The Wolf Man (O Homem Lobo, 1941), de George Waggner, retrata o retorno de Larry Talbot (Lon Chaney Jr.) à terra natal, uma vila no País de Gales. Depois de anos no estrangeiro, Larry regressa porque a morte do irmão mais velho faz dele o herdeiro dos negócios de família, ainda chefiada pelo patriarca, John Talbot (Claude Rains), um cientista prestigiado. Uma vez acolhido em casa pelo pai, que o saúda com um aperto de mão corporativo, Larry é levado para o observatório, localizado no piso superior da mansão, onde se encontra um enorme telescópio. Larry surpreende o pai ao ser capaz de montar e calibrar a lente do aparelho astronómico – de acordo com o próprio, a sua proficiência é resultante do trabalho que desenvolveu para uma empresa de engenhos ópticos, na Califórnia. Para se certificar de que o telescópio está operacional, Larry ocupa o lugar do pai atrás da lente ocular. A transferência do telescópio de pai para filho sugere que o fascínio do cientista por observar é legado ao protagonista. A diferença é que os corpos que Larry tem interesse em perscrutar não são celestes.

Larry corre o olhar mediado pelo telescópio pelas ruas da vila até que avista uma janela indiscretamente aberta. Através da moldura criada pela janela vê-se uma mulher a colocar uns brincos e a esculpir a sua imagem enquanto se olha ao espelho. Mal sabe ela que, naquele momento, posa para si própria, mas também para o olhar de um homem. A mulher espiada por Larry, cujo entusiasmo voyeurístico se expressa na voracidade com que agarra o tubo do telescópio, é Gwenn Conliffe (Evelyn Ankers). Cativado pela figura da rapariga, Larry decide visitá-la no local de trabalho, o antiquário da vila, e convidá-la para um passeio, um avanço que Gwenn rejeita repetidamente, em virtude de estar noiva. Ao invés de anuir, o protagonista ignora as objecções da rapariga e insiste que irão se encontrar. Portanto, a natureza predatória de Larry precede o ataque de que é alvo quando passeia com Gwenn pelo bosque nessa mesma noite. É verdade que Larry é atacado por um lobisomem e que a mordida o contagia, fazendo-o transformar-se, contra a sua vontade, num licantropo sempre que a lua cheia se aninha no firmamento. Porém, as transformações que Larry experiencia, e que o fazem predar aldeões, incluindo jovens mulheres, dão expressão a uma animalidade libidinal mais humana do que lupina.
Além disso, se o primeiro sintoma monstruoso de Larry é a sua escopofilia, manifestada no acto de espiar a rapariga, então o espectador está igualmente implicado, porquanto também nos deleitamos em ver Gwenn pelo telescópio e, sobretudo, em observar as personagens à distância a partir da escuridão da sala de cinema.

Assim, o plano na primeira pessoa mediado pelo dispositivo óptico (o telescópio) serve de chave de leitura para a parábola libidinosa do filme. Em Wolf Man (Lobisomem, 2025), de Leigh Whannell, acontece algo da mesma ordem, embora o sentido da metáfora que estrutura a acção seja diferente. O instrumento provido de uma lente ocular que o pai lega ao filho na sequência inicial, aparelho esse através do qual o protagonista medeia o olhar, mas também a sua mundividência, é uma caçadeira. Se no original se encontra um pronúncio de animalidade no voyeurismo de Talbot, neste reboot a monstruosidade de Blake Lovell (Christopher Abott), herdada do pai espartano obcecado com a segurança, manifesta-se no impulso de ver o mundo através de uma mira que torna o exterior numa ameaça que exige uma postura defensiva. Nessa conformidade, a parábola critica a superprotecção parental, detalhando como o desejo de escudar as crianças pode ser o que as fere, do mesmo modo que comenta os perigos dos discursos securitários.
É neste ponto que a analogia de Wolf Man se estende além da violência causada pela superprotecção parental e ganha contornos sociopolíticos globais, dado que é sob o viés de um discurso securitário, que contrapõe os nossos (a família, os amigos, os compatriotas) a um perigo exterior, que as nações estão a entrincheirar-se, ignorando que talvez as maiores ameaças partem de dentro, justamente dos que vestem a capa de paladino e cerram as portas.
Agora adulto, e com as memórias das caçadas nos bosques de Oregon a trinta anos de distância, Blake reproduz algumas das atitudes e bordões do pai, nomeadamente quando justifica o raspanete que dá à filha com o dever de protegê-la. No entanto, a relação do protagonista com Ginger (Matilda Firth) é normativa num grau adequado, estando longe dos contornos doentios exibidos pelo pai durante a caçada. O afecto prevalece, pelo menos com a filha. A relação conjugal é uma outra história, uma vez que Blake e Charlotte (Julia Garner) se sentem distantes um do outro. Para recuperar a cumplicidade perdida, Blake propõe à mulher deixar Nova Iorque durante o Verão e passar uma temporada na casa onde cresceu – afinal, o protagonista tem de fazer essa viagem de qualquer modo, visto que foi notificado de que tem de recolher os pertences do pai, desaparecido há anos, mas recentemente declarado morto pelo estado. Em resposta ao plano esboçado pelo marido, Charlotte olha para Blake como quem olha para um paciente em cuidados paliativos e, com um sorriso abatido, acede ao seu pedido sem qualquer convicção de que os ares dos vales de Oregon salvem o seu casamento.

