Parece evidente que a década passada inaugurou uma nova geração de realizadores americanos de cinema de terror, de onde se destacam Lucky McKee, Bryan Bertino, Rob Zombie, Adam Wingard e Ti West (e podia-se acrescentar outros que não sendo americanos fazem as vezes: Greg Mclean, Alexandre Aja ou James Wan). São na generalidade realizadores que dominam os seus filmes de forma tentacular assinando muitas vezes, além da realização, o argumento, a produção e cargos técnicos como a montagem, a direcção de fotografia ou a composição da banda sonora.
O que destaca Ti West é o facto de os seus filmes de terror serem todos à base de nadas, o mal (substantivo) é reduzido à quantidade mínima possível sem que no entanto se afecte o terror e a indisposição do espectador que espera antecipadamente por um desfecho que acabe com o sofrimento que a lentidão construtiva da câmara de West provoca. Nesse sentido parece-me que a figura visual por excelência nos filmes de West é o corredor, no sentido em que é nos corredores (físicos e narrativos) que os seus momentos mais pujantes ocorrem: veja-se Trigger Man (2007) e o (infinito?) plano sequência através dos túneis escuros de uma fábrica decrepita onde somos atacados por sons arrepiantes, ou a casa de The House of Devil (2009) onde cada quarto esconde um arrepio mais fundo e é nos corredores que temos que estar, sempre à porta de algum sítio mas sem termos coragem de abrir a porta (até que abrimos a porta errada) ou no que agora se estreia, The Innkeepers (Hóspedes Indesejados, 2011), onde são os compridos corredores de um hotel moribundo [a fazer lembrar, e não é por acaso, The Shining(1980)] que nos conduzem aos hóspedes indesejados do título português.
Outra coisa que me parece também sintomático do seu cinema de nadas é a presença assustadora do escuro. Não tanto porque no escuro se esconde o assassino, o satã ou o fantasma, mas pela dúvida que o escuro causa, estaremos seguros ou não? E portanto aqui o espectador também se pergunta se não será o escuro da sala de cinema o espaço para a miríade de monstros e maldições se fazer presente. Esta é a dúvida com que West nos infecta e é com ela que temos que lidar, ou seja, a haver mal é mais provável que ele esteja deste lado do ecrã do que do lado de lá – West vem expelindo-o de filme para filme.
A estreia de The Innkeepers em Portugal (ainda que atrasada dois anos) é pois resultante de um crescimento estruturado (e direccionado) da realização de West, num apuramento técnico e temático. Por exemplo, nos anteriores 3 filmes a janela temporal onde decorre a acção veio distendendo-se passando de pouco mais de 12 horas em Trigger para um dia completo em The House e agora para um fim-de-semana prolongado de três dias; em sentido inverso a acção vem-se concentrando passando das deambulações por um bosque, para a viagem a uma casa nas margens da cidade até que em The Innkeepers se passa todo no interior do hotel Yankee Pedlar Inn – com a excepção de uma cena em que se visita a cafetaria da porta ao lado [cena deliciosa em que West escolheu, nem mais nem menos, Lena Dunham para empregada de café, sublinhando a mistura de géneros que caracteriza os seus filmes – a casa assombrada com o o slasher no filmes anterior ou agora o filme de fantasmas com uma comédia muito ténue sobre a geração de jovens comodistas-between stuff].
Mas talvez a evolução mais significativa (e que resulta em parte das duas anteriores) é esse esboroamento do mal. Em Trigger chegávamos até aos últimos 5 minutos do filme sem saber de onde vinha o horror (e se tinha origem sequer – não seriam aquelas as balas de um deus aborrecido que se divertia a disparar do nada sobre a sua criação, como fazem a certa altura os rapazes sobre garrafas de cerveja) e mesmo depois de desvendado o assassino, o seu alvejamento é feito num plano subjectivo – pov – em que o tiro é lançado no escuro (cá está) como se de facto o mal não tivesse fronteiras definidas e vivesse no breu já sem corpo e portanto intocável. Por seu lado em The House a estratégia usada por West é a mesma de Polanski (e a comparação não é inocente, já que o filme do primeiro é um evidente tributo ao segundo) em Rosemary’s Baby (A Semente do Diabo, 1968) onde nunca se mostrava o bebé satânico (a não ser num fade medonho) deixando por isso a dúvida no espectador sobre se não seria tudo aquilo uma histeria colectiva. E agora com The Innkeepers esse esboroamento é total: só a protagonista (uma inocentíssima Sara Paxton) vê os eventos paranormais [a paródia a Paranormal Activity (Paranormal Activity – Actividade Paranormal, 2007) é deliciosa] e nós os espectadores só os vemos também através de planos subjectivos (o piano que toca sozinho em plano picado, a enforcada aparece num plano em que a câmara deixa a face de Paxton rodando na direcção do seu olhar, passando de objectiva a subjectiva num clique, ou a cena final nas escadas) ou deixando o espírito apenas no fora de campo (a cena da cave em que nunca nos é dado o contra-campo do rosto aterrorizado dela é simplesmente brilhante). Isto é, o mal só existe no olhar (influenciado?) da crente menina e como tal não existe além dos jogos de câmara que West constrói.
De filme para filme o mal vai estado cada vez menos presente (e o terror cada vez mais vibrante) e em tempos de torture porn é revigorante encontrar um realizador tão consciente das capacidades arrepiantes de um traveling para o vazio (veja-se o plano final – tal qual o plano final de The House of the Devil).