Robert Redford realizador pode ser encarado como um ‘classicista modesto’ e de facto os seus filmes apontam nesse sentido. Os dramas familiares do seu início de carreira como Ordinary People (Gente Vulgar, 1980) ou A River Runs Through It (Duas Vidas E Um Rio, 1992) são exemplos fulgurantes disso mesmo: um trabalho exaustivo de construção de personagens e um tom delicado. Isso foi o seu cinema até The Legend of Bagger Vance (A Lenda de Bagger Vance, 2000) e à interrupção de 8 anos na sua carreira de realizador. O ressurgimento deu-se com Lions For Lambs (Peões em Jogo, 2007) e com ele inaugurou uma fase mais politizada que inclui The Conspirator (A Conspiradora, 2010) e este novo filme: The Company You Keep (Regra do Silêncio, 2012).
No entanto, o que notamos logo desde o início do filme é que, de alguma forma esse desejo denunciatório dos filmes anteriores se refreou dando lugar à perspectiva familiar (e portanto emocional) dos que, quando jovens, eram também eles muito mais engajados com o mundo e especialmente no que toca à intervenção no Vietname. Conhecemos ao longo do filme vários dos homens e mulheres que manifestaram o seu horror sobre o horror que a televisão lhes trazia do outro lado do mundo. Tanto gritaram que acabaram por se cansar e partir para a violência, trouxeram a guerra para casa para que a guerra de fora acabasse, combateram o fogo com o fogo. Redford, Julie Christie, Susan Sarandon, Nick Nolte, Richard Jenkins são alguns desses homens e mulheres. Quando Sarandon é apanhada pelo FBI, 30 anos depois por um assalto que correu mal e vitimou um polícia, desencadeia uma investigação jornalística que começa a desencantar (nos dois sentidos da expressão) os criminosos de então.
O filme de Redford vive pois dividido em dois, tanto quer perceber como envelheceram (e cresceram?) os radicais, como deseja trabalhar sobre o género do thriller liberal dos anos 70 usando para isso o esquema do jornalista presado (Shia LaBeouf) que está obcecado em descobrir ‘a verdade’. E essa dualidade nunca é bem resolvida porque, por um lado, o suspense nunca é verdadeiramente envolvente [ao contrário de outros filmes do realizador, como Quiz Show (1994)] e, por outro, a insistência nessa trama jornalística (sobre os limites morais da investigação) só retira força ao trabalho quase arqueológico dos actores.
Se percebemos a homenagem ao género e até a saudação aos seus mentores – Pakula e Pollack – também percebemos que o resultado não lhes faz justiça, ainda mais quando os dois filmes anteriores conseguiam-no aparentemente sem tanto esforço. Lions For Lambs desenhava um mosaico entre o filme de guerra e os bastidores políticos de Washington numa teia intrincada que apontava o dedo directamente à presidência de George W. Bush; enquanto que em The Conspirator esse apontar de dedo era feito através da reinterpretação do assassínio de Lincoln usando para esse efeito o digital (à Michael Mann). The Company You Keep nunca se consegue concentrar num tema, numa denúncia como o género sempre pediu, nem consegue por sua vez tocar o coração do espectador como por exemplo Lumet fez com Running on Empty (Fuga sem Fim, 1988), cuja trama é muito semelhante a este filme.
Dito isto é evidente que o melhor do filme sejam os encontros entre grandes amigos que já não se viam há anos – a personagem de Redford está fugida à polícia e vai viajando por alguns dos estados americanos visitando old acquaintances, tentando encontrar a sua ex-namorada. De todos os encontros reservo um que me pareceu particularmente esclarecedor: Redford visita Jenkins, que é hoje um professor universitário reputado (mas ainda com vários contactos), e logo desde o primeiro momento percebemos que aqui o subtexto do filme torna-se texto pela palestra do professor: a história não é um destino a que estamos obrigados, mas sim um ferramenta que todos temos obrigação de utilizar e moldar. Depois da palestra encontram-se num local público para não chamar a atenção e qual é o local escolhido? Um museu, nem mais. Redford filma todo o encontro quase sempre revelando apenas as silhuetas dos dois homens contra as paredes emolduradas. Eles são já sombras do que foram e mais do que isso sentem-se sombras de si mesmos, sentem-se objectos de museus cujo interesse é apenas o de estudiosos ou curiosos.