De todos os adjectivos que pululam nos trailers de filmes de acção, aquele que me causa mais pirraça é: visionário. Todo o realizador de filmes de acção cujos filmes estejam bem calafetados por efeitos digitais é considerado um criador visionário; Nolan é visionário, Abrams é claramente visionário, até Snyder é visionário. Ser-se visionário é uma condição que pode ser interpretado de duas formas diferentes: ou aquele que tem visões (ou as julga ter) ou aquele que tem ideias quiméricas, extravagantes, inovadoras. Por norma o sentido atribuído aos realizadores é o segundo (porque os efeitos são de facto espampanantes), mas estou em crer que é aos primeiros que se deve dar atenção.
Neill Blomkamp é um visionário da primeira categoria (não necessariamente de primeira água, entenda-se), no sentido em que os seus filmes se apresentam como janelas abertas para um outro tempo – um tempo que há-de vir? -, funcionando os filmes como exercícios de adivinhação do futuro. District 9 (Distrito 9, 2009) imaginava um mundo em que uma raça alienígena que visitava a Terra se tornava refém dos humanos e o bode expiatório para as maleitas da nossa sociedade, agora com Elysium (2013) Blomkamp imagina um planeta-favela para os pobres e um satélite-elitista para os ricos. Mas ao contrário de outros visionários (aliás, mais proféticos que visionários – penso em Wrong Is Right (O Homem das Lentes Mortais, 1982) de Richard Brooks ou em Things to Come (A Vida Futura, 1936) de William Cameron Menzies a partir de H.G. Wells) o trabalho de Neill Blomkamp é menos sobre os dias que estão para vir e mais sobre os dias que estamos vivendo: District 9 era uma evidente alegoria, em trajes de ficção cientifica, sobre o regime do Apartheid e a insurreição daqueles que foram postos de lado e excomungados pela sua aparência, enquanto que neste Elysium o que interessa ao realizador são as questões da saúde universal e da imigração nos Estados Unidos (espelhado pelo facto de o primeiro filme decorrer em Joanesburgo e o segundo se passar em Los Angeles – onde toda a gente fala… espanhol). Esta construção simbólica através do cinema de género sobre os issues do momento é talvez onde se sente a mão de Blomkamp tremer mais, isto porque as metáforas são tão evidentes que nada fica subentendido; ou seja, o substrato político para o realizador tem a delicadeza de uma rebarbadora.
Dito isto, é sempre de congratular a chegada de um filme – um blockbuster de 100 milhões – que lide com questão mais prementes do que a velocidade que o gás nítrico acrescenta a um veículo ou os dilemas morais de um vigilante mascarado – pelo menos que o faça sem estertores fachos.
Pondo estes considerandos de parte, o que parece ser um traço autoral no cinema de Blomkamp é a forma como para ele o corpo precisa sempre de melhorias – coisa muito de outros tempos em que os efeitos eram analógicos e Cronenberg tinha um gosto especial por molhanga. Em District 9 as referências a The Fly (A Mosca, 1986) eram mais que evidentes e a transformação de Sharlto Coopley em camarão mimetizava o processo de esfacelamento em mosca plano por plano. Em ambos os filmes de Blomkamp a carne é fraca – long live the new flesh – e como tal é através de uma combinação entre o corpo e a máquina (especialmente a máquina de guerra) que os protagonistas encontram em si forças para combater o statu quo. Neste Elysium Matt Damon é exposto a uma perigosa dose de radiação que o condenará à morte em 5 dias caso não recorra a tratamento médico apenas disponível no elysium – o tal condomínio fechado orbitante com tudo o que há de bom. Fraco pela exposição é com um exoesqueleto (recurso já utilizado no filme anterior) oriundo do mercado negro (ibidem) que passo a passo se chega ao núcleo do satélite e vence os vilões (em District 9 não era um satélite mas sim uma nave abandonada…).
Esta preferência por um cinema de género onde o corpo é o elemento fundamental é no mínimo revigorante, mas é apenas um ingrediente neste que é um filme de estúdio que segue servilmente o formato (quer repetir o sucesso da estreia do realizador só que com o triplo do orçamento – sim, porque os estúdios acreditam que a multiplicação do orçamento se traduz numa equivalente multiplicação nas bilheteiras) e raramente contesta tal pressuposto. Encontramos à vista desarmada os 15 batimentos de Blake Snyder, sentimos de imediato que a criatividade do realizador está muito obscurecida pelo peso do orçamento e que o tom de homenagem do primeiro é aqui apenas bocejo – os primeiros 30 minutos do filmes são particularmente enfadonhos. Salvam-se os vilões (Jodie Foster é uma delícia de refinamento e Copley é uma delícia de tão básico) e a eficiência com que se mandam personagens para o galheiro sem sequer um ai.