Como A torinói ló (O Cavalo de Turim, 2011), o proclamado derradeiro filme de Béla Tarr, a primeira longa-metragem de Eduardo Nunes chega de carroça: ao fulgurante travelling inicial do húngaro, que persegue aquele cavalo a fugir tanto ao destino negro que apagará tudo, como da câmara, o brasileiro responde com uma suave panorâmica que se afasta de uns arbustos e descobre uma estrada poeirenta (onde aparece a dita carroça). Apesar dos filmes terem estreado mais ou menos na mesma altura, a referência (e a influência) só parecerá rebuscada a quem não viu Sudoeste (2012), filmado num muito contrastado preto-e-branco encaixado numa invulgarmente esticada e estreita tira de imagem, um ultrascope que ao mesmo passo espreme o espaço e estende o tempo.
A exiguidade do ecrã e o som, muito trabalhado – nos primeiros minutos, ouve-se insistentemente um moinho de vento empenado como na célebre sequência que abre C’era una volta il West (Aconteceu no Oeste, 1968), embora a ascendência do cinema de Leone se fique por aí (nem sequer há grandes planos fechados para tentar desencantar mais alguma) -, provocam uma estranheza que se vai dissipando ao reconhecerem-se as marcas de um certo cinema da Europa de Leste, não só o do já citado Tarr, como o de Andrei Tarkovski, referido por Nunes como influência maior: o tom pausado, arrastado, taciturno, austero (no que a funesta banda sonora ajuda); os longos planos com imperceptíveis movimentos de câmara; a irrelevância do enredo.
Nesse aspecto (e noutros, como se verá), é claramente um primeiro filme, devedor da cultura cinéfila do realizador, uma tentativa de encontrar um olhar pessoal por entre a visão do que os outros fizeram. Para mais, teve uma prolongada gestação de dez anos, o que se nota na radicalidade da proposta: a componente plástica (visual e sonora) impera sobre todas as outras. O que não seria necessariamente um problema, não fosse a história de uma simbologia tão fácil e atreita a tiques de realismo mágico – sem querer entrar muito em detalhes, Sudoeste anda à volta (quase literalmente, visto que é tão circular) de um dia da vida (ou, para ser minimamente críptico, numa vida de um dia) de uma mulher, da nascença à morte. Ou seja, do cinema de Tarr, Tarkovski ou até mesmo Kubrick, importa sobretudo a pose, que, à medida que o tempo passa e a partir do momento em que já se percebeu o que Eduardo Nunes “quer dizer” (e nota-se que este quereria ter dito alguma coisa), se torna cada vez mais fastidiosa. Falta a Eduardo Nunes o peso, dir-se-ia de pedra tumular, dos outros cineastas, sendo que, embora aproveite bem a paisagem agreste e deserta, as águas paradas e as pequenas embarcações que nelas navegam, resvala algumas vezes para o plano bonito, quase de bilhete postal – aquele da janela que se abre para uma brincadeira de crianças é exemplo.
Talvez mais surpreendente do que o próprio filme (que, ainda assim, se assume como um objecto estranho no corpo da cinematografia brasileira que se conhece por cá) é a forma como será distribuído. A Nitrato Filmes, que se propõe divulgar o cinema do Brasil*, já estreou em Portugal Eu Receberia As Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (2011) e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009) e se prepara para lançar o aclamado O Som ao Redor (2012) de Kleber Mendonça Filho (exemplos da recente produção brasileira que tem feito um percurso interessante nos festivais internacionais – O Som ao Redor esteve a concurso no IndieLisboa 2012), não se fixa numa sala em Lisboa (cidade que raramente visita) ou no Porto, como outras distribuidoras pequenas, preferindo uma tournée pelos cineclubes portugueses (cujas paragens podem ser consultadas no Facebook da distribuidora), ao jeito do que João Botelho fez com o seu Filme do Desassossego (2010). Não se sabe ao certo o sucesso desta estratégia. No entanto, se o objectivo é a promoção, não será das menos ajustadas. É pena, se calhar, que no meio do mar de estreias semanais, pouca atenção seja dada a este pequeno veio (perdoe-se a imagem pirosa) – no caso de O Som ao Redor seria quase criminoso.
*Foi corrigida a informação de que a Nitrato Filmes se tratava de um empresa brasileira – é portuguesa – e retirada a menção de que recebe apoios estatais, pois dava a ideia de que a situação seria diferente das demais distribuidoras, quando, na verdade, todas recebem apoios à distribuição. Pedimos desculpa por estas incorrecções.