Os filmes são frágeis e estão em suportes que desaparecem. E por isso são necessárias as cinematecas, muitas cinematecas. (…) Sou um entusiasta das cinematecas, porque elas nos dão uma certa esperança de conservar os filmes.
Jean Renoir, in Louis Lumière
O mês de Setembro aproxima-se e a Cinemateca Portuguesa não reúne, diz a direcção, condições mínimas que garantam a sua reabertura. Entretanto, o secretário de Estado da Cultura já reagiu com um “email curto”, confirmando a reabertura da Cinemateca. Abrindo ou não portas em Setembro, a dignidade da instituição leva mais um abalo e é impossível, nesta altura, ficarmos indiferentes a todo o rol de problemas que têm minado a actividade da Cinemateca nos últimos anos.
Os sinais do declínio da instituição têm sido vários e o que está na origem desse declínio já foi publicamente identificado por elementos da direcção, nomeadamente num artigo de opinião publicado no jornal Público (assinado pelo subdirector José Manuel Costa) ou durante o mês que a equipa de programação baptizou de “Foco no Arquivo”, onde foi feito um preocupante diagnóstico da actual situação da Cinemateca. Por razões políticas e financeiras, não estavam então e continuam a não estar hoje garantidas condições mínimas que salvaguardem a preservação e divulgação presente e futura de todo o património cinematográfico português.
Sinais ainda mais visíveis foram-nos dados com a redução das cópias impressas do programa para distribuição pública, a que se seguiu o desaparecimento dos ciclos temáticos que tanto prestigiavam o nome desta instituição dentro e fora de portas. Recorrendo apenas à sua própria colecção de filmes, a Cinemateca tem desenvolvido a sua actividade de modo incompleto e defeituoso, mas, até ver, tem conseguido garantir cada uma das habituais cinco sessões diárias. A partir de Setembro, poderá haver novo programa produzido em condições semelhantes, sendo que, garante a directora Maria João Seixas, a sua concretização poderá ser inviabilizada. O secretário de Estado da Cultura Jorge Barreto Xavier já afastou essa possibilidade, mas não podemos deixar de registar mais este alarme deixado pela direcção: incapaz de pagar a conta de electricidade, a Cinemateca encerrará portas por tempo indefinido. Associadas ao custo inestimável de ficarmos privados da sua programação em sala estão as consequência nefastas que um corte de energia por falta de pagamento trará a todo o espólio cinematográfico nacional cuidadosamente armazenado nas instalações do ANIM – Arquivo Nacional das Imagens em Movimento.
Não está a ser posta em causa apenas a sobrevivência ou a qualidade média dos serviços prestados pela Cinemateca mas, acima de tudo, a preservação da sua dignidade institucional. Todos os profissionais, amantes e amadores do cinema em Portugal não poderão permanecer indiferentes a este estado de coisas. Reivindicamos, enquanto utentes da instituição, enquanto contribuintes e cidadãos do Estado português, que as partes (direcção e tutela) se reúnam e que desse encontro resulte um documento, cujas linhas principais sejam tornadas públicas, onde conste um rigoroso compromisso com soluções de longo prazo. É mister que este conjunto de medidas assegure a resolução das várias insuficiências – materiais, financeiras, estruturais e/ou políticas – que têm, cumulativamente, perturbado e comprometido o funcionamento da casa-mãe do cinema.
Usaremos de todos os modos de acção ao nosso dispor para levarmos tal reivindicação a bom porto. Apelamos, desde já, a todos os cinéfilos, amantes das artes e da cultura para se juntarem a nós nesta causa e, com as suas partilhas e comentários, a participarem activamente no esclarecimento e resolução de todos estes problemas que indelevelmente ensombram a reabertura do nosso Museu do Cinema.
Carlos Natálio
João Lameira
Luís Mendonça
Ricardo Vieira Lisboa