Algo da brutalidade do poder da fotografia está no parar do fluxo do tempo, pausar o devir da vida para olhares, recordações, cogitações futuras. O protagonista da nona longa-metragem dos irmãos Larrieu, Aymeric, um homem comum, vai fotografando os eventos do seu presente, sem especial nostalgia ou ambições artísticas. As fotografias, ao lado da percepção do espectador, fazem prova dos acontecimentos bizarros que inicialmente o atraem e que chegam a levá-lo à cadeia por um delito menor.

Adaptado do romance do escritor Pierric Bailly com o mesmo título, Le Roman de Jim (O Romance de Jim, 2024) é um drama familiar que não prescinde desta materialidade pictórica que se pode ver a vários níveis.
Talvez a maior força do filme esteja nesta sensação de tragédia distendida — Aymeric vai sendo afastado do filho não biológico (o Jim do título) que criou com a mãe deste, Florence, dada a ausência do pai biológico —, numa crueldade operada pelo tempo e pela responsabilidade diluída na maturidade do olhar dos cineastas. Essa distensão é também trabalhada nas elipses, num filme que vai passando entre momentos que são filmados como fotografias de um álbum maior: as brincadeiras com o filho na montanha, as conversas sobre decisões de afastamento e reconfiguração emocional entre os adultos; a reconstrução de vida, de uma ruína em casa, de um passado, todos estes são momentos que vão sendo fixados a um continuum do qual é possível extrair situações delicadas mas sem que a elas estejam agarradas as certezas de uma posição moral.
Le Roman de Jim não se preocupa com uma eventual frustração do espectador na busca de uma redenção apressada. Há uma preocupação paciente, rohmeriana, por um retrato adulto e reflexivo acerca das modalidades de configuração familiar e dos modelos de paternidade.
Com frequência, as imagens captadas por Aymeric surgem-nos no seu inverso, no seu negativo. Será metáfora estafada ou apenas a concretização visual de uma obra que nos vai mostrando como a vida é por natureza dotada de reversibilidade? Onde por detrás da uma sólida relação de parentalidade pode estar um progressivo afastamento, uma despromoção dos afetos a um mero resquício do passado? Numa cena importante de Le Roman de Jim, o pai ao reencontrar o seu filho diz-lhe que dessa relação que aparentemente ficou no passado há 82733 fotografias que foi tirando nos anos em que Jim ainda era uma criança. Quase uma centena de negativos são tudo o que resta, imagens que permanecem como imprint analógico do “filme” de uma vida que se foi esgotando no tempo.
No desfiar lento desta obra cabe esse ritmo pachorrento pelo qual Le Roman de Jim não se preocupa com uma eventual frustração do espectador na busca de uma redenção apressada. Há uma preocupação paciente, rohmeriana, por um retrato adulto e reflexivo acerca das modalidades de configuração familiar e dos modelos de paternidade. Mas no ponto mais alto do filme dos irmãos Larriu cintila a presença e o olhar afáveis, o rosto calmo de Karim Leklou. Com eles vamos afinal também entrar num character study muito subtil, numa personagem que tem sido descrita como próxima de Míchkin, o protagonista de O Idiota de Dostoiévski. A proximidade com esta personagem alegre e impassiva, malgré tout, que permite quebrar alguns dos estereótipos da masculinidade possessiva e violenta, deixa o drama respirar muito além da mera abordagem sociológica e reparadora do que significa a verdadeira paternidade e quais os limites do comportamento familiar.
Finalmente o salto musical: dos xilofones e pianos suaves da primeira metade do filme (Bertrand Belin é compositor, ao mesmo tempo que dá corpo à personagem do pai biológico, Christophe) ao tecno e às raves da segunda metade. Apesar dessa mudança de ritmo, mesmo de vida, Le Roman de Jim permanece na mesma credulidade doce, na mesma cadência de uma forma maior de apreciar a vida que se vai vivendo, com suas encruzilhadas, ironias e percalços. A maturidade da ficção cinematográfica francesa está aqui, do início ao fim.
★★★★☆