no filme em relação aos dois homens.
Sempre as brincadeiras temporais, saltos entre passado e presente, realidade e imaginação, intencionalmente ambíguos.
A flexibilidade temporal e repetições que marcam os filmes de Hong Sang-soo são evidentes aqui nas constantes sugestões entre o que poderia ter sido e não foi, ou o que foi e se lamenta e já não se pode refazer. Um cinema sobre erros passados e erros presentes e pessoas (normalmente homens) que, no seu egoísmo e vaidade infundada, nem se apercebem da crueldade e do absurdo dos erros que fazem e tornam a fazer. Essas referências ao passado são mais ou menos explícitas. Hunjoon mostrando as fotografias dos sítios do passado na casa de Sunhwa; Munho descrevendo Hunjoon e Sunhwa aos alunos como os amigos que queriam regressar ao seu passado; ou o desprendimento final de Munho, ficando para trás, seguindo o seu caminho, iniciando uma nova história (com a aluna ou sem ela) enquanto Hunjoon e Sunhwa desaparecem repentinamente do filme (ficamos à espera de os reencontrar, mas isso não acontece). Partir pode ser um acto bastante poderoso em filmes de Hong, e aqui há algumas variações interessantes (incluindo com a cadela “Mary”).
Os jogos de tempo (jogos de montagem) articulam-se em numerosos paralelos. Entre Munho e Hunjoon e os que com eles se relacionam. Vejam-se como interpelam de forma idêntica a empregada do primeiro restaurante, algo que por seu turno se desdobra nos diálogos – em mandarim – entre esta e a colega mais sénior do balcão. Há paralelos que remetem para uma dimensão de fantasia (sempre masculina), e se há alguns momentos em que quase parece ser reconhecida a Sunhwa alguma agência, a imposição da vontade masculina domina a maioria das cenas do filme. Em nenhum caso isso é tão extremo como na desconcertante – e desnecessária – cena da “lavagem” de Sunhwa por Hunjoon, um abuso renovado pouco depois de a vermos dizer-lhe que fora raptada e violada, acontecimentos que são tratados como triviais e sem grande empatia pelo seu trauma. Há uma ligeireza ali que incomoda.
Apesar dos longos planos fixos, a contemplação nunca é confortável. Assistimos a retalhos de vidas quotidianas, e no caso de Hunjoon e Munho há pouco ou nada de valoroso. Esse olhar ácido sobre uma certa masculinidade não estará dissociado do tom auto-reflexivo característico dos filmes de Hong. Várias deixas facilmente se leem como tiradas sobre si mesmo e o seu cinema: “não quero ensinar cinema, quero fazer filmes”; “procuro pessoas reais para papéis nos meus filmes”; “está a ser grosseiro”; “os livros que leste (…) são as auto-justificações [dos seus autores], as auto-promoções”; e, talvez a mais cáustica de todas, “os coreanos gostam demasiado de sexo, não há nada melhor para fazer, não há verdadeira cultura”.
A dada altura, Munho pergunta a Sunhwa se é feliz. E ela responde que não sabe e pergunta-lhe o que isso quer dizer. Ele não esclarece. Em Yeojaneun namjaui miraeda, todos existem nesse estado de desencanto latente, em que o que acontece não é o que querem realmente. Facilmente o filme pode ser visto como uma reflexão sobre o vazio e a angústia de uma sociedade moderna e rica (o conforto económico de Munho é mencionado logo no início, algumas grandes marcas de bebidas e afins são facilmente discerníveis, etc), constantemente moldada pelos interesses mais básicos de homens muito pouco extraordinários, e a ausência de verdadeiras realizações artísticas. Se a qualidade desta obra e a aclamação crítica de Hong Sang-soo em geral são provas que contradizem este último ponto, fica ao critério do espectador.