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Civic TV, Crónicas 0

A perda e a mudança

De Luís Mendonça · Em 4 de Julho, 2013

Agora que a RTP2 se prepara para suspender indefinidamente a sua programação de cinema, deixando-nos pelo menos este Verão às escuras em matéria de Sétima Arte, proponho encerrar esta primeira série de crónicas Civic TV com outro filme de horror. Chama-se The Changeling (O Desvendar de um Mistério, 1980) de Peter Medak, também lida com assombrações e imposturas, mas não passou no segundo canal do Estado. O canal Syfy foi a casa que o recebeu e a casa que libertou o espírito maléfico que o habita. Libertou-o para entrar directamente na nossa sala, noite adentro e sem contemplações. Se ouvir sons, sussurros vindos do nada, portas a bater inesperadamente ou objectos a moverem-se por si, não estranhe: a impostura virou roommate ou foi você que virou impostura para o roommate oculto e desesperado. Tenha cuidado, mas procure não mudar de canal.

Serge Daney terá abandonado o jornal Libération com um sentimento misto, simultaneamente de dever cumprido e de perda de tempo. Parte do cansaço devia-se à cobertura exaustiva, dia a dia, que fizera da realidade televisiva francesa, começando logo pelos filmes que passavam no pequeno ecrã e acabando em jogos de ténis, anúncios ou reportagens. Entre 1987 e 1988, passou a pente fino a oferta televisiva do seu país, registando as suas reacções e reflexões numa crónica ironicamente intitulada, referindo-se a um clássico de Clouzot, Le Salaire du zappeur. Continuou a escrever sobre como os filmes eram transmitidos e “percepcionados” na televisão até ao fim da sua colaboração para o jornal. Este esforço crítico, que em parte rima com o trajecto de um dos seus ídolos, André Bazin, terá sido elucidativo a dois níveis. Primeiro, descobriu que certas obras se conseguem agigantar ou renovar no pequeno ecrã. Deu como exemplo Zelig (1983) de Woody Allen, mockumentary sobre uma “impostura” cameleônica pré-Holy Motors, crítica implícita ao “visual” televisivo (usando aqui um conceito da sua lavra). Segundo, graças a esta tentativa de, qual Zelig, se metamorfosear no telespectador médio, ficou claro aos seus olhos que a programação de cinema tinha tanto de conveniente como de arbitrária.

Alegava o crítico francês que os filmes exibidos nas grelhas televisivas, em horários impróprios, vagabundeavam em esquinas recônditas, aguardando que um espectador com insónias os “escolhesse” desinteressadamente como companhia para o que restava da madrugada. Este tipo de programação televisiva levava a que conteúdos tão nobres como os filmes ficassem sujeitos a uma espécie de proxenetismo virtual, ou mesmo espectral, que tinha como alvo o zappeur irrequieto, carente, entediado. Ler isto e saber isto leva-me a questionar a forma como os blind dates e as one-night stands se sucedem na nossa relação com a programação de cinema em televisão. The Changeling caiu-me ao colo quase acidentalmente, numa noite de deambulação pelas diversas grelhas que vão estorricando a nossa irrequietude, a nossa carência, o nosso tédio. George C. Scott piscou-me o olho várias vezes, ou melhor, eu é que pisquei o olho várias vezes quando o vi no elenco de um filme de terror, de 1980, sobre um músico e compositor famoso que na sua nova morada, uma mansão histórica que parece saída de um filme de Welles, é interpelado por várias “manifestações paranormais”. Tenho um fraco por cinema de terror, sou adepto da energia viril de C. Scott e tenho fé na potência terrífica que se esconde, subterraneamente, no mais minimal e raquítico dos plots. Encontrei, assim, boa companhia com quem passar a noite.

