Com a barriga cheia de lambarices da comezaina natalícia o espectador mais incauto pode achar que será pelo espírito natalício que estreia amanhã um filme de nome The Paperboy (The Paperboy – Um Rapaz do Sul, 2012) [ainda para mais quando o elenco inclui Nicole Kidman, Matthew McConaughey, John Cusack e o rei da pequenada o menino – o dito rapaz do sul – Zac Efron], mas tenha cuidado que o filme é tão indigesto que as filhoses e azevias ainda voltam a ver a luz do dia.
Quando o Slumdog Millionaire (Quem quer ser Bilionário?, 2009) de Danny Boyle estreou faz já três anos, escreveu-se (pelos dedos de Luís Miguel Oliveira) que o filme cheirava a merda. Ai que horror, um filme com esse cheiro, não acredito, deve ser aquela coisa do smell-o-vision, cruzes credo. Levantou-se o carmo e a trindade contra o crítico do Público e foram muitos os comentários na caixa respectiva. Tantos foram que levaram a uma espécie de esclarecimento, cujo excerto passo a transcrever: Não estou habilitado a fazer uma hierarquia da gravidade semântica entre “puta”, “punheta” e “merda”, mas parece-me que venha o diabo e escolha. Pois bem, eu que sou mais polido e menos vernacular nos meu escritos, assim sendo digo apenas que The Paperboy é um filme que cheira a xixi. Pronto, já está, conseguiste filha. Mas igualmente esta não é uma asserção gratuita sobre as qualidades do filme (como não era o cheiro a poopoo do filme de Danny Boyle), aqui, a certa altura vemos uma Nicole Kidman urinando sobre um atordoado Zac Efron para lhe curar as queimaduras que uma praga de alforrecas digitais lhe causara. E claro, este é o momento mais romântico do filme. Até me vieram as lágrimas, quando aquele six pack escorria mijo, que lindo.
Se ainda não deu para perceber o nível da bodega que é The Paperboy vamos lá a uma descrição mais exaustiva do fluídos e odores do filme. Para além dos mijos que dominam o buquê aromático temos mais pestilências: sangue (claro) que é espichado a cada murraça ou facada ou degolamento, fezes (uma leve essência com tons de carvalho envelhecido) que virá das práticas sexuais anais e das tripas que se arrastam de moribundos polícias e de já falecidos jacaré, emanações fálicas e vulvovaginais libertadas num dos momentos mais confrangedores do filme onde a Nicole oxigenada Kidman massaja as suas partes para um John rebarbado Cusack que estrangula o seu zézinho com as correntes com que está aprisionado (tudo isto na presença do menino Efron e do senhorial McConaughey, na sala de convívio da prisão estadual). E já me ia esquecendo: suor, ui que suadinhos que eles andam todos, segundo o romance de Peter Baxter (que ao que parece é autobiográfico) estava muito calor, tanto que alguém chega a afirmar que sua como uma freira grávida (e ouve-se uma preta gorda no fundo a dizer, hum hum).
Mas se o filme é tão incapaz, como terá conseguido Lee Daniels angariar um elenco de notáveis? talvez não seja esta a pergunta a fazer (cofio a barbicha). Devemos perguntar antes, quem é Lee Daniels? Na mouche. Daniels é o realizador de Precious (2009) essa abécula de infortúnio que conseguia concentrar numa mesma personagem o hiv, o analfabetismo, a obesidade, a gravidez juvenil, o abuso sexual pelo pai e os maus tratos da mãe e o consumo de baldes de frango frito (o pior product placement de sempre). Se o mau gosto já se descobria nesse filme, o que terá convencido tantos actores a participar neste filme foi, certamente, o sucesso que o dito Precious teve nos Oscars, nomeadamente nas categorias de representação. Andam todos à caça do mesmo, os malandrões. Ainda para mais quando em pano de fundo da investigação criminal (o referido xerife sem tripas, quem o matou?) vai prosseguindo uma trama muito semelhante ao – igualmente Oscar bait – The Help (As Serviçais, 2010), com uma empregada de cor a revoltar-se contra a patroa (e estranho que nenhum cocó tenha ido parar aos cozinhados).
Então aproveita-se alguma coisa? Os actores estão de facto confiantes naquela parvoíce toda e dão o couro pelo filme. Isso é notório, Kidman está em topo de forma e Matthew McConaughey mostra (mais uma vez) que é um Actor com maiúscula que anda em busca de papeis que lhe puxem pelo canastro. Enfim, para ver quando passar na TVI depois da gala da Casa do Segredos.