A família parte de Nova Iorque, que é caracterizada como um espaço selvático que requer dos cidadãos um instinto de sobrevivência apurado, rumo ao isolamento e tranquilidade da casa de infância de Blake quando, azar dos azares, mesmo à chegada à propriedade onde cresceu, a família depara-se, contra todas as probabilidades, com um transeunte no meio da estrada. Blake desvia a carrinha do peão estranhamente hirsuto e dá-se um acidente de viação aparatoso a que a família sobrevive. Enquanto recuperam do choque e saem do carro, o protagonista é atacado por um animal selvagem, obrigando-o a pôr-se em fuga com a mulher e a filha a seu lado. Perseguidos por um ser bípede que se move a quatro patas quando em corrida, os Lovell conseguem entrar na casa. Incapazes de comunicar com o exterior devido à previsível falta de rede verificada no ermo, Blake começa a barricar as portas com o objectivo de manter o perigo lá fora.
Acontece que Blake foi ferido pelo animal, um lobisomem, como podem adivinhar, e o corte está a infectar e a fazer o protagonista agir de modo errático. Quer isto dizer que ao tentar manter a família a salvo, tornando a casa impenetrável a ameaças exteriores, Blake deixa Ginger e Charlotte vulneráveis a um perigo interno, já que dificilmente escaparão ao lobisomem em que se está a tornar. É neste ponto que a analogia de Wolf Man se estende além da violência causada pela superprotecção parental e ganha contornos sociopolíticos globais, dado que é sob o viés de um discurso securitário, que contrapõe os nossos (a família, os amigos, os compatriotas) a um perigo exterior, que as nações estão a entrincheirar-se, ignorando que talvez as maiores ameaças partem de dentro, justamente dos que vestem a capa de paladino e cerram as portas.

A metamorfose num lobisomem altera o modo como Blake experiencia o mundo. Por exemplo, compreende-se pelas contorções faciais da personagem que o seu olfacto fica apurado e passa a orientá-lo. Contudo, a visão e a audição são os sentidos que o cinema tem mais facilidade em tornar perceptíveis. Neste caso, as experiências realizadas com o som são particularmente interessantes, embora, por vezes, a engenharia sonora caia no exagero: quem já esteve numa zona florestal sabe que o som do vento a cortar as árvores é ominoso e, por isso, o bosque não precisa de rosnar, como acontece aqui, para ser aterrador. De qualquer modo, conforme referido, a adaptação perceptual de Blake ao estado de licantropo desvirtua a sua sensibilidade ao som e, em função disso, o movimento de uma aranha assemelha-se agora ao barulho de um vizinho a arrastar móveis de madrugada e a voz de Charlotte soa a um rádio com interferência. A dificuldade de o casal comunicar a partir do momento em que Blake deixa de conseguir ouvir e falar normalmente resume os problemas dos cônjuges.
Por sua vez, a adopção do ponto de vista do lobisomem é desinteressante, até mesmo desapontante, visto que os filmes anteriores de Whannell, Upgrade (Upgrade: Máquina Assassina, 2018) e The Invisible Man (O Homem Invisível, 2020), tinham apontamentos formais engenhosos. A visão do monstro assemelha-se uma espécie de filtro ultravioleta que poderia muito bem constar numa aplicação de telemóvel. Ainda assim, este elemento perceptivo é bem operado numa ou duas ocasiões através do movimento da câmara. Um ligeiro travelling facilita a transição da visão lupina de Blake para a visão humana de Charlotte e vice-versa, sublinhando, uma vez mais, os pontos de vista irreconciliáveis dos esposos e a impossibilidade de comunicarem.

A preocupação em tornar a transfiguração perceptual de Blake visível é pouco duradoura porque a perspectiva de Charlotte é adoptada assim que esta assume o papel de mãe protectora. Não obstante, a atenção dedicada ao ponto de vista do protagonista supera o cuidado tido com a caracterização do lobisomem. No decurso da transformação não se tem a certeza se Blake se está a metamorfosear num lobisomem ou se está a sofrer de um caso agudo e repentino de micose que está a fazer a sua pele escamar e o cabelo cair. Tem-se dificuldade em discernir se Blake é objecto de uma mutação consequente de ter sido atacado por um monstro ou se é um paciente insatisfeito com o implante capilar feito na Turquia. Neste ponto, o filme de Whannell subverte o imaginário do lobisomem: nunca um homem se transformou em lobo e, no processo, ficou calvo.

Wolf Man perde-se quando faz jus ao título e apresenta o monstro. Por exemplo, a aguardada confrontação dos lobisomens é desprovida de visceralidade. Esta sequência funciona, acima de tudo, para rematar a parábola de superprotecção, posto que se descobre que o lobisomem que ataca Blake é o pai desaparecido, o que significa que a figura paterna que jurara proteger o filho é quem o fere. A ferida primacial infecta e alastra-se. A doença apodera-se do protagonista que, quando dá conta, transfigurou-se num monstro à imagem do pai. Assim, completa-se a analogia relativa aos padrões de comportamento herdados e replicados durante gerações.
Apesar da força simbólica, o filme desilude enquanto exercício de género. As dificuldades acentuam-se na segunda metade, que acumula episódios que exploram, sem imaginação, os espaços circundantes à casa. Charlotte e Ginger tentam escapar num veículo sem bateria, depois refugiam-se numa estufa, a dado instante também se abrigam num celeiro e, por fim, fogem pelo bosque fora até se acharem num local que evoca o trauma de infância, a caçada de Blake com o pai. Conforme se nota, por esta altura Charlotte ganha protagonismo sem, contudo, adquirir densidade. É uma figurante que se acha no papel principal. Wolf Man colapsa quando o eixo se fixa em si. Logo, quando Charlotte, munida de uma caçadeira, enfrenta o marido lobisomem para salvar a filha, mas também para pôr termo ao sofrimento de Blake, o espectador agradece, porque o tiro que abate o monstro é, de igual modo, o golpe de misericórdia que termina o filme.
★★☆☆☆