

Sombre (1998) de Philippe Grandrieux, à esquerda, e Nocturna (2023) de Pedro Florêncio, à direita
Por acaso — ou talvez não — voltei este ano aos filmes de Grandrieux. Ou melhor: voltei ao seu gesto, ao seu corpus de imagens, àquilo que nessa filmo-grafia persiste para lá da forma filmada. Tinha-os visto há cerca de uma década, siderado. Mas vendo bem, não tinha visto nada. Agora percebo: mais do que filmes, o que ali se manifesta é a intangibilidade do cinema, ou a sua matéria em estado nascente: sombra e luz.
A desfocagem, mais do que um mero efeito de estilo, é a marca do que resta. É o que sobra da obra, ou melhor (citando Tomás Santos Maia): o sintoma da sua persistência. Uma imagem arrastada que antecipa um estado de permanente efemeridade, uma pulsação à superfície da película — pele onde se imprimem vestígios de um mundo a acabar, e que por isso mesmo se abre à possibilidade de outro inteiramente por inventar.
Talvez por isso o poema nos aproxime tanto da infância — não como idade, mas como estado: aí onde certas imagens, sem sabermos bem porquê, se inscrevem para sempre em nós, cruelmente e sem piedade.
Pedro Florêncio