Parente indirecto dos melhores filmes de assombrações, como The Haunting (A Casa Maldita, 1963) e The Innocents (Os Inocentes, 1961), The Changeling é um exercício – entretanto, mil vezes repetido e, logo, banalizado – sobre a perda e a mudança. A brutal exposição põe-nos no mood adequado: numa viagem em família, o nosso protagonista, John Russell, perde a mulher e a filha pequena num espalhafatoso acidente de viação. Não suportando o convívio com os objectos e espaços que agora apenas simbolizam não uma presença mas uma ausência traumática, este homem emocionalmente devastado decide mudar de pouso. O pé direito da nova casa, uma faustosa mansão de estilo vitoriano, vai-lhe oferecer a acústica certa para preparar as suas aulas e para ensaiar as novas composições musicais. O que John não sabe é que a própria casa tem uma respiração, ritmo e, enfim, sonoridade próprias. A mansão não se limita a reverberar a música composta por John; ela irá produzir a sua própria sinfonia, uma sinfonia de horror, como é evidente. Esta “música infernal”, produzida por sons que o próprio ouvido treinado do seu mais recente residente não consegue identificar, vai sendo escrita ou composta até dominar por completo a banda sonora do filme. O músico interpreta os signos sonoros como sinais vindos do além, produzidos por um espírito atormentado que desespera por “ajuda” e que tem uma forma algo desajeitada, quase digna de uma… criança, de formular esse pedido.

Avança uma médium que este “impostor” invisível comunica com a personagem de George C. Scott através da “perda” deste último. A ideia de ocupar um vazio ou de preencher uma perda confere ao filme a primeira nota de perturbação. Afinal, John mudou de casa para fugir de uma ausência e agora de novo instalado, pronto para “recomeçar a sua vida”, vê-se outrossim confrontando com o assédio, desta vez não puramente mental, de uma outra ausência. Esta ausência, uma “ausência segunda”, comunica através do vazio deixado pela outra ausência, uma “ausência primeira”. Em certa medida, o fantasma que assombra a nova casa usa como media os fantasmas, da filha e mulher, que habitavam menos o apartamento anterior de John que o interior da sua psique. Mas que vazio é aquele? A ideia de perda está “cheia” de inquilinos neste filme, o seu efeito alucinante parece tão poderoso, activo, ilimitado quanto frágil, quebradiço, quase “inválido”. O filme falará de todos estes assuntos – e bem que os podia aprofundar mais ou melhor -, mas em pano de fundo está esta reflexão secreta sobre a paradoxal potência de uma perda tão traumática como aquela que John vivencia.

Só na morte a ausência, até ou sobretudo das pessoas mais queridas, ganha uma dimensão ubíqua, total e fantasmática ou, enfim, “assombrante”. A presença corpórea sinaliza uma existência “de facto” e permite-nos usufruir do luxo de nos esquecermos dela. A ausência corpórea, táctil e audio/visual, produz um sentimento que, chamando nós “de perda”, é não de esvaziamento mas de enchimento: uma torrente de imagens, sons, cheiros que insistem na preservação da pessoa perdida numa dimensão puramente virtual, que diria ser a da memória. Ora, o que (a casa de) The Changeling encerra é um gesto sobrenatural que procura impedir o protagonista de “esquecer”, isto é, de se deixar levar pela ilusão (sobranceira?) de um “recomeço virgem”. Em certa medida, exercita-se aqui, a partir de uma manifestação do além, composta por sinfonias de horror, ruídos brancos, pesadelos mortificadores e suores frios, uma tentativa de resistência à lógica do zappeur: a de saltitar de canal em canal, “de casa em casa”, esquivando-se à confrontação com a sua “perda” sempre-anterior. Daney sabia que este processo avulso de auto-alienação – um luto permanentemente adiado, que nada fixa – tinha pouco a ver com o cinema, com a imagem, mas tinha tudo a ver com a retórica da televisão, com a autofagia do visual. É desta assombração que o brilhante crítico francês, farto do cinema-puta do e no pequeno ecrã, se via liberto para lançar as bases da Trafic, revista que trata o cinema como a “puta sagrada” do grande ecrã que é e deverá ser. Sempre.

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Luís Mendonça

"The great creators, the thinkers, the artists, the scientists, the inventors, stood alone against the men of their time. Every new thought was opposed. Every new invention was denounced. But the men of unborrowed vision went ahead. They fought, they suffered, and they paid - but they won." Howard Roark (Gary Cooper) in The Fountainhead (1949)

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Sem Comentários

  • Francisco Noronha diz: 6 de Julho, 2013 em 13:47

    Clap Clap Clap. Um abraço.

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